Presente em mais de 20 países, a maioria da América Latina, a doença de Chagas (DC) é silenciosa. Seus sintomas se manifestam em fases mais avançadas e, por isso, ela representa um grande risco à vida dos infectados. Causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, pode ter consequências graves para a saúde, incluindo problemas cardíacos. Isso porque, ao picar o ser humano, o inseto transmite o microorganismo, que ao entrar na corrente sanguínea, pode ir até as células do coração e gerar a doença cardíaca.
A Doença de Chagas acomete o coração de maneira lenta e silenciosa, gerando pequenas lesões, principalmente, no músculo cardíaco. Isto, ao longo do tempo, pode gerar aumento do coração, perda de força, arritmias e trombose. Contudo, alguns pacientes podem ser assintomáticos, e os sintomas de insuficiência cardíaca (ou coração fraco) podem se manifestar tardiamente. De acordo com especialistas, as principais reações são falta de ar aos esforços, fadiga, palpitações, tonturas, síncope e inchaço das pernas.
“O diagnóstico na fase aguda é importantíssimo, pois permite o tratamento, evitando as complicações da forma crônica que geralmente se manifestam 10 anos ou mais após a infecção inicial. A detecção precoce dos achados da Doença de Chagas permite melhor controle dos sintomas e retarda a evolução da doença, sendo importante neste processo uma boa avaliação clínica, com exame físico detalhado, eletrocardiograma, ecocardiograma e teste ergométrico”, destaca o cardiologista Marcos Perillo, do Hospital Encore, em Aparecida de Goiânia- GO, parte do grupo Kora Saúde.
Tratamento deve ser imediato
Apesar da possibilidade de causar efeitos graves no coração, esta infecção parasitária pode ser tratada em suas fases iniciais por meio de medicamentos fornecidos pelo SUS. O tratamento na forma aguda da doença deve ser imediato, com Benznidazol, pois até 40% das pessoas infectadas não tratadas desenvolvem a forma crônica e suas sequelas.
Os principais benefícios esperados do tratamento são a redução da parasitemia e da reativação da doença, melhora dos sintomas clínicos, aumento da expectativa de vida, redução de complicações clínicas (tanto na fase aguda quanto na crônica) e aumento da qualidade de vida. Na fase crônica indeterminada, o tratamento é bem indicado em crianças e adolescentes. Já em adultos, o benefício ainda é incerto.
“A Doença de Chagas é uma doença grave e que pode ter consequências sérias para a saúde. Por isso, é fundamental que as pessoas se informem sobre a enfermidade e adotem medidas preventivas, como o uso de repelentes e o controle dos insetos transmissores. Além disso, é importante que os profissionais de saúde estejam alertas para a possibilidade de infecção por Trypanosoma”, conclui o especialista.
Ele destaca que o tratamento etiológico tem limitação de uso em mulheres durante a gestação ou em casos em estágio avançado da doença com comprometimento cardíaco.
Palavra de Especialista
Doença de Chagas: por que devemos falar dela o ano todo?
Por Sandra Gomes de Barros*
Sim, 14 de abril já passou, mas sempre é tempo de falar sobre a conscientização que a o Dia Mundial da Doença de Chagas propõe. Afinal, embora seja uma doença antiga, com mais de 120 anos de história registrada, a Doença de Chagas permanece contagiando muita gente e, em mais casos do que deveria, matando milhares de pessoas em todo o mundo.
Presente em mais de 20 países somente no continente americano, estudos mostram que 90% das pessoas portadoras da doença desconheçam sua condição por falta de acesso a um diagnóstico adequado, o que revela que, além de tudo, ela também continua negligenciada pelas políticas de saúde em muitos lugares.
A doença de Chagas afeta mais de 6 milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria delas na América Latina. Entretanto, devido ao aumento da mobilidade da população, a doença é cada vez mais detectada em outros países e continentes. Cerca de 30 mil novos casos e 10 mil mortes são relatados na América Latina a cada ano.
No Brasil, o número médio de casos e óbitos é relativamente baixo, mas como as mortes se concentram em apenas um estado do país (no Pará), é importante ressaltar a importância da criação de políticas públicas regionais específicas para reduzir a proliferação da doença no Norte do Brasil.
Embora muitos acreditem que a Doença de Chagas é transmitida pela picada do barbeiro, não é isso que ocorre. A transmissão acontece quando a pessoa que foi picada coça o local e as fezes eliminadas pelo barbeiro penetram pela pequena ferida da picada. As fezes do barbeiro contêm o protozoário chamado Trypanosoma cruzi, é ele que gera a doença. A transmissão pode também ocorrer por transfusão de sangue contaminado e durante a gravidez, da mãe para filho.
Ao ser infectado, o novo portador da Doença de Chagas pode apresentar sintomas como febre, mal-estar, inflamação e dor nos gânglios, vermelhidão e inchaço nos olhos, aumento do fígado e do baço. Porém, como muitas vezes a a febre tende a desaparecer rapidamente, muitas pessoas não dão a atenção necessária para o problema. Em alguns casos, os sintomas não são percebidos e a pessoa descobre a doença 20 ou 30 anos depois de ter sido infectada.
Assim que cai na circulação sanguínea, o Trypanosoma cruzi imediatamente afeta os gânglios, o fígado e o baço. Em seguida, atinge coração, intestino e esôfago e vai deixando suas marcas. Nas fases crônicas da doença, pode haver destruição da musculatura desses órgãos, além de flacidez provocada pelo crescimento, e um aumento substancial do coração, do cólon e do megaesôfago. Essas lesões são definitivas e irreversíveis.
A doença de Chagas pode não provocar lesões importantes em pessoas que apresentem resposta imunológica adequada, mas pode ser fatal para outras. Por isso, é extremamente importante atentarmos para o diagnóstico. O período de incubação dura de cinco a 14 dias após a infecção pelo protozoário e o diagnóstico é feito através de exame de sangue, que deve ser prescrito, principalmente, quando o paciente vem de zonas endêmicas e apresenta os sintomas acima relacionados.
Caso se confirme que a pessoa é portadora, o tratamento deve ser iniciado imediatamente – vale destacar que essa intervenção costuma ser satisfatória na fase aguda da doença, que ocorre enquanto o protozoário ainda está circulando no sangue. As medicações que combatem a doença de Chagas – nifurtimox e o benznidazol – devem ser ministradas em hospitais devido aos efeitos colaterais que elas podem causar.
Na fase crônica, que ocorre após a aguda, essas medicações não têm a mesma eficácia, então o tratamento passa a ser direcionado às manifestações da doença, a fim de controlar os sintomas e evitar complicações.
Infelizmente, não existe vacina para a doença de Chagas. Desta forma, o único caminho que temos para romper o ciclo da doença é conscientizar a população. As pessoas precisam conhecer os fatores de risco de infecção, ter acesso a protocolos de manejo clínico atualizados, contar com profissionais de saúde treinados e a disponibilidade, pelo Serviço Público de Saúde, principalmente, de insumos para a oferta de diagnóstico e tratamento.
Esta é uma questão de saúde pública que afeta milhares de pessoas e representa um grande impacto socioeconômico para todo o mundo, por isso devemos falar da Doença de Chagas todos os anos, até que ela deixe de nos impactar.
* Sandra Gomes de Barros é infectologista e professora do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa