O laboratório francês Pierre Fabre, único distribuidor do Bussulfano no Brasil, anunciou que, “a depender da demanda”, até junho o medicamento deixará de ser disponibilizado no mercado brasileiro. A droga é essencial para tratamento antes do Transplante de Medula Óssea (TMO) que, segundo dados do Registro Brasileiro de Transplantes (2019), salva quase mil vidas entre crianças e adultos anualmente no Brasil.

“Temos observado muitos avanços em relação ao tratamento de pacientes que necessitam de Transplante de Medula Óssea e fomos pegos de surpresa com este anúncio”, alerta Angelo Maiolino, hematologista, professor da UFRJ e coordenador do Comitê de Acesso a Medicamentos da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). “Tal decisão pode acarretar uma nova cruzada científica e impedir que combinações de drogas e tratamentos de ponta salvem vidas, como temos observado nos últimos anos”, completa.

A decisão foi informada ao mercado e à comunidade médica em comunicado assinado pelo CEO e pelo Head do Departamento Médico do labotatório no final de 2020, o Laboratório Pierre Fabre. A atriz Drica Moraes, o ator Reynaldo Gianecchini e outros famosos, que já se submeteram ao procedimento no passado, usaram as redes sociais para alertar sobre o assunto.

Diante da informação de que o Instituto Nacional do Câncer (Inca) conta com estoque que pode durar somente três meses, entidades também manifestaram preocupação. A Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, a Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO) e a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope) alertam para a inviabilidade de realizar qualquer transplante de medula óssea no país, seja adulto ou pediátrico, caso não haja nenhuma medida para impedir a interrupção do acesso ao bussulfano ou alguma alternativa seja encontrada brevemente.

As entidades estão mobilizadas junto à Anvisa para que o cenário seja o mais prontamente revertido, mediante a alguma decisão que possa manter a esperança de pacientes – adultos e crianças – elegíveis ao transplante.  Diante da perspectiva de haver o desabastecimento do bussulfano, a Sobope informou que tem buscado soluções para impedir que haja a falta deste medicamento, para a realização de TMO no Brasil, e a falta de outros remédios como a actinomicina.

Com o desabastecimento do bulfano e outros remédios, o desfecho será ainda mais negativo – podendo levar à morte – no processo terapêutico dos pacientes onco-hematológicos com diagnósticos de doenças como a leucemia mielóide crônica”, alerta a entidade.


Esperança também em tratamento de doenças raras

Muito associado ao tratamento oncológico, o transplante de medula óssea (TMO) é também a única esperança de vida para pessoas com diversas doenças raras. Um dos centros mais ativos na realização de TMO pediátrico do país, o Pequeno Príncipe, com sede em Curitiba (PR), alerta sobre o impacto que o desabastecimento do medicamento bussulfano também vai causar a pacientes de doenças raras.

Responsável por 61 dos 534 procedimentos pediátricos realizados em 2019 no país, o Hospital prevê que 70% de seus transplantes deixariam de ser feitos devido à falta do remédio. Referência nacional em doenças raras, o Hospital Pequeno Príncipe contabiliza 40% de seus procedimentos para o tratamento de imunodeficiência e erros inatos do metabolismo como a imunodeficiência combinada grave, também conhecida como doença da bolha.

Nesse caso, em que ocorre uma alteração no sistema imunológico do paciente, o transplante de medula óssea é a única opção para que a criança tenha uma chance de viver. A estimativa é que, sem o transplante de medula, 98% dos bebês diagnosticados com essa síndrome possam morrer antes dos 2 anos de idade.

O TMO trata doenças malignas e não malignas, como as leucemias, linfomas, mieloma múltiplo, neuroblastoma, imunodeficiências, falências medulares, entre outras. Em 2019, o Pequeno Príncipe foi o principal transplantador pediátrico do Paraná. Com 93 procedimentos, o estado foi o que mais realizou TMO por milhão de habitantes. O hospital foi responsável por 65,5% desses transplantes. Atualmente, 52 crianças e adolescentes esperam por um transplante de medula óssea no Pequeno Príncipe.

Utilizamos o medicamento em cerca de 70% dos transplantes de medula óssea feitos no Hospital. Mas essa não é uma realidade somente da nossa instituição. Se não resolvermos esta situação, todo o transplante de medula óssea realizado no país estará comprometido, e muitos pacientes brasileiros não poderão mais receber este tratamento. Atualmente não existe outro medicamento que substitua o bussulfano”, considera a chefe do Serviço de TMO do Pequeno Príncipe, Carmem Maria Sales Bonfim.

Ciente da urgência de solução que a situação exige, o Pequeno Príncipe se une às vozes de organizações, profissionais de saúde e pacientes que estão mobilizando-se em todo o território nacional.

O Serviço de Transplante de Medula Óssea do Pequeno Príncipe foi inaugurado em 2011 e passou a ser ofertado dentro do Serviço de Oncologia, que já funcionava desde 1968. Em dezembro de 2016, o número de leitos de TMO foi ampliado e mais que triplicou – de três para dez –, referenciando o Hospital como um dos maiores centros pediátricos do país para a realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desde sua implantação foram realizados 225 transplantes. Em 2020, mesmo durante a pandemia, 52 procedimentos foram contabilizados.

Transplante pode ser feito até os 75 anos

Segundo Maiolino, uma recente conquista para TMO brasileira, submetida aos órgãos regulatórios em Saúde pela ABHH, foi a ampliação para 75 anos sobre a idade limite para um paciente ser elegível ao transplante no Brasil. “Com o progresso das técnicas, garantindo procedimentos mais seguros e controlados, passou a ser possível ao médico avaliar mais a idade biológica do paciente e não somente a cronológica”, comenta ao novamente alertar que a descontinuação do Bussulfano pode acarretar regresso neste cenário. 

Nos congressos americano e europeu que debatem avanços científicos em tratamento de doenças de sangue, afirma Maiolino, há uma série de ensaios, pesquisas e anúncios de novas drogas e tratamentos que dão esperança a pacientes que dependem do TMO. “Há, contudo no Brasil a partir deste anúncio, um descompasso entre o que vemos lá fora para mantermos o que estamos buscando de mais evoluído para salvar essas vidas”, diz. 

Com Assessorias

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