Com pouco mais de 100 mil moradores, a pequena e pacata cidade de Itaperuna, no Noroeste Fluminense, está em estado de choque. Um adolescente de 14 anos confessou que matou o pai, a mãe e o irmão de 3 anos. O parricídio ou patricídio – crime que consiste no ato de uma pessoa assassinar seu próprio pai ou pais – ocorreu na noite do último sábado (21) e o adolescente chegou a ir à delegacia dois dias depois, junto com a avó, para registrar o desaparecimento da família.

Para cometer o crime bárbaro, segundo a polícia, ele utilizou o revólver do pai, que tinha autorização de porte de arma como Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC). A arma estava escondida debaixo do colchão. Todos os tiros foram disparados contra as cabeças das vítimas, que estavam dormindo quando foram atingidas. O adolescente ainda arrastou os corpos até uma cisterna dentro da casa, onde foram encontrados.

Descrito pela tia-avó no velório como “um menino tranquilo e calado” e pelo próprio pai como “companheirinho” e “amigão”, em um post nas redes sociais em homenagem ao aniversário do garoto, o autor confesso do crime surpreendeu até policiais mais experientes pela sua frieza durante o depoimento na delegacia, ao dizer que “faria tudo de novo”.

O que levaria um garoto de apenas 14 anos a cometer um crime tão hediondo?

À polícia, o adolescente contou que teria ficado revoltado por ter sido proibido de viajar para Mato Grosso afim de se encontrar com a namorada, que conheceu pela internet. Segundo os investigadores, ele chegou a colocar os celulares desligados dele e dos pais em uma mala que pretendia usar para viajar.

Uma motivação financeira também pode estar por trás do crime: foram encontrados registros no celular do adolescente com pesquisas sobre “como receber FGTS de pessoas falecidas”. Segundo os investigadores, ele pretendia sacar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço de R$ 33 mil do pai, que era enfermeiro e trabalhava numa plataforma de petróleo da Bacia de Campos.
O delegado Carlos Augusto Guimarães, titular da 143ª DP (Itaperuna), que investiga o caso, busca identificar outras possíveis causas. Ele não descarta a participação de terceiros no triplo homicídio e investiga, inclusive, a possibilidade de o autor ter sido induzido a cometer os crimes em meio a algum desafio ou jogo na internet. O delegado suspeita que o menino tenha aprendido a manusear uma arma de fogo vendo o pai praticar numa escola de tiro.
Além de uma avaliação neuropsicológica no adolescente, para identificar se ele tinha algum transtorno mental ou de personalidade, está sendo investigado como eram as relações familiares para além das imagens publicadas na internet, que demonstram se tratar de uma família feliz e equilibrada. O delegado quer saber ainda se o menino nutria alguma mágoa ou se havia desavenças entre ele e o pai, que o obrigaria a frequentar aulas de jiu-jitsu.  

O que dizem os especialistas em saúde mental sobre o caso

Em meio à comoção nacional em torno do caso, inédito no país, o Portal Vida e Ação ouviu colunistas e ex-colunistas, especialistas em saúde mental, para tentar traçar o perfil psicológico do parricida de Itaperuna e os motivos que levam adolescentes de maneira geral a cometer crimes tão bárbaros.

A partir de hoje, retomaremos a série ‘Adolescentes’ para tentar investigar o por que de tanta violência nessa geração e, sobretudo, como nós, adultos, devemos aprender a lidar com eles, muitas vezes até mesmo para ajudá-los a diminuir o seu sofrimento psíquico e evitar tragédias como esta. Confira:

Suspeita de transtorno de personalidade antissocial

Por Danielle Admoni, psiquiatra*

Uma coisa é o que as pessoas postam, outra coisa é a vida real. Mas chama muito a atenção essa questão de um menino de 14 anos ter tido essa organização, principalmente essa frieza de fazer isso com a própria família. Parece que ele passou um produto no chão para conseguir puxar os corpos (até a cisterna). Então, acho que tem uma questão bem de organização aí, de um conhecimento que não é o esperado para o menino de 14 anos.

Enfim, é um caso bastante assustador e que sugere muito algo relacionado, alguma questão de personalidade antissocial, a psicopatia, por não ter realmente nenhuma empatia, nenhum remorso, justificar os meios.  A proibição de viajar para ver a namorada justifica o que ele fez? Ainda mais que a tia falou que era um menino mais quieto, que ficava na dele, o que só acaba reforçando um pouco isso. Não era um menino que dava muito trabalho, mas que de repente vai lá e faz uma coisa assustadora.

Agora seria interessante investigar um pouco melhor com alguém mais próximo como é que era a dinâmica dessa família porque isso não vem do nada. E esse irmãozinho, por exemplo, ele podia estar bravo com os pais, mas e o irmão? O que tinha a ver com a história?  Então, tem algumas questões bem assustadoras aí, principalmente quando ele vai falando sem remorso, o que reforça ainda mais essa questão de um transtorno de personalidade antissocial.

