O Brasil corre o risco de enfrentar em 2024 uma crise no fornecimento de radiofármacos empregados em exames como cintilografia do miocárdio e PET-CT, para diagnóstico de câncer, a exemplo do que ocorreu em 2021. Isso porque o país ainda depende fortemente da produção externa desses insumos. O alerta é da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), que está preocupada com a falta do insumo no mercado nacional para 2024.

Em entrevista exclusiva esta semana à Tânia Malheiros, jornalista especializada em energia nuclear, o presidente da SBMN, o médico nuclear e cardiologista Rafael Willain Lopes, falou sobre situações críticas que ameaçam a continuidade da produção de radiofármacos. Estes insumos são usados na produção de radioisótopos, medicamentos destinados à realização de diagnóstico e combate a doenças como o câncer.

Radiofármacos; produção ainda depende de insumos importados (Reprodução de internet)

A entidade alerta para a gravidade da situação do Centro de Radiofarmácia do Ipen, que sofre com a falta de investimentos de infraestrutura de suas instalações, e a incerteza de continuidade de produção de radiofármacos a partir de janeiro de 2024. “O radioisótopo é importado, semanalmente, de países como Argentina, Israel, África do Sul e Rússia. Qualquer irregularidade no seu fornecimento impacta na produção dos geradores de tecnécio, que são distribuídos para todo o país”, destaca Lopes.

Segundo o médico nuclear, o principal radioisótopo é o molibdênio-99 para a produção de geradores de tecnécio, radiofármaco empregado na maioria dos exames de cintilografia no país e que são fornecidos quase que na sua totalidade pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Os radiofármacos também são utilizados em exames de diagnóstico PET-CT, além do tratamento de doenças como o câncer de tireoide, com o iodo-131 e tumores neuroendócrinos, com o lutécio-177.

Em várias oportunidades, a SBMN vem destacando a importância da destinação de recursos para o desenvolvimento do setor de radiofármacos no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e de seus institutos, como o Ipen.

A Sociedade aponta ainda a falta de adequação às boas práticas de fabricação, uma antiga exigência da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Outra questão é a falta de recursos humanos, já que o Ipen vem perdendo boa parte do seu capital humano. Isso é causado pela longevidade de seus servidores, muitos já aposentados ou em processo de aposentadoria, sem a adequada reposição ao longo dos anos, por conta da falta de concursos públicos e/ou outras alternativas.

“Acreditamos que a demanda por serviços por parte da nossa população é grande, está reprimida, e deve crescer por conta do envelhecimento populacional (evidenciado no último censo do IBGE) e doenças crônicas. Resolvendo-se outras questões estruturais intrinsicamente relacionadas (logística, infraestrutura, financiamento, regulação etc.), precisaremos de toda ajuda possível, tanto pública quando privada, para suprir a demanda”, diz o cardiologista.

Quebra do monopólio para radioisótopos de meia vida longa

Rafael Willain Lopes também falou ao Blog Tânia Malheiros sobre a quebra do monopólio de produção de radioisótopos de meia vida longa, aprovada em 2022 pelo Congresso Nacional. Segundo ele, durante décadas, por determinação legal, apenas ao Ipen era permitida a produção e a distribuição de geradores de tecnécio, dentre outros insumos radioativos, item fundamental à especialidade.

“Este cenário mudou, do ponto de vista legal, recentemente, a partir do momento em que empresas privadas foram autorizadas a comercializar tal material em território nacional. Somos imensamente gratos por todos os esforços e todas as entregas que o IPEN fez à Medicina Nuclear desde o seu surgimento, há 67 anos. Entendemos que o instituto prestou, presta e seguirá prestando papel fundamental neste cenário. Não existe um futuro para a medicina nuclear dissociado de um futuro para o IPEN, assim como para os demais institutos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN)”, ponderou.

Segundo ele, a entrada de outras empresas neste cenário tem o potencial de expandir a Medicina Nuclear para regiões onde hoje não há acesso à especialidade. “Em outros países da América Latina como Argentina e Chile, a possibilidade de um paciente realizar um exame ou tratamento de medicina nuclear é duas vezes maior do que a disponibilidade existente no Brasil”, compara.

O gap é ainda maior ao se comparar o número de procedimentos realizados na medicina suplementar em relação ao sistema público. Atualmente, cerca de 94% dos serviços são privados – embora a grande maioria das clínicas preste serviços para o SUS – e apenas 6% são públicos. “Mesmo com um crescimento constante, seriam necessários 30 anos para que o número de procedimentos de medicina nucelar na saúde pública alcance os realizados na saúde suplementar”, estima.

