A dor de cabeça, atualmente, é uma das manifestações neurológicas que acendem sinal vermelho para o Covid-19. Especialistas apontam o crescimento numérico de pacientes acometidas pelo novo coronavírus que recorrem a atendimento unidades de saúde com queixa de dores fortes de cabeça, mesmo após adoção de analgésicos.
Dados parciais da pesquisa “Manifestações Neurológicas da Covid-19 em Pacientes Internados”, desenvolvida no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco e em outros três do Recife, apontam que 64% dos pacientes apresentaram dor de cabeça, enquanto alterações (diminuição ou perda) do paladar afetaram 40% das pessoas e as alterações do olfato, 38%.
Nota-se que nem sempre cefaleia por Covid-19 vem acompanhada de outros sintomas, como febre, cansaço e problemas respiratórios. Diminuição de força em membros ou confusão mental são sintomas que pedem rápida avalição médica.
Pandemia e hábitos
O calendário da saúde brasileiro destaca o 19 de maio como Dia Nacional da Cefaleia. Nesta data, em especial, instituições médico-científicas, como a Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) buscam caminhos diferenciados para alertar os cidadãos sobre a doença que atinge 15% dos brasileiros (cerca de 32 milhões).
Outra particularidade destes tempos de pandemia e de isolamento social é o aumento de crises de cefaleia. A neurologista Célia Roesler, diretora da SBCe, membro ABN e International Headache Society, explica as origens do fenômeno. “Há mudanças de hábitos alimentares, sono desregulado, ingestão de alimentos mais calóricos e redução de atividades físicas. Sem falar do estresse, do sentimento de incerteza e da angústia de ficar o tempo todo em casa”, afirma a médica.
Fator incapacitante
A cefaleia é mais prevalente entre as mulheres em razão dos hormônios. Independentemente de sexo, impacta a qualidade de vida, causando incapacidade, desconforto e dificultando atividades diárias simples. Aliás, é a 6º doença mais incapacitante do mundo, a despeito das inúmeras alternativas de tratamento.
O tipo tensional de cefaleia e a enxaqueca são as formas mais comuns de episódios esporádicos. Não negligenciar qualquer tipo de dor de cabeça nem sair tomando analgésicos sem consultar um médico especialista são atitudes indispensáveis para evitar que se torne um incômodo crônico.
Classificação
Toda dor de cabeça é uma cefaleia. Existem mais de 200 tipos de cefaleias, divididas entre primárias e secundárias. São classificadas como primárias as que a própria dor de cabeça é a doença, como a enxaqueca, a cefaleia em salvas e a do tipo tensional.
Vale um parêntese para a enxaqueca, a mais popular das cefaleias primárias. Diagnosticá-la exige uma anamnese completa para entender o histórico do paciente, não é possível só com exames “, explica Dra. Célia.
Já as cefaleias secundárias são sintomas de outras doenças” sinusite, disfunção temporomandibular, refração visual, aneurisma, tumores etc.
Gatilhos
São desencadeantes da dor, por exemplo, o excesso ou privação do sono, jejum prolongado, dieta desequilibrada, pular refeições, estresse físico e mental, vida sedentária e as oscilações hormonais em mulheres. Entre elas, é comum cefaleia associada a dores em pré, intra, ou na pós-menstruação. As enxaquecas podem, em certas situações, começar na menarca – primeira menstruação – e apenas melhorar na menopausa.
Tratamentos
O indivíduo que tem a sua vida pessoal, social e profissional prejudicadas pelas dores de cabeça e que precisa tomar analgesico mais do que duas vezes na semana, deve procurar um especialista para fazer um diagnóstico e o tratamento corretos. Ninguém precisa se acostumar com a dor. A enxaqueca tem tratamento e pode melhorar muito se houver cumplicidade médico-paciente, para indicar e seguir o tratamento mais adequado”, indica Célia Roesler.
Crises ainda podem melhorar com psicoterapia cognitiva comportamental, acupuntura, yoga, atividades físicas regulares, horários de sono regulares e dieta equilibrada. Segundo ela, são métodos que, quando aliados a cuidados medicamentosos, contribuem para ganho de qualidade de vida.
