A frota de motocicletas no Brasil está em uma trajetória de alta no Brasil. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), o número de veículos motorizados de duas rodas cresceu 42% de 2015 a 2024, quando atingiu o patamar de 35 milhões de unidades no país.

Só no ano passado, o número de motos vendidas aumentou 18,6%, alcançando o maior patamar desde 2011. Para 2025, a expectativa é de mais uma alta, de 7,7%, ultrapassando 2 milhões de emplacamentos em um ano.

Se forem contabilizadas apenas as motocicletas, os veículos em circulação no país eram 29 milhões em junho de 2025, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Cinco anos antes, em 2020, o país tinha uma frota de 23,4 milhões, o que mostra que houve um acréscimo de quase 6 milhões de motocicletas nas ruas brasileiras.

Em seis estados das regiões Norte e Nordeste, as motos já representam mais da metade da frota de veículos: Piauí (55%), Pará (54%), Maranhão (60%), Rondônia (51%), Acre (53%) e Ceará (50%).  Em seis estados do Norte e Nordeste, as motos representam mais da metade da frota de veículos: Piauí (55%), Pará (54%), Maranhão (60%), Rondônia (51%), Acre (53%) e Ceará (50%).

Brasília (DF), 05/08/2025 - Arte rota perigosa. Arte EBC
Arte EBC

Veículo mais letal

Juntamente com mais possibilidades de locomoção e trabalho para seus condutores, o aumento da frota no país também tem contribuído para o número de óbitos no trânsito. Segundo o Atlas da Violência 2025, o usuário da motocicleta é, atualmente, a maior vítima dos sinistros de trânsito no Brasil, que registra um aumento do número de mortes desde 2020.

Em 2019, houve 31.945 vítimas do trânsito no Brasil, número que aumentou nos anos seguintes até chegar a 34.881 em 2023. Neste mesmo período, o número de vítimas de sinistros com motos subiu de 11.182 para 13.477.

Rio de Janeiro (RJ), 30/07/2025 - Motociclistas de aplicativos transitam pelas ruas do centro do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Motociclistas de aplicativos transitam pelas ruas do centro do Rio – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Esses números mostram que, a cada três pessoas que morrem no trânsito no Brasil, uma foi vítima de um sinistro envolvendo motocicletas. Além disso, entre as quase 3 mil mortes a mais por ano que o país registrou em 2023, em relação a 2019, quase 2,3 mil vieram apenas desses incidentes.

Embora as motos representassem apenas cerca de 22,5% dos veículos em circulação no país em 2023, as colisões, quedas e atropelamentos envolvendo esses veículos causaram 38,6% das mortes no trânsito naquele ano.

Essa mortalidade é ainda mais presente nos estados em que a moto já superou o automóvel. No Piauí, por exemplo, onde elas já passam dos 50%, os sinistros com motos representam quase 70% das mortes no trânsito.

Vítimas lotam emergências e UTIs

Assim como o número de motos e o de mortes no trânsito, cresce também o de pessoas atendidas nas emergências do Sistema Único de Saúde (SUS) por conta de colisões, quedas, atropelamentos e outros sinistros sobre duas rodas.

Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em média, de 70% a 75% das unidades de terapia intensiva adultas, nos serviços de urgência dos hospitais gerais, estão ocupadas por pacientes vítimas do trânsito como um todo, e a grande maioria dessas pessoas estava usando motos.

Não tem hospital que dê conta se a gente não conseguir enfrentar essa verdadeira epidemia de acidentes de moto”, disse o ministro, que participou de uma cerimônia na última sexta-feira (1º) em que foram anunciados recursos para triplicar as cirurgias ortopédicas no Hospital Municipal Barata Ribeiro, no Rio de Janeiro.

O ministro defendeu parcerias com as empresas de aplicativo para que haja um esforço de prevenção às infrações de trânsito, como o excesso de velocidade. Além disso, Padilha destacou os estudos realizados pelo governo federal para reduzir os custos para a emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Segundo a Senatran, metade das pessoas donas de motocicletas não tem carteira de habilitação.

