Clara Marinho, mais conhecida na internet como “Clarinha Mar”, é uma estudante universitária de 24 anos que nasceu com paralisia cerebral (PC). Embora não seja uma doença, a condição causa alterações neurológicas permanentes que prejudicam o desenvolvimento cognitivo e os movimentos e a postura do corpo. A deficiência, no entanto, não impede a jovem brasiliense de cursar a faculdade de Letras, nem de ser vista e ouvida por milhares de pessoas pela internet.

Com mais de 150 mil seguidores no Instagram e cerca de 400 mil no TikTok, Clarinha mostra como a internet tem auxiliado para o fim dos obstáculos que dificultam a inclusão de PcDs. “A deficiência é só mais uma característica que algumas pessoas possuem”, afirma Clarinha.

Ela conta que tudo começou de maneira despretensiosa, durante a pandemia de covid-19. Ela gravava e publicava vídeos para fugir do tédio e da ansiedade durante o isolamento social. A partir disso, o número de visualizações e seguidores foi crescendo e o que era apenas diversão, se transformou em um espaço para falar também sobre aceitação, preconceito, empatia, poesia e representatividade.

“Quando eu ouço as pessoas dizendo que as estou representando, é uma honra para mim”, afirma Clarinha, que hoje produz um conteúdo mais informativo para orientar o seu público sobre o assunto. Ela é uma das palestrantes do X Congresso Estadual das Apaes da Bahia (Conapaes-BA), maior evento voltado para o universo da pessoa com deficiência intelectual e múltipla no estado, e que será realizado de 11 a 13 de outubro, em Salvador.

Paralisia cerebral tem 30 mil novos casos por ano no Brasil

Paciente pediátrico com paralisia cerebral (Foto Marieli Prestes / Hospital Pequeno Príncipe)

A paralisia cerebral – como a de Clarinha – é a deficiência mais comum na infância. No mundo, mais de 17 milhões de pessoas vivem com a condição e, de acordo com a organização World Cerebral Palsy Day, só no Brasil são pelo menos 30 mil novos casos por ano. O Dia Mundial da Paralisia Cerebral, lembrado nesta sexta-feira, 6 de outubro, conscientiza sobre essa deficiência.

“Por ser uma condição permanente e sem cura, o diagnóstico rápido e a intervenção precoce constituem o principal tratamento da criança com paralisia cerebral. Esses fatores são determinantes para garantir um melhor desenvolvimento psicomotor e uma consequente melhora da qualidade de vida já durante a primeira infância”, destaca a neurologista pediátrica.

“A paralisia cerebral é decorrente de uma lesão de um cérebro que está em desenvolvimento e que pode acontecer desde o início da gestação por conta de traumas, malformações ou até mesmo durante o parto por alguma intercorrência. Nos primeiros anos de vida a paralisia pode acontecer por infecções como a meningite ou por traumas”, explica a neurologista pediátrica Elisabete Coelho Auersvald, do Pequeno Príncipe, hospital exclusivamente pediátrico do país.

Tratamento exige cuidados multidisciplinares

Segundo ela, pacientes com paralisia cerebral podem ter independência e uma ótima qualidade de vida. “A paralisia não tem cura, mas as pessoas podem ter uma vida muito produtiva e satisfatória, contanto que tenham o apoio e as adaptações adequadas”, ressalta.

A especialista reforça a importância da atuação de uma equipe multidisciplinar para um tratamento adequado da doença. Cuidados multidisciplinares com neurologistas, ortopedistas, fonoaudiólogos e psicopedagogos são essenciais para promover uma vida melhor a crianças com PC.

“Sabemos que a paralisia cerebral é uma condição persistente, não progressiva. No entanto, as habilidades da criança só vão progredindo à medida que novos processos são instigados. Desta forma, os profissionais de saúde devem sempre guiar ações visando a atender às metas funcionais das crianças”, diz a médica.

