Cada vez que um caso de câncer infantil – como o de Pedrinho, filho do indigenista assassinado Bruno Pereira – viraliza nas redes sociais vem à tona a pergunta: por que? Afinal, crianças e a maior parte dos adolescentes não fuma, não bebe, não tem relações sem proteção e outros fatores de risco que elevam a chance da doença.

Mas, diferentemente dos adultos, o câncer, na maior parte dos casos, nada tem a ver com estilo de vida ou fatores ambientais, garantem especialistas. Mas o fator genético pode, sim, influenciar. Atualmente em torno de 15% das neoplasias pediátricas são relacionadas a alguma predisposição genética do paciente.

Um exemplo são as crianças com Síndrome de Down que tem até 10 vezes mais chances de desenvolver leucemia, um dos tipos de câncer mais prevalentes nesta fase da vida. Durante os primeiros três anos, a leucemia mielóide aguda é a forma mais comum. Depois dessa idade, os casos de leucemia linfoblástica aguda se tornam mais frequentes. Muitas dessas neoplasias são decorrentes de alterações no DNA, que podem se manifestar até mesmo na fase embrionária.

“Muitas alterações genéticas que determinam o surgimento do tumor ainda não têm uma explicação óbvia pela ciência, não sendo atribuídas à uma predisposição da criança ou adolescente, mas a um processo biológico aleatório na maioria dos casos”, explica Gabriele Zamperlini Netto, onco-hematologista parceiro da Fujifilm.

O câncer infantil também se comporta de forma diferente, com tendência a crescer mais rápido (são mais agressivos que em adultos), mas respondendo melhor à quimioterapia, com chances de cura que podem chegar a 80%, como destaca o hematologista pediátrico João Pedro Locatelli.

“O câncer infantil tem sintomas muito inespecíficos e bastante complexos, pois são similares aos de muitas doenças (uma febre que não melhor, marcas roxas nas pernas, mancha branca nos olhos que aparecem com o flash das fotos, infecções que não melhoram, entre outras). E essa dificuldade de identificação causam uma demora no diagnóstico que pode reduzir a taxa de cura”, ressalta o especialista.

Câncer é a segunda causa de morte de 0 a 19 anos

Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) para o triênio 2023-2025 estimam a ocorrência de 7.930 novos casos, para cada ano, de câncer em crianças e jovens de 0 a 19 anos de idade. A doença já é a segunda causa de morte nesta faixa etária. Apenas em 2021, foram registradas 2.425 mortes nessa faixa etária decorrentes de neoplasias como leucemia, linfoma, neuroblastoma, retinoblastoma e tumores de sistema nervoso central.

Até os 14 anos de idade, as leucemias, os tumores de sistema nervoso central e os linfomas são as neoplasias que mais acometem crianças e adolescentes. Destacam-se os tumores chamados de embrionários, como o neuroblastoma, tumor de Wilms, hepatoblastoma e retinoblastoma na população mais jovem, principalmente nos primeiros anos de vida. Importante destacar os sarcomas e os tumores ósseos como outro grupo de doenças bastante relevante. Dos 15 aos 19 anos, o Linfoma de Hodgkin, tumores de tireóide e tumores gonadais se tornam mais prevalentes.

Diagnóstico precoce é essencial para o sucesso do tratamento

Estudo publicado pelo The Lancet aponta que tratamento aumenta sobrevida de crianças e adolescentes em 80%

A boa notícia vem do estudo Childhood cancer burden: a review of global estimates, publicado pela revista científica inglesa The Lancet, que mostrou que, graças ao avanço das terapias oncológicas, a taxa de sobrevida de cinco anos para crianças e adolescentes diagnosticados com câncer aumentou em 80%. O diagnóstico e o tratamento assertivos podem aumentar a taxa de sucesso e promover mais qualidade de vida a esses pacientes.

“Nas últimas quatro décadas, o progresso no tratamento do câncer na infância e na adolescência foi extremamente significativo e o diagnóstico em fase inicial possibilita um tratamento menos agressivo, preservando a qualidade de vida dos pacientes”, ressalta Locatelli.

Por isso, a importância fundamental do diagnóstico precoce, para o combate às neoplasias infantis, já que contribui para conter o avanço da doença com seus riscos imediatos, assim como a definição do melhor tratamento. Entretanto, o médico alerta sobre a dificuldade que é identificar os primeiros sinais da doença em crianças.

Como fazer a diagnóstico do câncer infantil?

A onco-hematologista Gabriele Zamperlini Netto enfatiza que é muito importante que crianças e adolescentes sejam acompanhados pelo pediatra e por médicos de família.

“Não existem sinais específicos do câncer infantil e a persistência ou recorrência de sintomas, sem explicação clínica evidente, deve incluir o câncer nos diagnósticos diferenciais. A avaliação clínica detalhada, exames gerais e radiológicos, orientados por especialistas em oncologia e hematologia infantil é essencial no processo de investigação”, completa Gabriele.

Os exames de imagem, como raio-X, ultrassom, tomografia computadorizada e ressonância magnética, são fundamentais na detecção de tumores sólidos, apontando a localização do câncer e fornecendo descrições detalhadas da extensão da doença.