“Tudo o que a gente puder prevenir vai reduzir o custo para o Sistema Único de Saúde, vai abrir mais leitos para a gente poder cuidar dos outros problemas. Às vezes, é cancelada uma cirurgia de câncer que a pessoa está esperando há muito tempo, uma cirurgia cardiológica, porque entra na urgência uma pessoa que foi vítima de um acidente de moto e tem que ocupar o centro cirúrgico, ocupar o leito de UTI. Então, além do custo financeiro, do custo para a vida da pessoa que sofre o acidente, tem um custo para todos os hospitais, para rede, para o sistema e para outras pessoas também.”

São Paulo (SP), 16/01/2025 - Aplicativo 99, lança serviço de Moto Taxi em São Paulo, contrariando norma da prefeitura que proíbe o serviço. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

‘Não quero mais passar por isso na minha vida’. diz diarista

Em acompanhamento no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), Laura Maria de Oliveira, de 59 anos, ficou 14 dias internada esperando vaga em cirurgias para tratar diáfises de úmero e clavícula, e também reparação do nervo radial .

Um ano e cinco meses depois de sofrer um acidente de moto, ela  ainda não conseguiu voltar a trabalhar e terá que passar por um terceiro procedimento para retirar a placa inserida no úmero, que prejudica os movimentos do seu cotovelo. Mesmo assim, é possível que ela não os recupere completamente. 

No começo de 2024, Laura trabalhava como diarista e estava satisfeita por ter conseguido um emprego de carteira assinada como empregada doméstica. No dia 1º de março, ela saiu de casa de manhã, em Cascadura, na zona norte do Rio de Janeiro, em direção à casa dos patrões na Tijuca, também na zona norte.

A empregada doméstica optou por uma moto de aplicativo para economizar cerca de uma hora no deslocamento, o que costumava ser possível porque os motociclistas cortavam o congestionamento trafegando no meio dos carros. Naquele dia, entretanto, um automóvel trocou de faixa sem dar seta, atingindo a moto que a transportava.

Eu cheguei a ver o carro fechando a gente e apaguei. A minha sorte é que o trânsito estava muito parado e ele não estava em alta velocidade. Mas, antes disso, o motoqueiro estava correndo muito. Eu usei muito esse serviço, e, em praticamente todas as vezes, eles corriam muito e ficavam olhando o celular. Um risco muito grande.”

Rio de Janeiro (RJ), 31/07/2025 - Laura Maria de Oliveira mostra ferimentos após acidente com moto. Foto: Laura Maria de Oliveira/Arquivo Pessoal

Laura Maria de Oliveira sofreu acidente de moto no início do ano passado – Foto: Laura Maria de Oliveira/Arquivo Pessoal

Estava há vários anos sem um trabalho com carteira assinada e tinha começado há 15 dias. E eu ainda ia fazer outro trabalho extra, como diarista. Eu tinha duas rendas. Até passar o período de análise do INSS e obter o benefício, foi uma espera muito grande. Foi muito complicado”, lembra ela. “Pra mim, não existe mais esse transporte. Eu tenho um filho que tem moto, e nem com o meu filho eu ando mais. Não quero mais passar por isso na minha vida.”

Leia mais

Mortes em acidentes de motocicleta no Brasil crescem 12,5%
Acidentes com motos aumentam nas rodovias: como evitar?
Vidas em risco: mais trabalho sobre duas rodas, mais acidentes

Moto cresce como opção perigosa para quem teve mobilidade negada

Especialista da Opas diz que ‘é uma questão social, econômica e de trabalho’ e aponta soluções para enfrentar o problema

O crescimento do uso de motocicletas no Brasil reflete uma alternativa perigosa encontrada por quem teve o direito à mobilidade negligenciado. O alerta é de Victor Pavarino, oficial técnico em segurança viária e prevenção de lesões não intencionais da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil, na abertura da série Rota Perigosa: brasileiros se arriscam em motos por renda e mobilidade, em que a Agência Brasil discute os impactos do aumento da frota de motocicletas na segurança viária e na saúde pública.

