A saúde vaginal de pessoas que menstruam ainda é considerada tabu, e esse estigma se estende até os consultórios médicos. De acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 50% das mulheres sente cólica menstrual, sendo que 10% delas apresentam dores muitas vezes incapacitantes.

Essas dores chegam a ser tão intensas ao ponto de interromper suas rotinas. Apesar dos dados e das queixas das pacientes, muitos ginecologistas continuam não considerando os desconfortos como algo passível de investigação médica, prescrevendo apenas o uso de anticoncepcionais e analgésicos para controlar a dor.

As cólicas menstruais são um dos principais indícios da endometriose, uma condição médica que afeta cerca de 190 milhões de mulheres no mundo, sendo mais de 7 milhões aqui no Brasil, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Ela acontece quando as células do endométrio, camada interna do útero expelida na menstruação, acabam se depositando fora da cavidade uterina, causando reações inflamatórias e lesões que podem sensibilizar, inclusive, o funcionamento de outros órgãos.

Maio é o mês internacional de conscientização sobre a dor pélvica e no dia 7 é lembrado o Dia Internacional da Luta contra a Endometriose. Conheça algumas das principais informações sobre a doença que traz um forte impacto na vida sexual e reprodutiva das mulheres, além de afetar a sua saúde emocional.

Como identificar a endometriose em diferentes etapas da vida?

Apesar de ter relação com o ciclo menstrual, a endometriose pode trazer sintomas e incômodos para mulheres de todas as idades, desde a menarca até depois da menopausa, como adverte Patrick Bellelis, especialista em endometriose e colaborador do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Embora tenha prevalência em 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva, a endometriose pode surgir em qualquer idade, sendo mais comum o seu desenvolvimento em mulheres entre 30 e 40 anos. Muitas descobrem a endometriose após cinco anos ou mais da existência da doença, o que pode contribuir para a sua progressão”, explica.

Adolescência: sintomas não podem ser negligenciados

endometriose pode começar a afetar crianças e adolescentes após sua primeira menstruação. A doença é de difícil diagnóstico pois muitos dos sintomas podem ser confundidos ou serem considerados normais dessa fase da vida. Como a maioria ainda não iniciou sua vida sexual, não manifestam outros sintomas, como a dor durante o contato íntimo ou a dificuldade para engravidar.

É importante ficar atento aos principais erros associados a essa condição nas mulheres mais jovens. Não se deve subestimar os sintomas como cólicas intensas, dor pélvica, problemas gastrointestinais e desconforto ao urinar. Quanto mais cedo a endometriose for identificada, maiores serão as chances de um tratamento eficaz junto ao ginecologista”, orienta Dr. Patrick.

Idade adulta: gerenciando a endometriose durante os anos férteis

Cólicas de forte intensidade, dor durante a relação sexual e dificuldade em engravidar são os sintomas que mais se destacam durante os anos férteis da mulher com endometriose. Nas tentativas de conceber um bebê, é natural que se busque ajuda profissional e a doença fique evidente; mas, no caso das cólicas, isso nem sempre acontece. Observar essas dores é importante para identificar se é o caso de recorrer a um médico. “Cólicas de maior intensidade, que afetam a rotina, ou com características diferentes das habituais, devem ser encaradas como sinal de alerta”, frisa Bellelis.

Também não devem ser ignoradas a dor durante a relação sexual, a dor e o sangramento ao urinar ou evacuar e as dores nas costas. Sintomas fora do período menstrual também merecem atenção. A indicação do especialista é que, ao sentir qualquer coisa fora do normal, durante o ciclo ou fora dele, a mulher procure um profissional para que o quadro seja investigado e se dê início a um tratamento o quanto antes, se necessário.

Menopausa: uma mudança na jornada da endometriose

Para algumas mulheres, a menopausa pode trazer alívio dos sintomas da endometriose, uma vez que a produção hormonal diminui. No entanto, não é o caso para todas. Algumas pacientes ainda experimentam desconforto pélvico e outros problemas mesmo após a menopausa. O tratamento contínuo e o apoio médico são cruciais nesta fase da vida, pois a endometriose pode persistir e afetar a qualidade de vida.