Diante do impacto significativo que a paralisia cerebral pode ter na saúde bucal, é essencial que os cirurgiões-dentistas estejam envolvidos no cuidado multidisciplinar desses pacientes, trabalhando em conjunto com outros profissionais de saúde e cuidadores para proporcionar o melhor atendimento possível.

Impactos na saúde bucal da pessoa com PC

A paralisia cerebral pode impactar significativamente a saúde bucal das pessoas, devido à dificuldade em manter uma boa higiene bucal, tornando-as mais suscetíveis a cárie, gengivite e outras condições. Por isso, a higiene bucal regular é um fator importante para o qual os cuidadores devem estar atentos.

A cirurgiã-dentista e professora Tatiane Marega, membro da Câmara Técnica de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (OPNE) do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), explica que isso torna o papel do cirurgião-dentista muito importante no cuidado integral.

A especialista detalha a atenção do cirurgião-dentista junto a esses pacientes em diferentes momentos. O profissional pode identificar sinais precoces de problemas dentários que são comuns em pessoas com paralisia cerebral, como má oclusão e problemas de articulação temporomandibular. 

“O cirurgião-dentista pode desenvolver métodos de adaptação aos instrumentos de higiene bucal de forma a promover a independência do paciente para o momento da escovação. O profissional pode também fornecer tratamentos preventivos e restauradores adequados”, explica a Dra. Tatiane. 

Orientações para os cuidadores e idas ao dentista

O cirurgião-dentista também orientará os pacientes e cuidadores sobre práticas de higiene bucal adequadas. Segundo ela, os cuidadores devem ser orientados sobre como auxiliar na escovação e no uso do fio dental, com instrumentos adequados, que podem ser até adaptados, garantindo que todos os dentes sejam limpos corretamente.

Outro ponto de atenção refere-se à dieta equilibrada. Segundo a Dra. Tatiane, é preciso orientar os cuidadores a manterem uma dieta equilibrada e limitarem o consumo de açúcares para reduzir o risco de cárie.

Além disso, o acompanhamento regular é vital para monitorar e tratar problemas de saúde bucal e para adaptar as estratégias de manejo à medida que o paciente cresce e suas necessidades mudam.

No que diz respeito ao atendimento e tratamento, Dra. Tatiane detalha que é preciso pensar e realizar um atendimento que leve em conta fatores como abordagem Individualizada. Cada paciente com paralisia cerebral tem necessidades únicas; portanto, os planos de tratamento são altamente individualizados.

Outra questão importante é o manejo comportamental. Algumas pessoas com paralisia cerebral podem ter dificuldades comportamentais iniciais de adaptação durante as consultas odontológicas; técnicas de manejo comportamental podem ser utilizadas. No aspecto acessibilidade, os consultórios devem ser adaptados para acomodar pacientes com mobilidade reduzida.

Quanto às consultas regulares ao cirurgião-dentista, a especialista explica que é necessário estabelecer e manter um regime de consultas regulares para exames de rotina e tratamentos que sejam necessários.  Contudo, ela pontua que, para pessoas com paralisia cerebral, pode ser necessária uma frequência maior de consultas, as quais podem ser efetuadas a cada 3 meses, dependendo das necessidades individuais e da presença de problemas dentários específicos.

Entenda as classificações da paralisia cerebral

A paralisia cerebral é um distúrbio do cérebro imaturo que acontece na infância. Pode ter causas pré-natais (antes do nascimento) perinatais (no momento do nascimento), que são as mais comuns, e pós-natais (depois de 30 dias do nascimento até os 8 ou 12 anos no máximo), período em que o cérebro termina de se desenvolver. O diagnóstico é feito neste momento, enquanto o cérebro é imaturo e ainda não está formado.

A neurologista pediátrica Elisabete Coelho Auersvald, do Pequeno Príncipe, esclarece que o comprometimento dos sistemas neuromuscular, musculoesquelético e sensorial é característico da PC. Conforme a disfunção motora atribuída a cada paciente com esse diagnóstico e o local da lesão cerebral, é possível classificar a paralisia cerebral. A doença é dividida em três principais tipos: espástica, discinética/hipotônica e atáxica.