O que está acontecendo é uma consequência, mas também um indicador dos problemas desse sistema de mobilidade centrado e feito à imagem e semelhança de ‘sua majestade’, o automóvel. Foi pensado desde os anos 1950 dessa forma e está entrando em colapso”, critica o especialista.

Doutor em transportes pela Universidade de Brasília, Pavarino descreve que, em cidades construídas para carros particulares e com modais de transporte coletivo com abrangência ou qualidade insuficiente, a moto ganha cada vez mais espaço entre as opções de deslocamento. “O que está ocorrendo com a moto é que um imenso segmento da população, não só do Brasil, está recorrendo a uma possibilidade de mobilidade que lhes foi negada durante décadas”, afirma.

Rio de Janeiro (RJ), 30/07/2025 - Motociclistas de aplicativos transitam pelas ruas do centro do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Motociclistas de aplicativos transitam pelas ruas do centro do Rio – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Na outra ponta, famílias de menor renda adquirem as motos por serem mais acessíveis que os automóveis, e trabalhadores informais em busca de renda assumem riscos em jornadas exaustivas e sem proteção de vínculos formais ou seguridade social, como entregadores ou mototaxistas de aplicativos.

Toda a questão do trânsito, por qualquer modal, tem uma ligação direta com as questões sociais e econômicas. Mas, no caso da moto, essa relação é gritante. De certa forma, joga na nossa cara a implicação social, econômica e trabalhista que tem a questão do transporte”, pondera Pavarino.

Rio de Janeiro (RJ), 25/06/2025 - Motociclista trafega pela passarela de pedestres na Avenida Brasil, zona norte da cidade. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Motociclista trafega pela passarela de pedestres na Avenida Brasil, zona norte da cidade – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ele reconhece que a moto tem seus problemas. É um veículo que é intrinsecamente mais vulnerável que os demais, por questões óbvias, porque está compartilhando o espaço viário com outros veículos de massa maior e em velocidade. Em algumas situações, chega a ser mais vulnerável que o próprio pedestre.

Mas a questão que a gente está vendo da sinistralidade com moto não é uma questão simplesmente de trânsito. É uma questão social, econômica e de trabalho, envolvendo tantas outras coisas, e que eclode no trânsito”, aponta o especialista da Opas. “É difícil a gente falar que não se pode ou não se deve usar motos, enquanto, em muitos casos, como em favelas, ela é a única forma que boa parte da população tem para chegar até sua casa e como ganha-pão”, contextualiza Pavarino.

Rio de Janeiro (RJ), 30/07/2025 - Motociclistas de aplicativos transitam pelas ruas do centro do Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil© Tânia Rêgo/Agência Brasil

Respostas imediatas

Entre as principais respostas necessárias, o especialista em segurança viária da Opas defende medidas de impacto coletivo, como o fortalecimento do transporte público, a adoção de tarifa zero e o encorajamento dos deslocamentos por caminhada e bicicletas, por meio de cidades mais convidativas ao pedestre e ao ciclista.

Segundo ele, essas medidas precisam ser adotadas para que se interrompa a migração dos usuários de transporte público para as modalidades de transporte individual motorizado, entre as quais a moto é a mais arriscada.

Ao mesmo tempo em que é preciso incentivar o transporte público e enfrentar as desigualdades que aceleram o crescimento do uso de moto, os danos imediatos ligados à sua disseminação podem ser reduzidos por medidas de curto prazo. A fiscalização do cumprimento das regras de segurança está entre as principais, explica o especialista Victor Pavarino.

A gente não pode deixar de dar resposta ao que está acontecendo agora, imediatamente. Tem gente morrendo neste momento nas pistas”, afirma ele, que cita precauções essenciais. “O uso, por exemplo, do capacete. O uso de vestimenta apropriada, a qualidade da mecânica, os freios ABS para moto, entre outras coisas. Tudo isso vai ajudar na redução de danos.”

O leque de medidas sugeridas pela Opas, com evidências já observadas, inclui também a obrigatoriedade do uso de luzes de circulação diurna, a garantia de pavimentos de qualidade nas vias, o uso de roupas refletoras de luz, as inspeções periódicas nos veículos e a redução dos limites de velocidade nas cidades.

