Todo mês, o útero se prepara para a fecundação do óvulo. Quando ela não ocorre, o endométrio (tecido da camada interna do útero) descama e as células endometriais se desprendem e saem com o sangue menstrual. Em algumas mulheres, no entanto, essas células podem migrar no sentido oposto e se multiplicar fora do útero, atingindo ovário, trompas, bexiga ou intestino.
A essa condição dá-se o nome de Endometriose, uma doença crônica que atinge cerca de 10% das mulheres em idade fértil, segundo a Organização Mundial da Saúde, uma em cada 10 mulheres sofre com a endometriose, principal causa de infertilidade feminina. A endometriose é caracterizada pela presença de células do endométrio fora do útero, quando o tecido semelhante ao que reveste a parte interna do órgão cresce fora dele em mulheres que têm predisposição para o desenvolvimento da doença.
Muitas mulheres ainda ignoram os sintomas; outras até buscam o ginecologista, mas, infelizmente, ainda encontram poucas informações. Além de causar dores muito fortes e até mesmo incapacitantes, existe uma enorme desinformação sobre a doença, tanto das pacientes como entre os próprios ginecologistas, o que dificulta o diagnóstico e afeta de forma grave a qualidade de vida destas mulheres.
Tudo isso faz com que o tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico varie entre 7 e 10 anos, o que impacta de maneira cruel na sexualidade, nas relações, na qualidade de vida, na produtividade e até no sonho da maternidade. Afinal, muitos médicos ainda acreditam que a remoção do útero é solução para a endometriose, mesmo a doença estando fora desse órgão.
A doença ainda é subdiagnosticada, apesar de uma a cada 10 brasileiras ter dores semelhantes às do parto normal todos os meses, por pelo menos 10 anos de sua vida”, alerta o médico ginecologista Tomyo Arazawa, especialista em cirurgias minimamente invasivas.
Diagnóstico pode levar até 7 anos, aponta estudo
Um estudo global realizado pela World Endometriosis Research Foundation revelou que mulheres portadoras da doença demoraram, em média, 7 anos para obter o diagnóstico de endometriose. O levantamento foi feito em 2011 com 1.418 pessoas do sexo feminino entre 18 e 45 anos.
A demora no diagnóstico – fruto da desinformação – é um dos motivos que levaram à criação do Março Amarelo – Mês Mundial da Conscientização da Endometriose. O objetivo é alertar as mulheres sobre a importância de estarem atentas aos principais sintomas da doença e também de procurarem um especialista no assunto, capacitado para realizar o diagnóstico correto da enfermidade.
“A mensagem principal é: a mulher não precisa sentir cólicas”, afirma Fernando Guastella, ginecologista formado pela USP e especialista em endometriose. “Se o médico afirmar que cólicas são normais, mas você estiver incomodada com a dor, procure outro profissional”, completa.
Identifique se você tem um desses 6 sinais
Segundo o médico ginecologista Tomyo Arazawa, é importante desconfiar da presença de endometriose quando se tem pelo menos um dos seis principais sintomas (e que muita gente ainda acredita ser normal senti-los):
- cólica menstrual extremamente intensa, a ponto de deixar a mulher de cama e incapacitada de realizar atividades básicas, como levantar para tomar banho. E isso pode acontecer já a partir das primeiras menstruações;
- dor na relação sexual, especialmente no fundo da vagina;
- dor na região do reto ao evacuar, principalmente durante o período menstrual;
- dor ao urinar também no período menstrual;
- dor na pelve fora do período menstrual, principalmente no período da ovulação;
- dificuldade para engravidar
Atenção aos sintomas!
Professor responsável pelo setor de ultrassonografia ginecológica do centro de ensino médico CETRUS, Fernando Guastella ensina aos alunos, há 12 anos, como diagnosticar de forma correta a endometriose. A seguir, ele dá dicas importantes sobre os sintomas da doença, informações sobre a causa, diagnóstico e tratamento
- Observe seu ciclo menstrual. Cólicas leves, moderadas, mas principalmente intensas, podem ser sintoma de endometriose. Se a dor lhe incomoda, procure um ginecologista e faça uma avaliação.
- Se você nunca teve cólica menstrual na vida e passa a ter, fique alerta. Pode ser sintoma de alguma alteração no aparelho reprodutor feminino. Na dúvida, consulte um ginecologista.