E aí tem essas questões da gente pensar: um menino de 14 anos que namora seis anos com uma menina, ou seja, desde os 8, que coisa louca. E será que ninguém sabia desse relacionamento? Ou seja, que tipo de acompanhamento que ele e ela têm e tinham? Quanto tempo que eles ficavam nos jogos? Como é que era o relacionamento com essa família?

Então várias questões aí que precisam ser pensadas, de como os jovens acabam ficando meio soltos por aí. A mãe era cabeleireira, o pai enfermeira, ou seja, deveriam trabalhar bastante, mas que dá um pouco a sensação que esse menino estava meio solto,

Acho que uma coisa importante é a gente estar sempre próximo dos filhos, poder entender o que eles estão fazendo, o que eles gostam, com quem eles falam, quem são os amigos, que tipo de interesses que eles têm, porque tem questões realmente que precisam de uma proximidade um pouco maior, E não é na adolescência isso vem desde lá de trás, isso é criado desde a infância e é mantido na adolescência e na vida adulta. Não adianta chegar na adolescência e querer entrar na vida da pessoa e saber tudo.

Então acho que precisa investigar um pouco mais a história de vida dessa família, mas o que sugere é isso, realmente um transtorno de personalidade antissocial, não dá para falar outra coisa sem conhecer o menino, mas de acordo com a reportagem, sugere realmente uma questão familiar bem importante, de ninguém ter percebido os sinais, de ninguém ter levado ele para um acompanhamento. Ele deve ter feito outras coisas estranhas ao longo da vida que talvez não foram percebidas. Então tem várias perguntas aí pra poder pensar.

Depressivo, bipolar ou psicopata?

Por Verônica Coutinho, psicóloga*

Verônica Coutinho

A adolescência é um período muito significativo e a saúde mental nessa etapa da vida é negligenciada. As pessoas normalmente não acreditam que o jovem, o pré-adolescente ou até a criança estejam em depressão, negligenciam isso. Dizem: “Ah, é preguiça, sabe, você tem que levantar da cama, você tem que fazer isso, tem que fazer aquilo”.

A depressão nem sempre vem acompanhada desse tipo de comportamento, de ficar deitado na cama, por exemplo, que é o clássico que as pessoas imaginam. Normalmente vem muito em forma de redução de foco, diminuição de nota escolar, do desempenho escolar, estado de irritação e baixa autoestima. Então, esses comportamentos é que precisam ser observados em crianças e adolescentes.

Agora, um lar realmente tóxico, desestabilizado, desestruturado, pode ser gatilho para esse tipo de comportamento, de quem já tem uma predisposição. Porque existe a predisposição, por exemplo, para a bipolaridade, tipo 1, tipo 2, e para a depressão. Então, esse tipo de lar desestruturado é gatilho normalmente para esse tipo de doença. A bipolaridade, por exemplo, e outros transtornos de humor aparecem nessa fase de 14 aos 25 anos. É a fase aonde mais se tem um gatilho.

Existe a predisposição genética para esses transtornos graves, mas o ambiente também tem muita relação com isso. Então, se você tiver predisposição genética, mas não tiver um ambiente tóxico, você pode até se manter com uma saúde mental em dia. Então, como eu falei acima, resume os aspectos que tem que ser observados e a importância de um ambiente estruturado.

Tem que incluir ainda a possibilidade desse menino ser psicopata. E aí é outro tipo de comportamento? o cinismo, a insensibilidade social, a falta de empatia com o outro. Normalmente é uma pessoa que se acha melhor do que os outros; que não liga pra nada, que na infância, por exemplo, pode machucar algum bicho. Então, a psicopatia pode até ser uma hipótese de diagnóstico deste menino de Itaperuna.

‘Adolescentes não adoecem sozinhos’, diz psicóloga

Por Rosângela Sampaio*

Casos extremos como esse em Itaperuna nos chocam profundamente, mas também nos convocam a uma reflexão urgente sobre a saúde mental dos adolescentes e os sinais que muitas vezes são ignorados ou mal interpretados.

Na adolescência, o cérebro ainda está em desenvolvimento, especialmente as áreas responsáveis por controle de impulsos, empatia e tomada de decisões. Quando esse desenvolvimento ocorre em um ambiente familiar disfuncional, sem afeto, sem escuta e, muitas vezes, marcado por violência ou negligência emocional, o risco de adoecimento mental se intensifica.

Adolescentes não adoecem sozinhos. Eles são reflexo dos contextos em que estão inseridos. A violência, nesses casos, não nasce de um dia para o outro. Ela vai sendo construída em silêncio, muitas vezes com sinais que aparecem no comportamento: isolamento, irritabilidade constante, desmotivação, mudanças bruscas de humor, queda no rendimento escolar, discursos de desesperança ou de ódio direcionado à família.

Esses sinais não podem ser naturalizados ou atribuídos apenas à “fase da adolescência”. Eles precisam ser acolhidos com responsabilidade, escuta e acesso ao cuidado. Transtornos como depressão, transtorno de conduta, traumas e até psicopatias infantis podem se manifestar cedo, mas com intervenção correta, podem ser acompanhados e tratados.

