A influenciadora Clara Maia, de 32 anos, anunciou em setembro a morte de Túlio, um de seus filhos gêmeos, após parto prematuro com 27 semanas de gestação. Em publicação nas redes sociais, Clara classificou a dor como “indescritível”. A causa foi a Síndrome de Transfusão Feto-Fetal, que afetou a circulação sanguínea dos bebês.
Depois que você segura um filho sem vida no colo, toda a nossa vida muda. A gente valoriza todo momento com os nossos filhos, todo momento com quem a gente ama, porque você tem a consciência de que você pode estar fazendo algo pela última vez”, contou ela à Revista Crescer.
Túlio, estava com o coração sobrecarregado e não resistiu. O outro bebê, Theo, que estava “doando” o sangue na síndrome, segue internado na UTI neonatal, lutando pela vida, mas apresentando melhora gradual, como extubação e ganho de peso.
Mãe de outros dois gêmeos – João e José, de pouco mais de um anos – , Clara Maia tem compartilhado sua experiência nas redes sociais, relatando a dor do luto e o milagre da recuperação de Theo, e fez uma doação de leite materno para a UTI como forma de “ressignificar” a perda.
A crescente visibilidade de casos de perda gestacional entre figuras públicas ocorre em um momento em que novas medidas legais já estão em vigor para oferecer apoio e reconhecimento a quem enfrenta esse tipo de perda. Um avanço importante a ser destacado neste Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal (15 de outubro).
Mês de Conscientização sobre a Perda Gestacional, Neonatal e Infantil
Segundo dados do DataSUS, a taxa de mortalidade fetal no Brasil é de 10,7 por mil nascimentos. Entre 1996 e 2021, mortes fetais com mais de 20 semanas de gestação representaram 1,14% de todos os nascimentos e corresponderam a 58% das mortes perinatais.
Estima-se que 93% dessas mortes ocorreram antes do início do trabalho de parto, 6% durante o parto e 1% no pós-parto. Apesar da gravidade, observa-se uma tendência de queda progressiva nas taxas de mortalidade fetal, com reduções acumuladas de até 41% ao longo dos anos.
De acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o Brasil registrou 22.919 mortes fetais e quase 20 mil óbitos neonatais em 2024, além de 35.450 óbitos fetais e infantis contabilizados pelo Ministério da Saúde ano passado.
Mais do que números, o cenário nacional expõe histórias de famílias que enfrentam a dor dessa perda irreparável. A perda gestacional é uma experiência profundamente dolorosa e, muitas vezes, invisibilizada. Apesar de sua frequência, o luto perinatal ainda é negligenciado, o que pode agravar quadros de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
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O que prevê a nova lei do luto materno e parental
Sancionada em maio, a Lei nº 15.139/2025, que institui a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, entrou em vigor em agosto e prevê atendimento psicológico pelo SUS, acolhimento humanizado nas maternidades, direito ao nome do bebê natimorto e acesso a exames que apurem a causa da perda. A lei também estabelece outubro como Mês de Conscientização sobre a Perda Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil.
Especialistas têm intensificado o debate sobre a importância do acolhimento profissional nesse tipo de luto e avaliam que a nova legislação marca um avanço significativo na forma como o Estado e as instituições de saúde devem se preparar para oferecer suporte emocional e estrutural às famílias afetadas. A nova legislação surge como resposta à necessidade de garantir acolhimento digno, suporte psicológico e reconhecimento simbólico da perda.
Entre as diretrizes da lei estão o acompanhamento psicológico pós-alta hospitalar, preferencialmente em domicílio ou em unidades de saúde próximas, e a criação de ambientes adequados para o acolhimento no momento do luto. A norma também modificar a Lei dos Registros Públicos para permitir o registro de crianças nascidas mortas, assegurando o direito à memória e à existência simbólica.
Avanço no combate ao julgamento e à solidão enfrentada por muitas famílias
Para a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto MaterOnline, a legislação representa um avanço importante no combate ao julgamento e à solidão enfrentada por muitas famílias. Segundo a especialista, o luto perinatal é uma experiência única e profundamente pessoal.
Algumas pessoas vivenciam esse processo por semanas, outras por meses ou até mais tempo. Não existe prazo definido. O que importa é observar como a tristeza impacta o cotidiano. Quando há isolamento prolongado ou pensamentos de desesperança, pode ser o momento de buscar apoio especializado”, afirma.