Reembolso de procedimentos pelo SUS não tem reajuste desde 2009

Atualmente, cerca de dois milhões de procedimentos de medicina nuclear são realizados todos os anos no Brasil, seja nos planos de saúde suplementar ou no Sistema Único de Saúde (SUS). Metade deles é de cintilografia do miocárdio. No entanto, os números deveriam ser pelo menos o dobro, dado o tamanho da população, de acordo com a SBMN.

A entidade afirma que apoia a pluralidade de participantes no campo da Medicina Nuclear no Brasil e congratula empresas que possam acrescentar opções ao mercado nacional. No entanto, Rafael Lopes enfatiza que a expansão da especialidade no Brasil não passa, simplesmente, por permitir a entrada de novos players no cenário de suprimento, mas resolver o “gap” de financiamento existente no Brasil nestes procedimentos não só no SUS como nas fontes pagadoras da saúde suplementar.

“Urge discutirmos revisão de reembolso dos procedimentos, tanto os oferecidos pelo SUS, que não sofrem qualquer tipo de reajuste desde 2009, apesar dos crescentes custos, quanto os oferecidos aos usuários do sistema de saúde suplementar”, ressalta. 

Além desde cenário desafiador, há questões ainda mais urgentes tais como a indisponibilidade de inúmeros kits liofilizados (cold-kits), muitos com excepcionalidade de importação no momento autorizada pela Anvisa. Mas isto também acarreta aumento de custos, que reduz a disponibilidade de uso e, por consequente, dos exames que os utilizam. “Some-se a isso questões regulatórias que pairam há tempos sobre a medicina nuclear”.

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Reator multipropósito garantirá autonomia do país

Uma solução definitiva para o problema, mas que levará alguns anos para se tornar realidade, é a construção do reator multipropósito brasileiro (RMB), a cargo da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O projeto poderá garantir a autonomia do país na produção de diversos isótopos, principalmente o molibdênio-99,  e terá capacidade para abastecer não só o Brasil, como outros países da América Latina.

Com o RMB, os geradores de tecnécio passarão a ser produzidos com matéria-prima brasileira, seja pelo Ipen ou mesmo pela iniciativa privada – a partir da quebra do monopólio em 2022. Para ambos, o custo seria em real, o que facilitará sua distribuição e, principalmente, permitirá ampliar o acesso e reduzir os custos da medicina nuclear para a população.

“O RMB sozinho não resolverá todos os problemas, mas pode trazer em sua concepção perspectivas para um futuro menos incerto e ampliar horizontes nas áreas da pesquisa, visando aplicações práticas e desenvolvimento de capital humano e intelectual associada à prática da medicina nuclear e das ciências nucleares nas mais variadas vertentes”, diz o médico.

Desafios no plano de expansão da Medicina Nuclear

Enquanto o projeto do RMB não avança, a SBMN considera necessário manter diálogo com as diversas instituições e entes governamentais, na tentativa de sensibilizar os tomadores de decisão a compreenderem a importância da medicina nuclear para o futuro da saúde da população.

“Além das perspectivas no campo da cardiologia, as maiores promessas residem no campo da oncologia e do teranóstico, com a evolução de exames diagnósticos e tratamentos a eles associados. Alguns já estão disponíveis no Brasil, muitos outros estão por vir, e precisamos estar preparados para oferecê-los aos brasileiros, não apenas na saúde suplementar, mas também e principalmente, no âmbito da saúde pública”, destaca o presidente da entidade.

Para tanto, a SBMN busca apoiar o desenvolvimento e implantação do programa nuclear brasileiro e o plano de expansão da medicina nuclear, que enfrenta desafios para a interiorização, como as questões de infraestrutura e logística. Uma das estratégias é atingir tanto o público leigo, desmistificando a medicina nuclear e seus usos com segurança, como médicos das mais diversas especialidades.

“A SBMN está trabalhando sempre em prol dos pacientes que se beneficiam desta especialidade, buscando ampliar a utilização de suas metodologias, assim como expandir o acesso dos pacientes a elas, para melhorar, principalmente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso dos pacientes aos procedimentos de medicina nuclear que impactam a tomada de decisão e o resultado do tratamento, atuamos junto às diversas instituições, visando a melhoria da qualidade de vida da população brasileira”, disse o presidente da entidade.

Com informações do Blog Tânia Malheiros

 

 

 

 

 

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