Enxaqueca afeta 15% da população
Eentre os tipos mais comuns do problema está a Migrânea, conhecida popularmente como Enxaqueca, que afeta cerca de 15% da população brasileira, principalmente aqueles entre os 20 aos 45 anos, e é caracterizada por uma dor intensa e pulsátil em um ou nos dois lados da cabeça que pode durar até 72 horas, aparecer mais de 15 dias por mês e ser acompanhada de sintomas como náuseas, vômitos e sensibilidade à luz ou ao som.
Crônica, ou seja, que vai e volta com frequência, a enxaqueca é um transtorno neurológico multifatorial e poligênico associado a fatores ambientais, genéticos, hormonais e, especialmente, alimentares”, afirma o geneticista Marcelo Sady, pós-doutor em Genética e diretor geral da Multigene, laboratório especializado em análise genética e exames de genotipagem.
Felizmente, a enxaqueca, por ser um problema tão recorrente na população, é alvo de constantes pesquisas para descobrir novas maneiras de prevenir e tratar a condição de forma a devolver bem-estar e qualidade de vida para os pacientes afetados. Exames genéticos, cirurgias e injeções de gordura, por exemplo, são algumas das estratégias mais recentes que vêm ganhando destaque no controle e combate dessa condição. Abaixo, consultamos um time de especialistas para entender melhor como esses mecanismos inovadores agem no tratamento do problema:
Exame de genotipagem
Como ainda não há uma medicação específica para a doença e o tratamento é feito com medicamentos anti-hipertensivos, antidepressivos e antipsicóticos, além da toxina botulínica, o exame genético é uma excelente maneira de descobrir e, assim, prevenir alguns gatilhos da enxaqueca.
Existem alimentos e bebidas, ou ingredientes contidos nesses produtos, que podem desencadear as crises de enxaqueca. Mas existem também alguns alimentos que desempenham uma função protetora, ajudando a prevenir essas crises dependendo da sensibilidade genética”, afirma o geneticista.
Ainda segundo ele, os recentes avanços biotecnológicos melhoraram a identificação de alguns biomarcadores genéticos responsáveis pela sensibilidade individual à dor de cabeça e enxaqueca. Então, é possível estimar o risco, adotar medidas preventivas e, quando for o caso, atenuar os sintomas e otimizar o tratamento”, diz o geneticista.
Segundo o especialista, algumas pessoas são, por exemplo, mais sensíveis a presença de histamina nos alimentos e podem desenvolver quadros severos dor de cabeça ou enxaqueca por esse motivo.
O gene HNMT codifica a enzima histamina N-metil transferase, que inativa a histamina no cérebro, enquanto o gene DAO codifica a diamina oxidase (DAO), que remove a histamina do espaço extracelular. Genótipos de risco de polimorfismos dos genes HNMT e DAO levam a menor eficiência enzimática, o que pode levar a menor capacidade de neutralização do excesso de histamina, resultando em enxaqueca”, diz o geneticista.
Estes resultados destacam a importância do exame genético em pessoas com enxaqueca geneticamente predispostas a níveis inferiores de enzima DAO, visto que podem se beneficiar de uma dieta baixa em alimentos que contenham maiores níveis de histamina.
Alimentos que evitam crises
De acordo com a médica nutróloga Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), alguns dos fortes sintomas da enxaqueca também podem ser amenizados com uma alimentação equilibrada, principalmente com a inclusão de castanha-do-pará, atum, canela, vegetais verde escuros e grão de bico.
Alimentos ricos em selênio e magnésio são importantes para diminuir o estresse, enquanto anti-histamínicos (presentes na canela e gengibre) inibem a produção de prostaglandina, responsável pela sensação de dor”, afirma a médica.
Evitar fast-foods, frituras e alimentos gordurosos, que têm perfil mais inflamatório e liberam prostaglandina, também é fundamental, assim como diminuir o consumo de cafeinados, substâncias que alteram a circulação sanguínea e de bebidas alcoólicas, ligadas à vasodilatação”, explica a médica.