Brasília (DF), 25/06/2025 - Oficial técnico em segurança viária e prevenção de lesões não-intencionais da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil Victor Pavarino. Foto: Karina Zambrana/OPAS/OMS

Especialista em segurança viária da Opas Victor Pavarino – Foto: Karina Zambrana/Opas/OMS

Nesse cenário, o transporte de passageiros por motociclistas de aplicativos requer regulamentação não apenas na questão das regras de trânsito, mas nos aspectos de saúde do trabalhador, defende Pavarino. “Essas pessoas trabalham oito, 12 horas por dia, e, obviamente, na condição com que elas vão trabalhar, elas vão ficar ainda mais vulnerabilizadas”, destaca ele.

Além de lidar com o cansaço e o desgaste de tantas horas no trânsito, esses motociclistas também precisam conduzir o veículo, muitas vezes, levando passageiros inexperientes.

Diferentemente de um carro, quem está na garupa de uma moto, de certa forma, também está conduzindo. Ele [o passageiro] tem também um papel em relação à forma com que ele coloca o corpo dele, inclinando, para lá e para cá, nas curvas.”

Transporte público melhor pode reduzir mortes em motos, diz Senatran

Secretário Adrualdo de Lima Catão também defende maior acesso à CNH

O cenário de alta nas mortes por quedas, colisões e atropelamentos com motocicletas deve ser enfrentado com a promoção de melhorias do transporte público e maior acesso à Carteira Nacional de Habilitação (CNH). De acordo com o  secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, avaliou que os problemas relacionados ao uso da moto se dão principalmente em cidades médias que vivenciaram crescimento acelerado, sem que houvesse investimentos equivalentes em transporte coletivo.

A gente não pode tratar esse tema como se fosse de mera escolha individual. O cidadão escolhe a motocicleta porque não deram a ele uma alternativa segura. Não há ‘bala de prata’ para essa questão, mas, se houvesse, seria o transporte coletivo de qualidade”, disse ele, na cerimônia de abertura daConferência Nacional de Segurança no Trânsito, realizada em Brasília nesta semana.

Com a melhora da renda, a população tem buscado opções de transporte que compensem as deficiências no transporte público. Essa é uma tendência comum a outros países em desenvolvimento e deve continuar.

Dados levantados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que mostram a queda da participação dos transportes públicos no total de viagens motorizadas nas regiões metropolitanas brasileiras. A redução média é de 20%, mas em algumas localidades chega a 60%.

É o caso da região metropolitana de Manaus, onde o transporte público respondia por 79,8% das viagens motorizadas em 2005 e passou representar apenas 20,4% em 2024. Na caso da região metropolitana do Rio de Janeiro, o percentual caiu de 72,2%, em 2012, para 53,1%, em 2024.

Na de Salvador, os transportes públicos recuaram de 64,9% para 40,3% das viagens no mesmo período. Já na região metropolitana de São Paulo, a queda foi de 54,1%, em 2017, para 45,4%, em 2024.

É natural que as pessoas, melhorando a sua renda, queiram melhorar a sua vida. E o transporte é um problema das grandes cidades e das médias cidades também. Então, é nesse sentido que as pessoas estão, ao buscar a motocicleta, fugindo de um transporte coletivo que ainda precisa melhorar.”

Em entrevista à Agência Brasil, Adrualdo de Lima Catão, defendeu que é preciso incluir mais motociclistas no Sistema Nacional de Trânsito, por meio de uma habilitação desburocratizada e rechaça propostas como a cobrança de impostos sobre motocicletas para compensar os custos da saúde pública com as lesões nos sinistros de trânsito.

Como é que você vai criar uma trava penalizando o mais pobre? Isso não resolve essa questão socioeconômica. O caminho não é penalizar o mais pobre, é garantir a segurança para ele num transporte público de qualidade”, disse.

Leia a entrevista completa aqui.

Da Agência Brasil, com Redação

 

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *