O agravamento do quadro do ator Paulo Gustavo, de 42 anos, internado no dia 13 de março com Covid-19, levou muita gente a saber mais sobre uma tecnologia de última geração até então pouco conhecida. É o ECMO, que significa oxigenação por membrana extracorpórea, pelos termos médicos, um equipamento que funciona como pulmão artificial para pacientes com quadros respiratórios graves, como ocorrem na Covid-19.
O custo dessa tecnologia gira em torno de R$ 30 mil por dia, fora as demais despesas com medicamentos e internação. Entre internação e recursos extras, especula-se que a diária de Paulo Gustavo na UTI do Hospital Copa Star, no Rio, não sai por menos de R$ 50 mil.
O equipamento de última geração tem pouquíssimas unidades semelhantes no país. É necessária a presença de profissionais treinados na utilização do ECMO 24 horas por dia ao lado do paciente, para evitar problemas como embolia pulmonar.
Vantagens do equipamento em casos graves de Covid
Com a crescente incidência de casos relacionados à Covid-19, todos os fatores que contribuem para a disseminação de doenças respiratórias são agravados. Desde o início da pandemia, a quantidade de pacientes em quadros graves aumentou consideravelmente, junto com a necessidade de utilização de recursos essenciais de internação, como a ventilação mecânica, indispensável em cerca de 88% dos tratamentos em UTIs.
Mesmo assim, uma parcela dos pacientes não responde adequadamente aos métodos convencionais de ventilação, deixando aos médicos poucas alternativas de tratamento. Neste caso, o ECMO se apresenta como um dos únicos recursos que conseguem assegurar o funcionamento do sistema cardiorrespiratório.
A ECMO já é utilizada no Brasil há alguns anos, mas não está disponível em sistemas públicos de saúde ou hospitais mais populares. Cada vez mais equipamentos que “respiram pelo paciente” estão sendo utilizados para os pacientes com Covid-19 extremamente graves, nos quais a função pulmonar temporariamente não oferece condições adequadas de trocas gasosas, quando a ventilação mecânica por respiradores não tem efetividade.
Enquanto os respiradores mecânicos ajudam pacientes a “respirar” quando seus pulmões não funcionam normalmente, facilitando a entrada de oxigênio até os pulmões e a retirada do gás carbônico na expiração, os equipamentos para ECMO são utilizados em pacientes nos quais o pulmão simplesmente perdeu temporariamente sua capacidade de realizar estas funções.
Praticamente, é como se a máquina “respirasse” por eles. Ela drena o sangue de uma veia, remove o dióxido de carbono, acrescenta oxigênio, aquece o sangue e depois retorna o sangue para uma artéria. Ao permitir que o sangue seja oxigenado externamente, a máquina permite que o pulmão se recupere e o paciente tenha possibilidade de melhora.
Eficiência entre pacientes sobe de 50% para 80% em hospital
A utilização da ECMO oferece diversos benefícios inéditos aos pacientes e à equipe médica responsável por atender quadros desta natureza. Além de manter o funcionamento dos órgãos enquanto a causa da doença é identificada e tratada, o dispositivo pode permanecer ligado durante a realização de procedimentos cirúrgicos. Ambos os fatores contribuem para diminuir consideravelmente a taxa de mortalidade de pacientes que tiveram o pulmão ou coração comprometidos por complicações cardiorrespiratórias, que podem ser severamente acentuadas pelo atual cenário da pandemia.
A utilização desta tecnologia ganhou destaque no Hospital Santa Catarina – Paulista (HSC), que registrou uma média de eficiência de 80% para o procedimento, enquanto a taxa mundial é de 50%. Segundo Diego Gaia, cirurgião cardiovascular e responsável pelo time de ECMO institucional do HSC, o principal objetivo deste dispositivo é substituir a função do pulmão, retirando o gás carbônico e fornecendo o oxigênio necessário.
Além disso, a tecnologia é extremamente eficiente, permitindo até a substituição transitória completa dos órgãos atingidos. “O ser humano, ao respirar o ar ambiente recebe um aporte de 21% de oxigênio durante a respiração. O ECMO é capaz de ofertar 100% de oxigênio diretamente ao sangue sem a necessidade do pulmão”, compara.
Equipamento exige equipe altamente treinada
Embora inovadora, esta técnica é utilizada apenas em situações em que o tratamento convencional não é o suficiente para garantir uma chance de reabilitação. Por ser considerado um procedimento de alta complexidade, sua implantação deve ser realizada por uma equipe treinada. Esta equipe deve tomar diversos cuidados ao longo do processo para assegurar o bem-estar do paciente, como, por exemplo, monitorar os níveis de coagulação para evitar complicações no fluxo sanguíneo.