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Ignorar cólicas menstruais pode ter consequências graves para as mulheres

Médico especialista alerta para a normalização das dores e recomenda a procura por exames específicos para detectar a doença o quanto antes

Independentemente da idade, é necessário ficar atento aos sintomas mais comuns, que podem ser facilmente confundidos com outras doenças: dor pélvica intensa, principalmente no período menstrual; infertilidade ou dificuldade em engravidar; desconforto gastrointestinal; cansaço crônico; fadiga.

É comum que sintomas como as cólicas sejam normalizados nesse período, mas não devem ser. Há mulheres com dores severas durante a menstruação e isso pode ter diferentes significados”. Sem o tratamento adequado, a doença pode atingir formas graves, como a endometriose profunda.

A relativização das queixas de pessoas com útero retarda o diagnóstico. É comum a descoberta tardia da doença, que geralmente é feita somente após tentativas frustradas de engravidar, quando são solicitados exames para detectar infertilidade. Estudos apontam que a endometriose pode levar até dez anos para ter um diagnóstico comprovado.

Precisamos dar visibilidade ao assunto, conscientizar profissionais de saúde e orientar cada vez mais mulheres a observarem seu corpo, porque o diagnóstico precoce é capaz de prevenir sequelas e permitir um tratamento que pode garantir o controle da doença e a qualidade de vida”, conclui Bellelis.

O impacto emocional e psicológico na vida das pacientes

No entanto, além das dores físicas intensas e das complicações comuns para a fertilidade, um aspecto frequentemente negligenciado é o impacto emocional e psicológico da endometriose na vida das pacientes. A condição, que se caracteriza pelo crescimento anormal de tecido semelhante ao endométrio fora do útero, pode levar a dores incapacitantes, limitações na vida social e profissional, dificuldades nos relacionamentos e até depressão e ansiedade. 

O sofrimento causado pela endometriose vai muito além dos sintomas físicos. Muitas pacientes relatam sentimentos de frustração, tristeza e ansiedade intensos devido às incertezas sobre sua saúde e as consequências dos sintomas em sua qualidade de vida”, afirma o Dr. Patrick Bellelis,.

A relação entre dor crônica e saúde mental deve ser um ponto de atenção para especialistas da área. Mulheres com endometriose frequentemente enfrentam uma jornada longa até o diagnóstico, o que pode levar a um desgaste emocional significativo logo no começo do enfrentamento. A dor persistente, aliada à falta de compreensão sobre a doença, pode ter repercussões psicológicas profundas.

Tamanho impacto emocional pode se manifestar de diferentes formas, incluindo estresse e alterações no humor. O isolamento social também é uma consequência comum, já que a dor e o desconforto podem interferir na participação em eventos sociais e atividades do dia a dia. Além disso, a falta de reconhecimento e compreensão sobre a condição pode gerar sentimentos de desamparo, intensificando o sofrimento emocional.

Além dos cuidados ginecológicos, o acompanhamento psicológico é indispensável para a melhora da qualidade de vida destas mulheres. A terapia pode ajudar a paciente a desenvolver estratégias de enfrentamento e ressignificar a dor, promovendo conforto para os momentos críticos e uma melhora geral em seu bem-estar emocional”, reforça Bellelis.

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O anticoncepcional é a cura para a endometriose?

Médico esclarece como o anticoncepcional pode auxiliar no controle da doença

endometriose é uma condição que afeta milhões de mulheres em todo o mundo, causando dor intensa e impactando significativamente a qualidade de vida. Quando o assunto é tratamento, muitas pacientes têm dúvidas sobre a eficácia dos anticoncepcionais na gestão dessa doença.

Para esclarecer essas questões, Dr. Patrick Bellelis, ginecologista especializado em endometriose e colaborador do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, responde às principais dúvidas relacionadas ao tratamento de endometriose com anticoncepcionais. Confira:

Embora não curem a endometriose, os contraceptivos podem desempenhar um grande papel no controle dos sintomas. Estimulado pelo hormônio estrógeno, o endométrio reveste o útero e se desenvolve todos os meses, preparando o órgão para uma possível gravidez.

Quando ela não ocorre, esse resíduo é “descartado” através da menstruação. Na endometriose, esse tecido se forma fora da cavidade uterina, causando desconforto intenso e irregularidades menstruais — e é justamente nesse ponto que os hormônios sintéticos agem.

A progesterona presente nos anticoncepcionais age em oposição ao estrógeno. Por isso, os contraceptivos são uma boa ferramenta para reduzir o crescimento e inflamação do endométrio fora do útero, aliviando a dor e, em alguns casos, diminuindo a progressão da doença”, afirma Bellelis.

