O que você faria se o seu plano de saúde cancelasse o seu contrato sem motivo aparente? Agora imagina se fosse com seu filho com autismo? Esta é a situação que muitas pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias estão enfrentando no Brasil inteiro. Planos de saúde estão descartando com recorrência clientes autistas e outras pessoas com deficiência, com doenças crônicas ou raras.
Entre janeiro e maio de 2024, rescisões unilaterais de planos de saúde de pessoas com autismo aumentaram impressionantes 212% em comparação com o mesmo período do ano anterior. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) registrou mais de 9.500 denúncias de negativas de cobertura ou cancelamento de convênios de forma unilateral apenas nos primeiros cinco meses deste ano. Além disso, as reclamações por negativa de cobertura subiram quase 33%.
Isso tem levado muita gente a recorrer à Justiça e conquistar decisões favoráveis, muitas vezes, entretanto, não cumpridas por parte das operadoras. Esta semana, a Justiça de São Paulo deu novo ganho de causa a uma família atípica que lutava pela manutenção do plano de saúde de uma criança com autismo. Após meses de ansiedade e luta, um juiz concedeu uma decisão liminar permitindo a contratação imediata de um plano de saúde sem período de carência para um menino diagnosticado com TEA.
Na decisão, o juiz destacou que, conforme o artigo 5º da Lei 12.764 de 2012, que estabelece a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, pessoas com TEA não podem ser impedidas de participar de planos de saúde devido à sua condição.
Esta garantia é reforçada pelo artigo 14 da Lei 9.656 de 1998, que regula os planos de saúde no Brasil, assegurando que nenhum plano de saúde pode recusar o ingresso de qualquer pessoa sob qualquer pretexto, conforme os princípios constitucionais de igualdade e direito à saúde.
Essa liminar representa um marco na luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Não só reafirma a legislação existente, mas também oferece uma esperança renovada para todas as famílias que lutam por acesso aos serviços de saúde. É fundamental que todos saibam que têm o direito de buscar justiça para garantir suas necessidades de saúde”, diz a advogada da família Claudia Nakano, especialista em saúde humana e animal.
Unimed Rio perde ação para família de menino autista
Em junho deste ano, a Justiça do Rio de Janeiro condenou a Unimed do Estado do Rio de Janeiro, a Unimed Federação Estadual das Cooperativas Médicas e a Supermed Administradora de Benefícios a fazer a reintegração imediata ao plano de saúde coletivo por adesão, nas mesmas condições anteriormente contratadas, de um menino autista de 11 anos de idade. Mesmo com todas as mensalidades quitadas, a operadora comunicou o cancelamento de forma unilateral do contrato, acarretando a suspensão do tratamento médico da criança.
A decisão, divulgada em 13 de junho, previa o cumprimento no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 mil. A relatora do processo, a desembargadora Regina Lúcia Passos, da 5ª Câmara de Direito Privado, ressalvou que “a tutela poderá ser cumprida, no mesmo prazo, com inserção de plano equivalente, com as mesmas coberturas e valor das mensalidades, desde que sejam conveniados os estabelecimentos atualmente frequentados pelo autor em tratamento multidisciplinar”.
De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio, a criança fez adesão a um plano coletivo, contratado pela federação estudantil à Supermed e operado pela Unimed Rio. E foi comunicada da sua exclusão do plano de saúde por meio de e-mail enviado pela administradora do benefício. No comunicado, a Supermed somente garantia a portabilidade, caso a criança contratasse outro plano de saúde.
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Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que as reclamações sobre rescisão unilateral de contratos em planos coletivos por adesão (e também individuais) saltaram de 194 queixas em abril de 2023 para 524 reclamações no mesmo mês deste ano, alta de 170% no período.
Em decorrência desse cenário, pessoas com autismo e seus familiares têm buscado o amparo judicial para evitar a interrupção dos tratamentos e a manutenção dos planos de saúde conforme os termos originalmente acordados. O Poder Judiciário brasileiro tem se mostrado sensível à questão dos cancelamentos, emitindo decisões que garantem a continuidade dos planos e impedem a suspensão dos tratamentos.