Na paralisia cerebral espástica, que representa de 70% a 80% dos casos, os músculos são rígidos e fracos, podendo afetar o movimento de braços e pernas. Problemas de visão, como estrabismo, e a marcha em tesoura, quando a criança se desloca com uma perna à frente da outra, também são possíveis nesse quadro. Com a paralisia discinética ou hipotônica, o movimento involuntário é algo característico. Já a atáxica afeta o equilíbrio e a coordenação, junto de um tremor nos movimentos.

Agenda Positiva

Congresso na Bahia debate melhores práticas de inclusão

Nos últimos anos, o debate sobre a inclusão tem sido ampliado em larga escala graças ao surgimento de influenciadores digitais com deficiência na internet. Para essa parcela da população, as redes sociais têm se revelado uma ferramenta eficaz na amplificação de suas vozes, possibilitando que compartilhem suas histórias e expressem suas opiniões, sonhos e desejos.

Assim como aconteceu com Clarinha, o período de isolamento social também levou ao meio digital Marcelo Zig, filósofo, ativista, consultor de diversidade e inclusão, além de ser um dos palestrantes do X Congresso Estadual das Apaes da Bahia (Conapaes-BA).

“O meu ativismo sempre foi de rua e orgânico. Isso mudou durante a pandemia. Foi a melhor ferramenta que encontrei para pesquisar e identificar as pessoas negras com deficiência e formar o Quilombo PcD”, explica Marcelo, também fundador do coletivo.

Para Marcelo, desde que o relacionamento dos indivíduos com redes sociais se tornou mais intenso, as pautas que cercam as pessoas com deficiência ganharam mais visibilidade, como inclusão, acessibilidade e capacitismo.

“Nós precisamos nos perceber nos espaços e principalmente sabermos do que podemos fazer através das realizações de outras pessoas com deficiências. Ainda, infelizmente, se faz necessário que nos demarquemos nos locais e relações sociais que somos pessoas e não somente as nossas deficiências, e que devemos ser tratados como cidadãos e cidadãs de direitos”, reforça.

O X Conapaes-BA, promovido pela Federação das Apaes do Estado da Bahia (Feapaes-BA) em parceria com a Apae Salvador, tem como tema central “Inclusão: Desafios, Perspectivas e Possibilidades”. A programação inclui fóruns, debates e mesas redondas liderados por especialistas renomados que vão discutir as melhores práticas e métodos de inclusão. Para realizar a inscrição e conferir mais informações, basta acessar o site www.conapaesba.com.br.

Espetáculo musical para ajudar crianças com paralisia cerebral

No dia 22 de outubro, o Teatro UOL vai se encher de magia, música e solidariedade com a realização de uma sessão beneficente do espetáculo musical “Aladdin”. Realizada pela Na’amat SP, a apresentação terá sua arrecadação destinada ao tratamento de crianças e jovens com paralisia cerebral, atendidos pela Associação Nosso Sonho e pelos projetos sociais da Na’amat.

Com texto e direção de Heliton de Oliveira, essa adaptação conta a história de Aladdin (Lucas Morais), um jovem órfão que sobrevive roubando alimentos no mercado, e Jasmine (Déborah Menkos), a princesa do reino que enfrenta o dilema de se casar antes dos 18 anos. O espetáculo não se limita apenas a narrar uma história, mas também tem recursos lúdicos, incluindo bonecos e efeitos especiais que vão encantar e emocionar o público.

Além de ajudar as crianças e jovens com paralisia cerebral, os recursos também serão destinados ao Projeto Criança e à criação da biblioteca do Colégio Mão Amiga, que será inaugurada dia 9 de novembro e atenderá 675 alunos de baixa renda. A apresentação acontecerá às 14h no Shopping Pátio Higienópolis – Av. Higienópolis, 618. A entrada custa R$ 50. Informações e vendas: 1198883-4247 / 1198403-6858.

Com Assessorias

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