Há 40 anos trabalhando em hospitais públicos e privados, o médico Roberto Kalil Filho, um dos mais respeitados cardiologistas do Brasil, defende a integração entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde suplementar no Brasil como forma de fazer frente a novas tecnologias e avanços na Medicina e promover melhor assistência médica à população brasileira.

Professor titular e diretor clínico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Instituto do Coração da FMUSP, o médico comparou a Medicina praticada no passado e a que hoje é oferecida, impondo altos custos às empresas que operam no setor, e ainda defendeu o SUS que, mesmo subfinanciado há décadas, provou sua relevância na pandemia de Covid-19.

Em 1960 a saúde suplementar foi criada e em 1988 o SUS foi criado. Era uma Medicina de baixo custo e a população era mais jovem. O bom é que a população envelheceu. A média de vida do brasileiro hoje é de 76 anos ou mais. A Medicina mudou muito, agora é de altíssimo custo, com a tecnologia evoluindo cada vez mais”, disse, durante o seminário Saúde Suplementar no Brasil, realizado na FGV, no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (29).

Ele destacou que os principais problemas enfrentados hoje no sistema de saúde no Brasil são as doenças cardiovasculares e os cânceres – antes a maioria era doenças infecciosas. E citou dados assustadores.

Morrem por ano em todo o mundo 20 milhões por ano por doenças cardiovasculares – as principais são infarto e acidente vascular cerebral (AVC). No Brasil, só de infarto, quase 400 mil pessoas morrem de infarto por ano. A cada 10 minutos, morrem de quatro a seis brasileiros, na maioria homens. A mulher é um pouco menos. Mas quando chega à menopausa, ela iguala à incidência do homem. Uma tragédia”.

No entanto, graças ao avanço da Medicina, “hoje quando um paciente infarta ou tem um AVC e chega ao hospital a chance de sobrevida é muito maior do que 10, 20 ou 30 anos atrás”. Segundo Dr Kalil, a Medicina evoluiu muito, mas o problema é a incidência muito grande desses problemas de saúde e a mortalidade muito alta, não só no Brasil, mas no mundo inteiro.

Nos Estados Unidos, um americano infarta a cada 40 segundos. É uma coisa muito agressiva  A gente vive uma revolução completa da Medicina, que resulta em incorporação de novas tecnologia e medicações. Para isso, precisa ter um sistema sustentável e eficaz”.

Segundo ele, o SUS sofre há décadas com o subfinanciamento e agora precisa enfrentar agora uma população mais envelhecida e uma Medicina mais cara.  “O Brasil tem um SUS com altíssima tecnologia, uma saúde suplementar que sustenta tratamentos complexos com alta tecnologia. É claro que tem problemas. Transplantes cardíacos, por exemplo, são feitos 75% pelo SUS e 25% suplementar. Por isso, a integração será fundamental para reduzir custos e o sistema suplementar ajudar o SUS a atender os pacientes”, disse.

“A saúde suplementar também tem que lidar com essa mudança da característica da população e da própria evolução da Medicina”. Kalil lembrou que hoje, um quarto da população brasileira é atendida por algum plano de saúde, fora os quase 3 milhões de empregos que o setor de saúde suplementar gera no Brasil.  Importante essa discussão porque há uma visão distorcida da população sobre saúde suplementar. O SUS também. Sempre se torce o nariz. Na  pandemia o SUS  mostrou a que veio, mesmo subfinanciado. Nos locais onde o SUS era mais aparelhado, a mortalidade foi claramente menor.

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Risco de quebra do sistema como no Chile

Roberto Kalil alertou para a importância de se preservar a sustentabilidade do setor no país. Ao comentar sobre as críticas recebidas pelos convênios de saúde em relação às negativas de autorização de exames e procedimentos.

Se o sistema de saúde suplementar quebra como aconteceu no Chile é uma tragédia para a população. Pelo contrário, a integração entre o SUS e a saúde suplementar é fundamental. A saúde suplementar, naturalmente, faz o que pode, pensando sempre no paciente, tanto como o SUS. Nosso interesse é o paciente. Mas não é fácil só criticar. É muito fácil criticar a saúde suplementar, mas não  é bem assim”, destacou o cardiologista. “Tanto o SUS, que é um sistema muito bom, mas subfinanciado, quanto a saúde suplementar, que tem que ser vista com extremo carinho pela população”.

O médico comparou o Brasil a outros países desenvolvidos e ricos, como Dubai e Inglaterra, onde, segundo ele, não há um sistema de saúde suplementar como o que existe aqui. “Tive pacientes graves que moravam em Londres e fiquei surpreso. Lá, quando o paciente é muito grave e  são mais complexos, eles mandam para o hospital público”, comentou.

Ele também rebateu as críticas que os planos de saúde sofrem, principalmente por negativas de procedimentos.  “Uma ex-assistente minha que trabalhou três anos com um médico em Dubai explicou que lá um ecocardiograma, que é a ultrassom do coração, uma coisa simples, precisa de dez autorizações! Aqui você pede e o convênio autoriza na hora, ou nem precisa de autorização praticamente. Uma tomografia das coronárias leva dois meses, e precisa ter muita justificativa para ser aprovada em Dubai, que é um país riquíssimo/’.

“O Brasil tem um SUS com altíssima tecnologia, uma saúde suplementar sustenta tratamentos complexos com alta tecnologia. É claro que tem problemas. Transplantes cardíacos 75% pelo SUS e 25% suplementar. A integração será fundamental para reduzir custos e o sistema suplementar ajudar o SUS a atender os pacientes.

Sustentabilidade da saúde suplementar

Por fim, o médico apresentou alguns pontos que considera importantes para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar, integrado ao SUS. Os principais são:

  1. Integrar o SUS com a saúde suplementar para aumentar a produção de medicamentos;
  2. Investir em tecnologias e autossuficiência do país;
  3. Melhorar a relação com a indústria farmacêutica – “isso é extremamente importante porque reduz o custo”;
  4. Trabalhar em modelos de medicina baseada em evidências;
  5. Criar diretrizes e protocolos para tratar melhor o paciente – “isso é fundamental, inclusive para economia de exames, técnicas e procedimentos”;
  6. Trabalhar para reduzir a judicialização, com plataformas unificadas, fortalecendo o processo de aprovação e incorporação de novas tecnologias.

A judicialização é um problema sério no país. Quantos bilhões poderiam ser gastos em outras melhorias, tanto no SUS como na saúde suplementar, quando muitas vezes o recurso não vem porque é destinado a pagar esse medicamento ou tratamento e não beneficiam a população em geral”, disse.

Segundo ele, além de seguir os protocolos, é necessário que eles sejam revistos pelas sociedades médicas. “Se basear em protocolos é muito  importante porque barateia o tratamento”, enfatizou. “Depois de 40 anos de Medicina, minha visão é que sse continuar assim, não sei  viável para continuar a dar essa para um quarto da população brasileira com uma Medicina de altíssimo nível”, finalizou.

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