- Dor durante a relação sexual também pode ser sintoma de endometriose. Não dor na penetração, mas na parte mais profunda da vagina.
- Infertilidade, independentemente de sintomas dolorosos.
- Dor pélvica crônica ou distensão abdominal
- Dor para evacuar, diarreia ou constipação durante o período menstrual.
- Dor para urinar durante o período menstrual
A importância do diagnóstico correto
O primeiro passo para o diagnóstico é o exame ginecológico clínico. O exame físico (toque vaginal) consegue detectar cerca de 70% das lesões de endometriose localizadas na região retrocervical (atrás do colo do útero).
O diagnóstico de endometriose, no entanto, precisa ser confirmado por meio da realização dos exames corretos. “O que ocorre, muitas vezes, é que o médico pede para que a paciente faça um ultrassom transvaginal e nada é diagnosticado. E a mulher continua a sofrer com dores. O correto, para detectar a endometriose com exatidão, é fazer um ultrassom transvaginal com preparo intestinal.
Assim é possível estabelecer, com precisão, os focos de endometriose tanto no aparelho reprodutor feminino, no intestino e também em outros órgãos”, diz Fernando Guastella. “Há casos em que a mulher tem focos de endometriose em mais de uma região”, completa.
Outro método de detecção da doença é através da ressonância magnética. “A ressonância magnética e a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal apresentam capacidade diagnóstica semelhante, sendo muitas vezes, complementares. Um estudo recente determinou que quando os dois métodos são realizados na mesma paciente, a acurácia diagnóstica é próxima de 100%”, relata o ginecologista.
Segundo Fernando Guastella, também é muito importante que os exames sejam realizados por profissionais especializados no diagnóstico da endometriose. “É muito melhor fazer os exames com quem tem experiência no diagnóstico da doença. Caso contrário os resultados podem ser ruins”, afirma.
Causa
Existe uma predisposição genética na ocorrência da endometriose. Isso significa que, se um parente próximo tem ou teve a doença, a chance de aparecimento da enfermidade aumenta. “Não quer dizer que porque sua mãe teve, você terá também. Mas a probabilidade cresce”, explica o ginecologista.
E por que algumas mulheres, mesmo com predisposição genética, tem a doença e outras não? “Sabemos que as condições do ambiente em que a mulher vive modulam a ocorrência da endometriose. Stress, ansiedade e deficiências imunológicas podem desencadear a doença”, completa Fernando Guastella.
Tratamento
A endometriose é uma doença crônica, ou seja, que não tem cura, mas pode ser controlada. O tratamento é feito com mudanças no estilo de vida e hormônios que interrompem o ciclo menstrual. Quando os sintomas não forem controlados com o tratamento ou em casos mais graves, é necessária a realização de cirurgia para a retirada dos focos da doença. As intervenções cirúrgicas geralmente são feitas através de laparoscopia, ou cirurgia robótica, métodos minimamente invasivos.
Infertilidade
A endometriose dificulta a vida de quem quer engravidar? A resposta é sim. De um terço a metade das mulheres com endometriose têm dificuldade para engravidar. Fernando Guastella explica que isso ocorre devido ao processo inflamatório crônico desencadeado pela endometriose ou por alterações anatômicas do aparelho reprodutor, ou ambas as causas.
Março Amarelo
Março é o mês mundial de conscientização sobre o diagnóstico e tratamento da doença, identificado pela cor amarela. No Brasil, algumas iniciativas foram criadas no Março Amarelo para ajudar a informar e empoderar a paciente, fazendo-a entender que há tratamento e que é direito dela levar essa questão para a consulta médica.
Este ano, por causa da pandemia, a EndoMarcha (Million Women March for Endometriosis), assim como em 2020, não será presencial. No entanto, alguns eventos serão realizados para celebrar o Março Amarelo e levar informação sobre as possibilidades de tratamento e cura da endometriose à população.
No dia 13 de março, o EndoConectad@s reunirá um time de especialistas, portadoras e familiares de portadoras da doença para debater assuntos relacionados aos direitos de pacientes, tratamentos disponíveis, apoio psicoterapêutico e até projetos de lei criados para promover políticas públicas que auxiliem endomulheres. O evento acontecerá em formato de webinar, das 11h às 15h e as inscrições podem ser feitas gratuitamente aqui.