Todos os anticoncepcionais são igualmente eficazes para tratar a endometriose?

Hoje, no mercado, todos os anticoncepcionais têm progesterona em suas fórmulas e podem tratar a endometriose com eficácia. “Algumas vezes, esse método é recomendado para suprimir a menstruação, mas isso não altera a evolução da doença. É comum que optemos pela supressão da menstruação apenas para melhora da qualidade de vida da paciente”, explica.

A escolha da pílula também deve levar em consideração a gravidade dos sintomas e as necessidades individuais.

 

Anticoncepcionais hormonais são seguros a longo prazo para mulheres com endometriose?

Sob a supervisão médica adequada, os anticoncepcionais hormonais são geralmente seguros para uso no longo prazo. No entanto, não são recomendados para mulheres com risco elevado de câncer de mama e trombose.

“É importante monitorar regularmente a paciente para avaliar a resposta ao tratamento e qualquer efeito colateral potencial. Cada uma pode responder de maneira diferente aos diferentes tipos de anticoncepcionais”, comenta Patrick.

 

Como os anticoncepcionais auxiliam no controle da endometriose?

Ao interromper o ciclo menstrual normal ou reduzir os níveis de estrogênio, os anticoncepcionais podem criar um ambiente menos favorável para o crescimento da endometriose. Além de aliviar a dor e reduzir a progressão da doença, eles ajudam a regular o ciclo menstrual e podem diminuir a formação de novos tecidos endometriais fora do útero.

Por mais que os anticoncepcionais não sejam uma cura definitiva para a endometriose, eles são uma ferramenta para o manejo dos sintomas e a melhoria da qualidade de vida das pacientes. É essencial que mulheres com essa condição discutam suas opções com um ginecologista especializado para encontrar o tratamento mais adequado às suas necessidades”, conclui o médico.

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Acupuntura e endometriose: a terapia milenar pode beneficiar mulheres que sofrem com a doença?

Tratamento complementar é capaz de aliviar a dor e o estresse

Amenizar os sintomas da endometriose é a prioridade das milhões de mulheres afetadas pela doença, que causa dor intensa e impacta negativamente a qualidade de vida. Essa condição, caracterizada pela formação de tecido endometrial fora da cavidade do útero, pode levar a sintomas como cólicas severas, dor durante a relação sexual e problemas de fertilidade.

A acupuntura é um meio cada vez mais popular de aliviar tanto desconforto. A aplicação de agulhas em pontos específicos do corpo é uma terapia oriental milenar para estimular terminações nervosas na pele e em outros tecidos, com ação analgésica ou anti-inflamatória.

Para mulheres que sofrem com endometriose, a acupuntura pode oferecer alívio significativo, especialmente no controle da dor e na redução da inflamação, equilibrando o corpo e promovendo bem-estar”, explica Dr. Patrick Bellelis.

Outro benefício da prática é a redução do estresse e da ansiedade, fatores que frequentemente agravam os sintomas da endometriose. A conexão entre saúde mental e dor física é crucial, explica Bellelis, uma vez que o estresse age diretamente na produção hormonal do corpo, podendo agravar o quadro.

Quando estamos estressados, o corpo produz mais cortisol e adrenalina, o que influencia os níveis de estrogênio, hormônio responsável por regular o ciclo menstrual e que está diretamente relacionado à endometriose. O estresse também pode comprometer o sistema imunológico, tornando o corpo mais suscetível à inflamação e à proliferação de células anormais, piorando a condição”, completa.

Embora a acupuntura não substitua os métodos tradicionais de lidar com a doença — como o uso de anticoncepcionais e remédios, atividades físicas regulares e alimentação equilibrada —, ela pode ser uma boa opção para mulheres que buscam alternativas não invasivas e que desejam reduzir o uso de medicamentos. Mas o Dr. Bellelis ainda enfatiza a importância de uma abordagem multidisciplinar no tratamento da endometriose.

Com o aumento do reconhecimento e integração da acupuntura nos planos de tratamento das pacientes, essa prática está trazendo uma nova esperança e melhora na qualidade de vida para muitas mulheres. Mas é necessário sempre conversar antes com os médicos sobre o uso de terapias complementares. Cada caso é único, e o que funciona para uma pessoa pode não ser eficaz para outra”, conclui o médico.

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