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Pesquisa contribui para agilizar diagnóstico e tratamento

Como está o diagnóstico, tratamento e assistência ao câncer infanto-juvenil no País? Para mapear esta situação, a Confederação Nacional de Instituições de Apoio e Assistência à Criança e ao Adolescente com Câncer (CONIACC) e a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE) deram início, em agosto de 2023, à fase piloto do projeto “Mapeamento Nacional das Instituições de Assistência às Crianças e aos Adolescentes com Câncer”.

O projeto está em fase de ajustes e os pesquisadores pretendem voltar a campo em abril de 2024. O levantamento dos dados será feito a partir do envio de questionário online, com perguntas abrangentes que permitirão avaliar o grau de complexidade de cada instituição de tratamento e de apoio, além de caracterizar seus principais desafios e necessidades. De forma complementar, será realizada uma visita às organizações. O projeto deverá ser finalizado em setembro de 2024.

Para Neviçolino Pereira de Carvalho Filho, médico oncologista e presidente da Sobope, a realização do projeto contribuirá para identificar fatores decisivos para agilizar o diagnóstico, estadiamento e início do tratamento de crianças e jovens com câncer no Brasil.

“Em nosso país, muitas crianças chegam às instituições para realizar o tratamento com a doença avançada e com dificuldade de acesso aos exames fundamentais para a estratificação de risco que determina o tratamento adequado, o que evidencia a razão pela qual o câncer é uma das principais causas de morte nessa população”, diz.

Em 2019, foi sancionada a Lei nº 13.869, que assegura a realização de exames diagnósticos do câncer em até 30 dias aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela complementa a Lei nº 12.732, de 2012, que estipula o início do tratamento do câncer, no SUS, em no máximo 60 dias.

“No entanto, em geral, o câncer infantojuvenil é distinto do câncer em adultos e precisa do diagnóstico o mais breve possível, o que nem sempre acontece”, explica Carvalho, que também é médico oncologista pediátrico do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo.

Uma das responsáveis pelo projeto, Carolina Camargo Vince em trabalho de campo
(Foto: Divulgação)

Estudo inédito no Brasil

Carolina Camargo Vince, uma das responsáveis pelo “Mapeamento Nacional das Instituições de Assistência às Crianças e aos Adolescentes com Câncer”,  conta que esta é a primeira vez que um projeto irá avaliar todas as instituições que atendem crianças e jovens com câncer e mapear a situação do diagnóstico, do tratamento e da assistência ao câncer infantojuvenil no Brasil.

“Esse mapeamento está sendo realizado no exterior. Em nosso País, tivemos uma iniciativa da Sobope, na gestão 2014-2018, em que foram realizadas visitas e avaliações a algumas instituições em diferentes regiões. Agora, vamos ampliar o escopo para todas, não só as de tratamento, mas também as instituições de apoio”, comenta Vince.

Ela também é médica oncologista pediátrica do Instituto do Tratamento do Câncer Infantil (ITACI) e do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, além de coordenadora do Molecular Tumor Board, vinculado ao Comitê de Medicina de Precisão da Sobope, dedicado a avaliar cânceres difíceis de tratar.

Fases do projeto – Idealizado em 2022, o “Mapeamento Nacional das Instituições de Assistência às Crianças e aos Adolescentes com Câncer” teve sua primeira fase realizada em agosto de 2023, quando os representantes da CONIACC e da SOBOPE envolvidos no projeto visitaram seis instituições de tratamento e seis instituições de apoio ao tratamento, visando validar os instrumentos para coleta de dados. A partir do piloto, os pesquisadores fizeram um workshop para discussão de resultados preliminares, definição de financiamento e cronograma da próxima fase.

De acordo com Rocco Francesco Donadio, comunicólogo e presidente da CONIACC, organização que conta com a participação de 48 instituições nacionais que lideram a defesa dos direitos de crianças e adolescentes com câncer, no piloto foi possível detectar algumas dificuldades, como o diagnóstico precoce: “Confirmamos o que já sabíamos a partir dos dados epidemiológicos, que muitos pacientes chegam para atendimento em estágios avançados”, complementa.

Na segunda fase, prevista para acontecer em 2024, serão realizados treinamentos com as equipes que vão a campo, visitas às instituições, avaliação dos dados com análise estatística e reuniões para elaboração de propostas de melhorias que devem classificar as intervenções em curto, médio e longo prazos. “As decisões sobre intervenções serão discutidas no âmbito municipal, estadual e nacional, respeitando as leis vigentes”, diz Vince.

Segundo ela, o foco é promover o diagnóstico precoce, o tratamento de qualidade e fornecer o suporte necessário ao paciente e à sua família, independente de qual região o paciente é procedente: “Sabemos da importância do trabalho cooperativo, do tratamento fora de domicílio, além do trabalho fundamental da sociedade civil organizada. Pretendemos, de fato, gerar um movimento contínuo de melhorias no atendimento ao câncer no País”.

Segundo a médica, a  importância do projeto foi facilmente percebida por instituições que trabalham com câncer infantojuvenil, como Childhood Cancer International (CCI), da Sociedade Latinoamericana de Oncologia Pediátrica (SLAOP) e Keira Grace Foundation, que também está oferecendo apoio financeiro integral. “Temos a certeza de que esse projeto trará resultados transformadores para o cenário do câncer infantojuvenil no Brasil”, conclui Vince.

Com Assessorias

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