O recente caso de contaminação alimentar por arsênio, que levou a óbito quatro pessoas de uma mesma família em Torres, no Rio Grande do Sul, acendeu o alerta de especialistas para a venda ilegal da substância altamente tóxica pela internet. O caso, inicialmente tratado como uma intoxicação alimentar, teve uma reviravolta depois que laudos comprovaram a presença de arsênio no sangue e urina de sobreviventes e vítimas que comeram um bolo de reis preparado no Natal de 2024.
Presente no solo e, em pequenas quantidades, em alimentos e cosméticos, o arsênio pode ser letal em concentrações mais elevadas. No Brasil, uma das formas mais conhecidas de arsênio é o arsênico, usado como veneno para ratos e insetos. A comercialização do produto foi proibida no país em 2005, mas ainda pode ser encontrado de forma clandestina ou em estoques antigos.
‘Eu sabia que ela era má, que ela fazia maldades’, diz sogra da acusada
Neste domingo (16), Zeli de Moura dos Anjos, uma das cinco sobreviventes, decidiu falar ao ‘Fantástico’, da TV Globo, sobre o caso, depois que a principal acusada dos crimes, sua nora Deise dos Anjos, que estava presa desde 5 de janeiro, foi encontrada morta na cela. A polícia encontrou sinais de enforcamento no corpo de Deise na última quinta-feira (13), na Penitenciária Feminina de Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre.
De acordo com a Polícia Civil, Deise tinha a sogra como principal alvo do envenenamento com arsênio. Ela nutria um ódio pela sogra, a quem chamava de ‘naja’ (nome de uma cobra), segundo policiais que investigam o caso.
Eu sabia que ela era má, que ela fazia maldades, mas nunca que fosse chegar a um nível desses. Eu não tenho nem pena, nem raiva, nem ódio, nem sei que tipo de sentimento. Mas, quando eu penso que ela tirou as quatro pessoas mais importantes da minha vida…”, disse, emocionada, a dona de casa.
Características, riscos e prevenção relacionados ao arsênio
Diante da enorme repercussão do caso, o Sistema CFQ/CRQs emitiu uma nota de alerta informando sobre as características, riscos e prevenção relacionados ao arsênio e alerta para a importância de adoção de medidas para garantir segurança é reforçada pela autarquia.
De acordo com a literatura, o arsênio é um elemento químico natural, não essencial ao organismo humano e altamente tóxico em sua forma inorgânica. Também, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), devido à elevada toxicidade, é uma das substâncias mais preocupantes para a saúde global.
Sua toxicidade está associada à inativação de enzimas essenciais, interferindo na produção de energia celular e na reparação do DNA. A dose letal média é de 0,07 gramas por kg de peso corporal. No Brasil, a presença de arsênio em alimentos é regulada por limites seguros. Para alimentos à base de cereais infantis, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabelece um limite máximo tolerado de 0,15 miligramas por kg.
O arsênio pode ser absorvido pelas plantas a partir de fertilizantes e defensivos agrícolas. No entanto, ingredientes vencidos não sofrem transformações químicas capazes de gerar arsênio. Contudo, a utilização de produtos dentro do prazo de validade é fundamental para evitar riscos adicionais.
Produto pode ser usado como herbicida em alimentos
O Sistema ainda explica que, compostos contendo a substância, como o herbicida MSMA, são permitidos no Brasil para algumas culturas, incluindo a cana-de-açúcar, com um limite máximo de resíduo de 0,01 miligramas por kg. Contaminações acima desse limite podem estar associadas a desvios ou acidentes durante a aplicação.
Além disso, contaminações podem ter origem na própria água utilizada na irrigação, decorrentes de uso excessivo de defensivos agrícolas ou falhas no transporte desses produtos. O limite máximo permitido para arsênio na água potável é de 0,01 miligramas por litro, conforme regulamentação do Ministério da Saúde.
Sinais de intoxicação e medidas de prevenção
Os sintomas iniciais de intoxicação aguda por arsênio incluem vômitos, dores abdominais e diarreia, frequentemente acompanhada de sangramento. Esses sinais exigem atenção médica imediata.
Para evitar contaminações cruzadas, a indústria alimentícia adota protocolos rigorosos de Boas Práticas de Fabricação, que incluem monitoramento constante da qualidade dos ingredientes e verificação de contaminantes.
O Sistema desempenha um papel crucial na fiscalização dessas práticas e na garantia de que profissionais habilitados estejam à frente do controle químico de qualidade. A instituição reforça seu compromisso com a sociedade, atuando para prevenir riscos e garantir a segurança dos alimentos consumidos pela população.
A colaboração da ciência Química em toda a cadeia produtiva, desde o cultivo até a fiscalização, é essencial para assegurar que os padrões de segurança sejam cumpridos e a saúde pública preservada”, afirma o Sistema CFQ.
Relembre o caso do bolo envenenado
O episódio ocorreu em 23 de dezembro, durante uma confraternização de Natal. Na ocasião, seis pessoas de uma mesma família consumiram um bolo de reis preparado com farinha contaminada pelo metal tóxico. Três delas morreram e outras três precisaram ser hospitalizadas.
Zeli e mais seis pessoas da família se reuniram para comer um bolo de reis no apartamento de uma das irmãs dela. Era uma tradição de família. Zeli fazia o bolo havia mais de 40 anos. Mas a confraternização durou pouco. Imediatamente após comerem as primeiras fatias, todos começaram a passar mal.
Segundo a Polícia Civil, a farinha utilizada no preparo do doce estava envenenada com arsênio.
Além das mortes ocorridas em dezembro, a polícia apura o envolvimento de Deise em outro caso na mesma família. Em setembro, o sogro da suspeita morreu após consumir bananas e leite em pó levados por ela. Laudos do Instituto-Geral de Perícias confirmaram que o homem foi envenenado.
Deise é descrita pela delegada Sabrina Deffente como uma pessoa “extremamente manipuladora” e “calma”.
Acusada planejou os crimes e comprou arsênio pela internet
Os policiais conseguiram desvendar o caso após recuperar o histórico de pesquisas feitas por Deise na internet. Identificaram buscas por 18 substâncias tóxicas, entre elas “arsênio”, “veneno para o coração” e “veneno para matar humanos”.
Ela não planejou comprar só o arsênio. A primeira pesquisa dela foi o veneno mais mortal do mundo”, disse o delegado Marcos Vinícius Muniz Veloso.
Após a repercussão do caso, as buscas pelo termo “arsênio”, “arsênio no bolo”, “arsênio ou arsênico”, “onde é encontrado o arsênio” e “para que serve o arsênio” cresceram na internet. Segundo dados do Google Trends, até 26 de dezembro as buscas eram praticamente inexistentes no Rio Grande do Sul.