Dr Gaia explica que o Hospital Santa Catarina – Paulista está entre o número limitado de instituições que utilizam esta tecnologia, além de contar com uma equipe multidisciplinar para garantir a abordagem completa do tratamento. “No HSC o tratamento é usado em casos extremamente graves de Covid-19 e tem obtido resultados muito positivos com diversos pacientes recebendo alta após o procedimento”, acrescenta.
O dispositivo pode ser utilizado em pacientes de diversas idades, com pequenas restrições, o que tem facilitado o atendimento daqueles acometidos pelo novo coronavírus. Até agora, o Hospital Santa Catarina realizou 11 atendimentos utilizando o recurso, sendo que o primeiro durante a pandemia ocorreu em julho do ano passado.
Riscos do procedimento podem levar a AVCs
Mesmo oferecendo diversos benefícios no tratamento de pacientes, o procedimento de implantação pode ter alguns riscos se os cuidados necessários não forem tomados. Entre as possíveis repercussões negativas estão hemorragias, infecções, embolias e, até mesmo, a obstrução de artérias, podendo resultar em AVCs.
Por isso, o cardiologista destaca a relevância de uma equipe médica especializada, que assegure um acompanhamento constante e o cumprimento de diversos pré-requisitos de segurança. Há ainda indivíduos com características que impossibilitam a utilização da ECMO. A técnica não é recomendada em pacientes com hemorragia, falência múltipla de órgãos, coagulopatia grave ou doenças cardiorrespiratórias irreversíveis.
Diferenças de um respirador comum
O ventilador mecânico (respirador) não substitui a função do pulmão do paciente, ele só fornece um fluxo de ar para o interior dos pulmões. Já a ECMO funciona como um pulmão adicional, para pacientes com Covid-19 cuja função pulmonar foi muito reduzida, e possibilita que o paciente tenha tempo e condição clínica para se recuperar”, explica Celso Freitas, diretor médico da LivaNova, empresa global de tecnologia médica, líder mundial em soluções cardiovasculares.
O equipamento da LivaNova, chamado S5CP5, foi desenhado para uso em ECMO e atender as necessidades especiais de determinados pacientes com Covid-19 no mundo e no Brasil. O Hospital Israelita Albert Einstein, responsável pelo diagnóstico do primeiro caso brasileiro do novo coronavírus no Brasil em fevereiro e referência no tratamento da Covid-19 no país, adquiriu três destes equipamentos em meados de 2020.
São equipamentos de alta tecnologia e de grande complexidade, que fazem a respiração e circulação do sangue automaticamente fora do paciente quando seu pulmão se torna incapacitado. Estes não estão presentes em todas as UTIs — nem do mundo, nem do nosso país. Já tínhamos algo semelhante, mas agora estamos ainda mais preparados para poder oferecer aos pacientes mais graves pela Covid-19 ou por outra doença que deteriore o pulmão uma chance maior de recuperação, explica Sidney Klajner, presidente da instituição.
Segundo Luiz Fernando Caneo, médico do Incor e ex-presidente da ELSO (Extracorporeal Life Support Organization) Latino Americana, responsável por interligar centros que oferecem o ECMO na América Latina, este equipamento vem ao encontro das necessidades do mercado.
Ele realiza as operações vitais de respiração fora do paciente quando o pulmão falha. O maior problema hoje é a demanda aumentada por esses dispositivos e o treinamento das equipes multiprofissionais para usarem essa tecnologia. Isso não é uma coisa que pode ser feita da noite para o dia, tão pouco por centros que não se prepararam para oferecer esse tratamento antes da pandemia”, explica.
O tratamento intensivo em recursos e mão de obra exige que um cirurgião insira os dispositivos envolvidos no paciente, uma equipe clínica altamente treinada para operar a máquina e equipe de suporte que deve monitorar o paciente o tempo todo. Segundo Dr. Caneo, publicações médicas recentes apontam que aqueles hospitais ao redor do mundo que estavam preparados para utilizar essa tecnologia estão mostrando resultados surpreendentes em pacientes extremamente graves onde o tratamento convencional com ventilação mecânica atingiu o seu limite.
No Brasil existem cerca de 23 centros reconhecidos e reportando seus resultados a ELSO, e alguns hospitais de excelência preparados para essa terapia, mas nem todos possuem equipamento próprio. Para Dr. Luiz Fernando, esta pandemia tornou evidente a importância da ECMO no tratamento de pacientes graves com insuficiência respiratória.
A ECMO ocupa hoje um importante papel no aumento da sobrevida dos pacientes no tratamento da insuficiência respiratória grave refratária comparada à ventilação mecânica convencional. Cabe aos centros hospitalares de excelência se prepararem para essa demanda tanto na aquisição de equipamentos, quanto ao treinamento de equipes especializadas, para que possam oferecer uma medicina diferenciada aos seus usuários”, conclui.
Com Assessorias