É essencial que os pais compreendam que oferecer cuidados “básicos” não é o suficiente. A saúde emocional exige presença real, diálogo, vínculo, e a capacidade de reconhecer quando sozinhos não conseguem ajudar e precisam buscar suporte especializado.

Prevenir tragédias como essa começa com uma mudança de mentalidade: precisamos parar de silenciar o sofrimento dos jovens e começar a tratar a saúde mental com a mesma seriedade que tratamos a saúde física.

E, por fim, lembrar que um adolescente que chega a esse ponto é um grito extremo, não só de dor individual, mas de falhas coletivas em escutar, acolher e cuidar.

Namorada de 15 anos sabia do crime

Ouvida no Departamento de Polícia de Água Boa (MT) na tarde desta quinta-feira (26), a jovem de 15 anos, namorada do acusado, confirmou ter mantido conversas com o adolescente durante o final de semana em que ele assassinou a família. O depoimento, que durou cerca de duas horas e será enviado à Polícia Civil do Rio de Janeiro, também causou espanto entre os investigadores pela frieza da garota.

De acordo com os policiais, a jovem tinha plena consciência do que estava acontecendo em tempo real, conversando com o garoto durante e após os crimes cometidos na noite de sábado. Segundo policiais, ela teria tratado os assassinatos como se fossem parte de um “jogo de videogame”. Acompanhada da mãe e de assistentes sociais, ela contou na delegacia que começou a namorar o menino após se conhecerem em uma página de jogos online há seis anos.

A polícia analisa agora se a adolescente teve algum tipo de participação ou se incentivou, mesmo que indiretamente, os assassinatos. Se comprovada influência ou instigação, a jovem de 15 anos também poderá responder pelo crime, mesmo sendo menor de idade. O delegado que investiga o caso em Itaperuna contou que chegou a pensar que a namorada seria um avatar, usado por algum adulto que pudesse ter estimulado o adolescente a cometer tamanha atrocidade.

Assista uma entrevista completa do delegado que investiga o caso

Entenda como aconteceu o parricídio em Itaperuna

O enfermeiro Antônio Carlos Teixeira, de 45 anos, e a cabeleireira Inaila de Oliveira Teixeira, 37, juntamente com o caçula do casal, Antônio Filho, 3, estavam desaparecidos desde sábado (21). No domingo (22), o filho mais velho do casal, de 14 anos, procurou a avó paterna para falar do desaparecimento dos pais e do irmão. No distrito de Comendador Venâncio, onde a família residia, moradores começaram a procurar, preocupados.

Segundo relatos dos investigadores, o adolescente chegou a inventar uma história para a avó, na tentativa de justificar o sumiço dos pais, dizendo que o irmão havia engolido um pedaço de vidro e que eles teriam levado a criança a um hospital, em um carro de aplicativo, mas não retornaram para casa e nem atenderam ligações.

Na terça-feira (24), o adolescente foi à delegacia acompanhado da avó paterna para relatar o desaparecimento da família.  A versão não convenceu os policiais, que  descartaram a hipótese após verificarem as unidades de saúde da região. Uma equipe da polícia foi até a residência da família e localizou vestígios de sangue no colchão, roupas sujas, sinais de queimadura e uma mala com dois celulares.

Um forte odor vinha do reservatório de água da residência, onde os corpos foram localizados. Os peritos da Polícia Técnico-Científica isolaram a área e realizaram a perícia nos corpos. Os laudos descartaram morte por afogamento. Os exames de necropsia confirmaram que os familiares dele foram atingidos por tiros na região craniana, mas ainda não está claro se as vítimas morreram logo após terem sido alvejadas.

‘Ele não demonstrou nenhum arrependimento nem remorso’

Somente na quarta (25), quatro dias após o crime, o adolescente, ao ser levado de volta à delegacia, confessou o crime aos investigadores, na presença de um tio. Em entrevistas à imprensa da região, o delegado Carlos Augusto Guimarães, titular da 143ª DP (Itaperuna), contou sobre a frieza do menino.

Ele estava frio, conversou como qualquer pessoa, numa boa, sem pressão, foi espontâneo, quis falar o que tinha acontecido ali. Em casos assim, é comum as pessoas omitirem partes, mas ele foi direto, contou o que fez e afirmou que não se arrepende. Ele não demonstrou nenhum arrependimento nem remorso”, disse.

As investigações preliminares apontam para a hipótese de crime premeditado e não está descartada a possibilidade de o autor ter recebido ajuda de terceiros no local do crime. Um fato que chama a atenção é o autor ter utilizado um produto no piso da residência, para facilitar arrastar os corpos da cama do quarto dos pais até a cisterna em outro cômodo da casa.

O adolescente foi apreendido em flagrante pela polícia e, por determinação da Vara da Infância e Juventude, encaminhado para uma unidade socioeducativa no Norte Fluminense. Ele deve responder por ato infracional análogo a triplo homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e ocultação de cadáver. O tempo máximo de internação de jovens infratores determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é de três anos. Ou seja, o menino pode ser solto aos 17 anos, antes de completar a maioridade penal.

Com informações de O Dia, Band, G1, R7, CNN e outros
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