Cirurgia da enxaqueca
Um estudo da edição de agosto de 2020 do Journal of the American Society of Plastic Surgeons, maior revista científica de Cirurgia Plástica do mundo, afirma que as crises de enxaqueca podem ter um fim de forma segura por meio da cirurgia. O artigo “A Comprehensive Review of Surgical Treatment of Migraine Surgery Safety and Efficacy”, feito em conjunto com o Comitê de Segurança do Paciente da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica, avaliou o procedimento como seguro e eficaz.
“Além disso, o artigo reforça a importância do tratamento a ser incorporado pelos cirurgiões plásticos e pelas sociedades de neurologia, como um tratamento padrão para a enxaqueca”, diz o cirurgião plástico Paolo Rubez, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e da Sociedade de Cirurgia de Enxaqueca e especialista em Cirurgia de Enxaqueca pela Case Western University. O médico é um dos poucos no Brasil a realizar o procedimento.
A Cirurgia de Enxaqueca é hoje realizada por diversos grupos de cirurgiões plásticos ao redor do mundo e em mais de uma dezena das principais universidades americanas, como Harvard. Os resultados positivos e semelhantes das publicações dos diferentes grupos comprovam a eficácia e a reprodutibilidade do tratamento”, afirma o médico.
A cirurgia para enxaqueca, disponível recentemente no Brasil e embasada cientificamente por uma série de estudos, promete ser um divisor de águas para quem sofre com o problema. O artigo foi uma revisão abrangente da literatura relevante publicada sobre o tema. Segundo o estudo, a experiência clínica recente com cirurgia de enxaqueca demonstrou a segurança e a eficácia da descompressão operatória dos nervos periféricos na face, cabeça e pescoço para aliviar os sintomas da enxaqueca. A cirurgia é pouco invasiva e tem o objetivo de descomprimir e liberar os ramos dos nervos trigêmeo e occipital envolvidos nos pontos de dor.
Os ramos periféricos destes nervos, responsáveis pela sensibilidade da face, pescoço e couro cabeludo, podem sofrer compressões das estruturas ao seu redor, como músculos, vasos, ossos e fáscias. Isto gera a liberação de substâncias (neurotoxinas) que desencadeiam uma cascata de eventos responsável pela inflamação dos nervos e membranas ao redor do cérebro, que irão causar os sintomas de dor intensa, náuseas, vômitos e sensibilidade à luz e ao som”, diz o médico.
Lipoenxertia
Vários benefícios dos tratamentos com enxerto de gordura já foram publicados, sendo que muitos deles estão relacionados com o controle da dor. Por exemplo, um estudo, de março de 2019 (Therapeutic Role of Fat Injection in the Treatment of Recalcitrant Migraine Headaches), publicado no Plastic and Reconstructive Surgery Journal, concluiu que os sintomas da enxaqueca foram reduzidos com sucesso na maioria dos casos com injeção de gordura. O tratamento foi realizado em pacientes que persistiam com alguma dor após a cirurgia de descompressão de nervos.
Diferentes moléculas secretadas por células-tronco do tecido adiposo expressam um efeito anti-inflamatório, melhorando a regeneração dos nervos e, consequentemente, levando ao sucesso do resultado clínico. A dor foi melhorada em 7 de 9 pacientes nos 3 meses seguintes, segundo estudos”, diz o Dr. Paolo Rubez.
O cirurgião destaca que a lipoenxertia, que é minimamente invasiva, tem se mostrado um procedimento seguro, tolerável e eficaz na redução ou eliminação completa da neuropatia persistente. “Esta técnica demonstrou melhora significativa dos sintomas da enxaqueca, permitindo uma melhora importante da qualidade de vida dos pacientes com menos efeitos colaterais de medicamentos”, explica o médico.
Dr. Paolo Rubez enfatiza que as cirurgias são realizadas em ambiente hospitalar e sob anestesia geral ou, em alguns casos, anestesia local. “A duração da cirurgia, para cada nervo, é de cerca de uma a duas horas e o paciente tem alta no mesmo dia para casa”, finaliza.