Já a EndoMarcha será realizada tradicionalmente no último sábado de março, no dia 27, em um evento on-line com a participação de diversos países. As informações sobre a edição 2021 serão divulgadas no blog e no perfil do Instagram de A Endometriose e Eu, ao longo do mês de março.
Outra iniciativa é o EndoTalks é um projeto solidário e de movimento transformador para a conscientização e informação de mulheres com endometriose. São encontros gratuitos com especialistas de diversas áreas especializados em endometriose, como ginecologista, cirurgião do aparelho digestivo, urologista, radiologista, médica de dor, nutricionista e fisioterapeuta. Devido à pandemia, o encontro deste ano será transmitido ao vivo pela internet, nos dias 13 e 14 de março, das 9 às 14 horas. Para participar, basta se inscrever no www.endotalks.com.br.
Mais sobre a campanha
A campanha Março Amarelo foi criada em 1993 pela ativista americana Mary Lou Ballweg, que desde 1980 se dedicava ao trabalho de apoio e conscientização sobre a endometriose. Em 2011, a iniciativa foi trazida ao Brasil por Caroline Salazar, autora do blog A Endometriose e Eu e capitã da EndoMarcha Time Brasil, após inspirar-se na campanha realizada nos EUA e em alguns países europeus.
Despretensiosamente, comecei a falar no blog e nas redes sociais sobre o movimento e do meu desejo de fazê-lo no Brasil. Finalmente, em março de 2013, ele aconteceu. O ‘I Brasil na Conscientização da Endometriose’ aconteceu no dia 30, em SP, no Vão Livre do MASP”, conta a jornalista e ativista. O objetivo era disseminar os principais sintomas da endometriose: fizemos flyer, compramos balões amarelos, vestimos as camisetas que o blog tinha acabado de lançar e montamos as fitas de conscientização à mão”, revela.
O evento cresceu e, ainda em 2013, outras mulheres manifestaram interesse em levar o movimento para outras cidades brasileiras. “Minha ideia era expandi-lo em 2014, porém, em maio de 2013, fui convidada a capitanear a EndoMarcha (Million Women March for Endometriosis) pelos fundadores do movimento nos Estados Unidos”, explica Caroline.
A partir de então, a EndoMarcha passou a integrar os eventos em celebração ao Março Amarelo. Caroline reforça a importância de falar sobre a endometriose de forma abrangente. “A conscientização deve ser diária, não apenas em março. Em um país como o Brasil, onde a maior parte da população é feminina, os dados sobre endometriose se tornam ainda mais alarmantes”, reflete.
Palestrantes confirmados para o EndoTalks
- Tomyo Arazawa – ginecologista especialista em endometriose, dor pélvica, cirurgia robótica, laparoscopia e histeroscopia
- Lilian Fiorelli – ginecologista, obstetra, uroginecologista e especialista em sexualidade humana
- Giuliano Borelli – ginecologista especialista em endometriose, dor pélvica e laparoscopia ginecológica
- Juliana Sperandio – ginecologista e obstetra, especialista em saúde da mulher inspirada na humanização, excelência e qualidade de vida
- Alexandre Bertoncini – cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista, especialista em endometriose intestinal
- Fábio Torricelli – cirurgião urologista, especializado em cirurgias robóticas.
- Renato Tomioka – médico ginecologista especializado em medicina reprodutiva e endoscopia ginecológica.
- Paulo Bianchi – médico ginecologista especializado em medicina reprodutiva e endoscopia ginecológica.
- Luciana Chamié – médica radiologista especializada no diagnóstico por imagem da endometriose.
- Leandro Accardo – médico radiologista especializada no diagnóstico por imagem da endometriose.
- Alexandra Raffaini – médica anestesiologista especializada no tratamento de dor crônica.
- Juliana Gropp – nutricionista e nutricoach pelo Método Sophie Dream, especialista em nutrição clínica e doenças crônicas
- Felipe Takatsu – Osteopata e professor de osteopatia no IDOT, especializado em terapias manuais.
- Juliana Domingues – fisioterapeuta pélvica especializada em dor e disfunções do assoalho pélvico.
- Bruna Chamma – fisioterapeuta pélvica especializada em dor e disfunções do assoalho pélvico.
Com Assessorias