Finalmente, as Olimpíadas, o maior e mais prestigiado evento esportivo do mundo. São muitas expectativas e orgulho em relação aos resultados, pois cada conquista de medalha nos fortalece como nação. Sonho de todo atleta, a jornada de um jovem rumo à Olimpíada é repleta de desafios em um ambiente extremamente competitivo que vão muito além do treinamento físico.

Falar das Olimpíadas também significa entender como os atletas cuidam da saúde mental para manter o foco durante as competições.  Quem não lembra da atitude da norte-americana Simone Biles, uma das maiores ginastas de todos os tempos, que surpreendeu o mundo ao desistir de disputar várias competições nos Jogos Olímpicos de 2020, inclusive na final individual geral da ginástica artística nas Olimpíadas de 2020, para cuidar da saúde mental.

Naomi Osaka, uma das principais tenistas do mundo, também compartilhou sua luta contra a depressão e a ansiedade social – a atleta não disputou Roland Garros e Wimbledon pelo mesmo motivo. Michael Phelps, o nadador mais condecorado da história olímpica, falou abertamente sobre suas batalhas com a depressão e ansiedade.

Entre as referências brasileiras, Filipe Toledo retornou ao mundo do surfe para competir nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, após dar uma pausa de seis meses em sua carreira para cuidar da saúde mental. Em 2022, Gabriel Medina ficou cinco meses fora do circuito de surfe para tratar uma depressão.

Outro caso que ganhou notoriedade aconteceu na Copa do Mundo masculina de 2014, quando o capitão da seleção brasileira, Thiago Silva, chorou e desistiu de bater um pênalti contra o Chile. Já Richarlison, atacante da seleção brasileira tornou público seu período de depressão após a Copa do Mundo e ressaltou a importância da psicóloga esportiva em seu tratamento; Yuri Alberto também fez declarações a respeito de sua saúde mental.

Uma pesquisa recente realizada pela Universidade de Campinas (Unicamp) investigou as doenças mentais provocadas pela alta pressão e a rotina intensa de treinos. O estudo, que envolveu 148 atletas e 106 treinadores brasileiros, revelou dados alarmantes: 30% dos participantes apresentam sintomas leves e moderados de depressão, 24% já pensaram em cometer suicídio, 14% sofreram abuso, 8% tomam remédios para dormir e 6% tentaram se matar.

Todos esses casos evidenciam como o preparo mental é fundamental para manter o equilíbrio e a performance em competições, especialmente em eventos de grande repercussão como os Jogos Olímpicos.

Todos nós enfrentamos frustrações diárias, e tanto na vida quanto no esporte, lidar com desconfortos é inevitável. Para os atletas, a frustração é uma parte legítima do processo. Durante eventos globais como as Olimpíadas, eles vivenciam um turbilhão emocional, precisando gerenciar expectativaspressão e medo do fracasso. Sofrer uma derrota pode afetar diretamente o desempenho na competição tão aguardada”, afirma Heloísa Capelas, especialista em inteligência emocional e autoconhecimento há mais de 40 anos no Brasil.

Pressão e rotina intensa de treinos impactam saúde mental de 30% dos atletas de alto desempenho

Falar sobre saúde mental ajuda a desmistificar estereótipos de perfeição, principalmente, quando envolve o público masculino, que ainda tem um grande tabu com o tema.  Os benefícios dos exercícios físicos para a saúde mental e o bem-estar são amplamente reconhecidos. Atividades físicas regulares são associadas à redução do estresse, ansiedade e depressão, além de promoverem a autoestima e a sensação de bem-estar. No entanto, atletas, especialmente aqueles em competições de alto nível como as Olimpíadas, frequentemente enfrentam desafios significativos em relação à sua saúde mental.

Para o psicólogo da Telavita, Kleber Kaplar, os atletas enfrentam enormes pressões durante as Olimpíadas, uma competição para a qual se prepararam por anos e que muitos têm apenas uma chance na vida de participar.