Rafaela destaca que psicólogos perinatais estão preparados para oferecer escuta qualificada e suporte emocional. Ainda assim, persistem tabus. Mães e pais relatam não se sentirem reconhecidos como pais após a perda e frequentemente ouvem frases que minimizam a dor.
Validar a existência do bebê e permitir que a família fale sobre ele favorece a elaboração do luto. Um simples ‘sinto muito pela sua perda’ acolhe mais do que qualquer explicação. Escutar sem julgamentos e oferecer ajuda prática no dia a dia também faz diferença”, explica Rafaela.
Pais também vivenciam o luto, embora muitas vezes sejam invisibilizados. “Os homens costumam ser pressionados a serem fortes para apoiar a parceira, mas eles também perderam um filho e precisam de acolhimento. O luto paterno é real e deve ser respeitado”, reforça a psicóloga.
O papel das instituições de saúde no acolhimento a mães que perdem seus filhos
Para a enfermeira obstétrica Jaqueline Sousa Leite, coordenadora da Pós-Graduação em Enfermagem Obstétrica da Universidade Santo Amaro (Unisa), a nova legislação representa um marco na forma como o luto gestacional é tratado no Brasil.
A criação de políticas públicas voltadas ao luto materno é um passo essencial para que as instituições deixem de tratar a perda gestacional como um evento secundário. É preciso garantir que cada mulher e família receba acolhimento com respeito, estrutura e apoio contínuo, e isso só é possível com preparo institucional e diretrizes claras”, afirma Jaqueline.
Segundo ela, a atuação das instituições, alinhada às diretrizes da nova legislação, será determinante para transformar o atendimento às famílias enlutadas. Promover o cuidado físico, emocional e simbólico é essencial para garantir que nenhuma perda seja invisibilizada e que toda dor seja acolhida com respeito e dignidade.
A implementação da nova política exige que instituições de saúde estejam preparadas para lidar com o luto gestacional de forma humanizada, capacitando profissionais, estruturando protocolos e promovendo ações de conscientização.
O preparo institucional é essencial para garantir que o acolhimento não dependa apenas da sensibilidade individual dos profissionais, mas seja parte de uma estratégia integrada de cuidado.
A escuta ativa, o respeito à dor e o suporte psicológico devem ser incorporados às práticas institucionais, com atenção especial aos sinais de sofrimento emocional persistente, como tristeza profunda, isolamento, insônia e dificuldade de retomar atividades cotidianas. O incentivo à busca por ajuda especializada deve ser parte do protocolo de atendimento, especialmente nos primeiros meses após a perda.
Como uma empresa deve ajudar essas mulheres?
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O luto parental é uma dor que atravessa o tempo. Quando uma empresa acolhe com respeito, a pessoa sente que pode existir de novo, sem precisar esconder sua dor para continuar sendo produtiva”, explica.
“É neste ponto que o papel da liderança se torna fundamental. O retorno não deve ser tratado como um simples recomeço de tarefas, mas como um processo de readaptação. O líder precisa conversar com quem sofreu a perda antes da volta, entender suas limitações e oferecer flexibilidade, seja com horários reduzidos, home office ou pausas programadas. Essa escuta ativa faz com que a pessoa se sinta segura para voltar a trabalhar”, comenta Bia Tartuce.
Demonstrar apoio é essencial, mas há uma linha tênue entre ser solidário e ser invasivo. Muitos colegas querem ajudar, mas não sabem como e, sem orientação, acabam agindo de maneira que, ainda que bem-intencionada, pode causar desconforto.
Nem sempre o apoio precisa vir em palavras, às vezes, o simples ato de não cobrar produtividade imediata já é um acolhimento. Pequenos gestos, como uma mensagem de carinho ou flores enviadas pela empresa, são bem-vindos quando partem de um lugar genuíno. O mais importante é respeitar o silêncio de quem está sofrendo pela perda e mostrar que a pessoa não está sozinha”, esclarece Bia Tartuce.
Empresas que desejam construir uma cultura mais humana precisam ir além do improviso. Ter políticas claras sobre como agir em situações de luto é uma forma de transformar o acolhimento em prática organizacional e não apenas em gesto pontual.
Um guia de boas práticas pode orientar líderes e equipes sobre o que fazer antes, durante e depois da perda. Isso inclui a forma de comunicar a ausência, o acompanhamento no retorno e a oferta de apoio psicológico. Quando a empresa formaliza esses processos, o cuidado deixa de depender da sensibilidade individual e passa a ser parte da cultura”, diz ela.
Com Assessorias