Antivirais: o verdadeiro tratamento precoce contra a Covid

Três medicamentos antivirais prometem transformar ameaça em doença mais branda, mas Brasil ainda está na lanterna da corrida por remédios

Remédio (Imagem ilustrativa de Michal Jarmoluk por Pixabay)
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Em pouco mais de dois anos, o tratamento da covid-19 evoluiu bastante. Atualmente, existem remédios testados e aprovados para todas as fases da doença, desde os quadros mais leves e iniciais até os mais graves e avançados, mas ainda estão longe da realidade dos brasileiros e brasileiras, especialmente os mais pobres, que dependem do Sistema Único de Saúde.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil relatam que boa parte desses medicamentos não está disponível no país, apesar de já serem utilizados em larga escala em outras partes do mundo. O preço é uma das principais barreiras à disponibilidade delas por aqui: o tratamento chega a custar entre 10 mil e 20 mil reais por paciente. Para piorar, nenhuma dessas drogas foi incorporada no SUS.

“Nós estamos num ponto de evolução em que temos medicações orais contra a covid. E o Brasil está ‘comendo poeira’ das agências regulatórias de outros países”, critica a pneumologista e pesquisadora Letícia Kawano Dourado, uma das responsáveis pelas diretrizes de tratamento da covid-19 feitas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Até o momento, três medicações desse grupo já foram testadas e aprovadas em vários países: o remdesivir (da farmacêutica Gilead Sciences), o paxlovid (da Pfizer) e o molnupiravir (da MSD). Em linhas gerais, esses remédios impedem a replicação do coronavírus no organismo. Com isso, o patógeno deixa de invadir as células e há menos probabilidade de o quadro infeccioso se agravar e necessitar de suporte hospitalar.

“Falamos de tratamentos capazes de transformar a covid de uma doença ameaçadora em algo mais brando. Alguns deles, quando prescritos nos primeiros dias após o diagnóstico, conseguem prevenir a hospitalização em cerca de 70 a 80% dos pacientes que têm mais risco de desenvolver quadros graves”, continua.

“Esses antivirais reduzem o tempo de hospitalização e a necessidade da UTI, o que significa uma economia importante para todo o sistema de saúde”, analisa o médico e pesquisador Luciano Cesar Azevedo, professor de emergências da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Apenas Remdesivir está aprovado no Brasil

Por ora, o único deles que está liberado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é o remdesivir. Apesar de estar aprovado no país, o uso do remdesivir, na prática, é bem restrito: em 2021, o tratamento foi avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão do Ministério da Saúde que define quais novidades (remédios, exames, aparelhos…) serão comprados e distribuídos na rede pública do Brasil.

À época, a decisão foi a de não incorporar esse medicamento no SUS. Embora já sejam aprovados e utilizados na prática em locais como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália, não existem perspectivas claras de quando o paxlovid ou o molnupiravir chegarão ao Brasil.

A Anvisa recebeu um pedido para liberação emergencial do molnupiravir, da MSD, em 26 de novembro e recentemente realizou reuniões com a Pfizer para colher informações sobre o paxlovid.

Procurada pela BBC News Brasil, a agência encaminhou um link de seu site oficial com informações dos tratamentos já aprovados contra a covid. Não há, porém, nenhuma menção aos dois antivirais ou quando eles podem ficar disponíveis no país na lista “medicamentos em análise” disponibilizada na página.

“Já temos esses fármacos em uso na União Europeia, no Reino Unido, nos Estados Unidos, no Canadá… Outro dia eu comentei que o brasileiro não tem acesso a nenhum dos tratamentos e um colega no Japão ficou chocado e disse que nem conseguia imaginar como isso era possível”, completa Letícia.

Saiba mais sobre os tratamentos

Usado por Donald Trump quando foi internado com Covid-19 em 2020, o Remdesivir é administrado em dose única, dada através de uma infusão intravenosa (na veia). Até o final do ano passado, o remédio da Gilead era oferecido aos pacientes numa fase mais avançada da doença. Mas os resultados obtidos eram questionáveis e existia até uma discordância sobre a indicação dele, com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos sugerindo o uso, enquanto a OMS não fazia essa mesma recomendação.

Entretanto, um estudo publicado em 22 de dezembro no periódico The New England Journal of Medicine revelou que a aplicação precoce desse antiviral, logo nos primeiros dias de covid, resultou num risco 87% menor de hospitalização ou morte entre pacientes de alto risco, como idosos, obesos ou portadores de doenças cardíacas e renais, em comparação com quem tomou placebo (substância sem nenhum efeito terapêutico).

Já os outros dois medicamentos – paxlovid e molnupiravir – têm como vantagem o fato de serem comprimidos, que podem ser tomados em casa, sem necessidade de ir até uma clínica de infusão ou um hospital. “Nos estudos, o paxlovid chegou a reduzir em mais de 70% as hospitalizações e os óbitos nas populações vulneráveis à covid”, calcula o médico José David Urbaez Brito, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia do Distrito Federal.

Só para pacientes com maior risco

Há três detalhes importantes no uso desses antivirais. O primeiro é que eles devem ser prescritos logo no início da infecção, de preferência nos primeiros cinco dias. Segundo, só faz sentido dar essas medicações para aqueles pacientes com maior risco de desenvolver as complicações da doença, como idosos, obesos e portadores de doenças pulmonares, cardíacas e renais. Nos demais indivíduos, a tendência da covid-19 é evoluir sem a necessidade de grandes intervenções farmacológicas.

Terceiro, os dois tratamentos precisam ser disponibilizados por um preço razoável de nada adianta eles serem aprovados e custarem milhares de reais, o que impede o acesso à maioria das pessoas. Para que um medicamento seja incorporado ao SUS, a relação custo-benefício precisa ser favorável. “Ou seja, eles não podem chegar no Brasil com um preço exorbitante, porque isso pode anular o benefício de evitar internações e todos os custos humanos e financeiros disso”, afirma que também atua no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista.

Anticorpos monoclonais: uso é precoce, mas preço dificulta acesso

“Esses medicamentos costumam agir contra a proteína spike, estrutura que fica na superfície do coronavírus e se liga aos receptores de nossas células para dar início à infecção”, explica Azevedo. “Os anticorpos monoclonais ‘grudam’ nessa proteína e ativam a resposta imune para remover o vírus do organismo”, completa o médico.

Até o momento, quatro fármacos dessa classe foram aprovados pela Anvisa: regdanvimabe (da farmacêutica Celltrion Healthcare), casirivimabe/imbevimabe (Regeneron/Roche), sotrovimabe (GSK) e banlanivimabe/etesevimabe (Eli Lilly). O tempo é um fator chave para o sucesso dessas terapias.

“Falamos de medicamentos indicados para pacientes de alto risco, mas que ainda estão numa fase precoce e sem complicações da covid, e não foram hospitalizados”, pontua Azevedo. Esses remédios são aplicados em ambiente hospitalar, por meio de infusões venosas.

O problema, mais uma vez, está no acesso. Azevedo, que trabalha em dois dos maiores hospitais da América Latina, diz que nunca conseguiu prescrever esses fármacos para pacientes com covid. “A disponibilidade é muito baixa e limitada. É raro ver essas drogas sendo usadas na prática”, aponta.

Da BBC Brasil

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