Utilizar essa pressão de forma positiva, transformando-a em motivação ao invés de um fator inibidor, é um dos maiores desafios. A percepção do evento é o que determina seu potencial estressor, não o evento em si. Os atletas estão realizando o sonho de uma vida, mas a ansiedade sobre a performance e a alta expectativa podem levar a um desequilíbrio psicológico”, diz o especialista.

Nos últimos anos, a percepção sobre saúde mental entre atletas e treinadores mudou significativamente. Testemunhos de atletas e maior cobertura da mídia têm impulsionado essa mudança, normalizando a discussão sobre o tema. É crucial implementar políticas abrangentes, recursos adequados, educação contínua e uma cultura de aceitação e apoio para melhorar a saúde mental dos atletas”.

Segundo ele, organizações esportivas devem desenvolver políticas e programas de saúde mental, criar uma cultura de apoio e garantir acesso a serviços de aconselhamento e terapia para todos os atletas. Afinal, esses atletas acabam sendo referências e exemplos para muitas pessoas”, finaliza Kaplar.

As principais manifestações da ansiedade entre os atletas

Para Rosângela Casseano, psicóloga, terapeuta cognitivo comportamental e CEO da PsicoPass, a pressão psicológica que enfrentam os atletas olímpicos é imensa e complexa, refletindo não só suas aspirações pessoais, mas também as expectativas de um país inteiro.

A busca pela medalha de ouro pode ser a realização de um sonho, mas, ao mesmo tempo, representa um fardo significativo que afeta sua saúde mental. Os medos e inseguranças são companheiros constantes dos atletas. O temor de não corresponder às expectativas, de falhar diante da plateia e de desapontar aqueles que investiram tempo e recursos em sua preparação pesa enormemente em seus ombros”, explica.

Essa ansiedade pode manifestar-se de várias maneiras: insônia, dificuldade de concentração e até crises de ansiedade. A pressão para se destacar em um evento global pode fazer com que a competição se torne um fator estressor, comprometendo a performance e o bem-estar mental dos jovens. Para lidar com esses desafios, é fundamental que os atletas desenvolvam uma preparação psicológica robusta.

Como lidar com a ansiedade antes de uma competição?

Técnicas como a visualização, o treinamento de mindfulness e a gestão do estresse são ferramentas valiosas que podem auxiliá-los a manter a calma e o foco durante as competições. O acompanhamento psicológico se torna indispensável nesse processo, permitindo que os atletas explorem suas emoções, trabalhem suas inseguranças e desenvolvam estratégias para enfrentar a pressão de maneira mais saudável”, explica a terapeuta.

Além disso, a construção de um suporte emocional sólido — que inclua familiares, amigos, treinadores e profissionais de saúde mental — é crucial. O sentimento de acolhimento e compreensão pode auxiliar na mitigação do estresse e ajudar os jovens a perceberem que seu valor não está atrelado apenas à conquista de medalhas.

A expectativa do público também desempenha um papel importante na experiência do atleta. O apoio da torcida é fundamental e pode servir como fonte de motivação e encorajamento, mas também pode acentuar a pressão. Os jovens atletas precisam aprender a gerenciar essas expectativas externas, mantendo o foco em suas metas e no processo que os levou até ali.

A importância do autoconhecimento

Heloisa Capellas destaca a importância do autoconhecimento e do preparo mental e emocional para atletas de alto rendimento, além do treinamento físico. Em uma rotina intensa e exigente como a deles, manter o foco e a clareza mental é essencial para evitar distrações, sentimentos negativos e perda de motivação,

Nestes momentos, é preciso estar ciente de nossos acertos e erros. Saber que você fez o possível e foi superado não é um defeito. Da mesma forma, reconhecer que você pode ter falhado é importante. Esses atletas não podem se deixar dominar pelas emoções, nem quando buscam a vitória, nem quando não a alcançam”, explica.

Segundo Heloisa, atletas bem-sucedidos são aqueles que sabem transformar emoções negativas em energia para treinar e melhorar o desempenho na próxima competição. Ela recomenda encarar a perda de forma positiva, fazer uma autoavaliação e ressignificar as derrotas, que são parte inerente das competições. A preparação mental e o autoconhecimento, que antes eram um projeto, hoje são realidades para a maioria das equipes que buscam uma performance completa e sem intempéries emocionais. 