Desde o início do ano, diversas liminares foram concedidas em processos individuais, favorecendo os beneficiários que estavam em tratamento e haviam recebido notificações de rescisão contratual. Essa situação destaca a importância de as operadoras de saúde revisarem suas práticas e assegurar o acesso contínuo aos cuidados médicos para essa população vulnerável.
A jurisprudência em relação ao cancelamento de planos de saúde para autistas em tratamento está sob análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o entendimento do STJ, os planos de saúde coletivos não podem ser cancelados de forma unilateral, enquanto o paciente estiver passando por tratamento de doença grave. Essa decisão visa assegurar a continuidade do atendimento médico e proteger os beneficiários, especialmente aqueles com autismo.
Defensor público acusa prática abusiva dos planos
Para o defensor público federal André Naves, especialista em Direitos Humanos e Inclusão, “a rescisão unilateral de contrato é uma prática abusiva proibida por lei e os planos só podem romper os contratos por inadimplência ou fraude dos clientes”.
O que está acontecendo é um absurdo, pois viola o direito à saúde e à dignidade das pessoas com deficiência. Faremos o que for necessário para impedir essa ilegalidade”, declarou o defensor.
Em junho de 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia decidido que as operadoras devem continuar prestando assistência aos beneficiários internados ou em tratamento, mesmo após rescindirem os contratos unilateralmente. A condição é que os clientes continuem pagando as mensalidades.
Denúncias sobre cancelamento unilateral de planos de saúde para crianças autistas vêm ocorrendo pelo menos desde 2021. Naquele ano, o juiz Eduardo Calvert, a 1ª Vara Cível de Mogi das Cruzes (SP), proferiu decisão favorável a uma criança autista.
Nela, o juiz reafirmou que os planos não podem negar-se a custear a integralidade de sessões para tratamento da doença ou até mesmo limitá-la, uma vez que haja cobertura da doença. De acordo com o defensor, além de não poderem praticar esses cancelamentos, as operadoras não podem limitar as sessões de terapia para tratamento de pessoas com TEA.
Os planos de saúde costumam sustentar a negativa de custeio da integralidade do tratamento dos autistas com o argumento de que há ausência dessa previsão no rol da ANS. É preciso ressaltar que o Rol da ANS tem caráter exemplificativo, ou seja, há indicação apenas da cobertura mínima obrigatória. Dessa forma, as operadoras não têm direito de se restringirem ao que consta expressamente no Rol da ANS”, explicou.
Decisão judicial abre caminho para outras famílias reivindicarem seus direitos à saúde
Como já vimos muito por aqui, o autismo é uma condição neurológica que afeta o desenvolvimento e a interação social. Não há cura, mas há tratamentos que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas com TEA e de seus familiares. Por isso, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) necessitam de atendimento contínuo. Entre os tratamentos, estão a terapia comportamental e a terapia de grupo, que ajudam na adaptação às atividades diárias e na socialização.
Em uma batalha diária marcada por obstáculos e persistência, uma família atípica de São Paulo celebra uma vitória emocionante. Essa conquista trouxe alívio e alegria, além de acender uma luz de esperança para muitas outras famílias que enfrentam barreiras semelhantes. Para muitas famílias, a luta para garantir direitos é longa e cheia de obstáculos. No entanto, a legislação está ao lado daqueles que buscam justiça”, diz Claudia Nakano.
Para ela, esta vitória serve como um lembrete poderoso de que, com persistência e apoio jurídico, é possível assegurar os direitos fundamentais de todos. “Negar esse direito é violar o preceito constitucional da isonomia e a garantia à prestação de saúde“, diz a advogada. Segundo ela, essa conquista não é exclusiva para casos de autismo.
Muitas pessoas desconhecem que têm o direito de ingressar com ações judiciais para garantir acesso a planos de saúde sem discriminação e sem períodos de carência, independentemente de sua condição de saúde. A legislação é clara: a saúde é um direito de todos, sem exceção. Nossa luta é para garantir que essa premissa seja cumprida em todos os casos”, afirma Claudia Nakano.
Com Assessorias