Em última análise, as Olimpíadas representam não apenas a busca pelo triunfo esportivo, mas também uma oportunidade para o autoconhecimento e a superação de limites. O fortalecimento da saúde mental desses jovens, aliada ao desenvolvimento de estratégias para enfrentar o estresse e a pressão, será essencial não só para sua performance durante a competição, mas também para sua vida após o esporte. O sucesso deve ser medido não apenas em medalhas, mas em resiliência e bem-estar emocional”, finaliza Rosângela Casseano.

Twisties: a desconexão entre mente e corpo dos atletas

Essa condição se caracteriza por uma hesitação na realização de saltos e giros

Quando ocorre a desconexão temporária entre a mente e o corpo de atletas, é identificada uma condição conhecida como Twisties. O termo ficou em evidência durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, quando a ginasta norte-americana Simone Biles enfrentou esse problema durante as competições. Ele se caracteriza por uma hesitação na realização de saltos e giros, o que aumenta significativamente o risco de lesões.

“Os Twisties estão ligados a altos níveis de estresse, ansiedade e pressão psicológica. Indivíduos nesse estado podem sentir um tipo de desorientação, no qual o corpo não responde aos estímulos e a pessoa parece ‘desligar’. Atletas de alto rendimento são mais suscetíveis a essa condição, devido à intensa pressão a qual são submetidos”, afirma Márcia Karine Monteiro, coordenadora nacional dos cursos de Psicologia do grupo Ser Educacional – mantenedor da Uninassau.

Esse desafio mental não apenas influencia o desempenho competitivo, mas, também, pode causar um impacto na confiança do atleta. Em competições onde a pressão é intensa, compreender e lidar com os ‘twisties’ se torna vital para a saúde e segurança dos esportistas.

O primeiro passo consiste em identificar possíveis gatilhos. O início do tratamento envolve um processo terapêutico que visa reduzir a carga emocional, transferindo os elementos estressantes para outra área”, destaca.

Cuidado com a saúde mental

Neste ano, além da preparação física, a dinâmica do Comitê Olímpico do Brasil (COB) nos Jogos Olímpicos de Paris-2024 inclui um trabalho especial focado na saúde mental da delegação. Já na Copa do Mundo de Futebol Feminino, que reuniu 32 seleções na Austrália em julho de 2023, a delegação brasileira levou, além de médicos, fisioterapeutas e massagistas, uma psicóloga.

Conforme a psiquiatra Lívia Castelo Branco, da Holiste Psiquiatria, o cuidado com a saúde mental pode melhorar os resultados dos atletas nas olimpíadas e outras competições esportivas de alta performance.

“Na preparação para os grandes torneios, o acompanhamento com um profissional de saúde mental se torna ainda mais significativo, pois a pressão por resultados, a exposição social ou a ansiedade podem influenciar o rendimento das jogadoras. Quando se trata de esporte, falamos de concentração, autoconfiança, superar limites, conviver em grupo e lidar com frustrações, fatores que dependem diretamente da saúde mental”, explica.

Para Lívia Castelo Branco, mais que novidade no mundo dos esportes, a presença de uma psicóloga na delegação brasileira deve servir de inspiração para outras equipes de diversos esportes e gêneros à medida que o debate sobre saúde mental vai ganhando espaço entre os atletas e treinadores. Para a psiquiatra, é urgente reconhecer que, tanto pelo ponto de vista humano, quanto pelos resultados, é preciso aliar preparação física e psicológica.

Durante as partidas a presença de um profissional de saúde mental também é interessante, pois emoções influenciam na tomada de decisões. Do ponto de vista de saúde mental, foi uma decisão acertada, cujo exemplo poderá ser extrapolado para outros esportes femininos e masculinos, inclusive nas categorias de base”, finaliza a profissional.

Com Assessorias

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