Desde seu lançamento na Netflix, a produção britânica Adolescência tem suscitado discussões sobre os desafios da juventude contemporânea. Com 24,3 milhões de visualizações somente nos primeiros quatro dias de estreia, a série apresenta a história de Jamie (Owen Cooper), um adolescente de 13 anos acusado de matar uma colega de classe. Só no Tiktok Brasil a hashtag ‘adolescência’ alcançou em menos de 10 dias 182,7 mil citações, o que mostra como o assunto reverberou no país.

Esse sucesso se dá pelo fato do drama psicológico evidenciar questões sociais extremamente atuais como a masculinidade tóxica e o impacto das redes sociais na formação da identidade dos jovens. Fato que é visto como positivo pela psicanalista e filósofa Ana Matos, e autora do livro ‘O Caminho para o Inevitável Encontro Consigo Mesmo’.

série toca em um ponto central da dinâmica social: a construção de um ideal de masculinidade que desconsidera a complexidade emocional dos meninos, em uma dinâmica que os desumaniza”, aponta.

A profissional de saúde mental também destaca que a imposição de um modelo baseado na força e na supressão emocional resulta em padrões de comportamento que, muitas vezes, se traduzem em violência. “Não existe uma sociedade do afeto; estamos desestruturados, sem diálogo eficaz entre escola, família e outras instituições“, analisa.

Cultura do mais forte

Essa realidade se reflete nos números. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que cerca de 23% dos estudantes brasileiros do ensino fundamental já sofreram bullying. O fenômeno, longe de ser um problema isolado, está diretamente ligado a padrões culturais que reforçam a agressividade como expressão da identidade masculina.

O bullying não nasce na escola. Ele é um sintoma de uma estrutura social que ensina os meninos a responderem com violência quando se sentem inseguros”, observa a psicanalista.

Outro ponto abordado na série é a alienação emocional dos personagens masculinos, que enfrentam dificuldades para expressar sentimentos e construir relações saudáveis. Para Ana Matos, essa limitação imposta desde a infância tem repercussões diretas na saúde mental dos jovens.

O sofrimento psíquico dos meninos é frequentemente ignorado ou minimizado. Eles são ensinados a silenciar suas emoções, a resolver conflitos na base da força. Essa dinâmica perpetua um ciclo de angústia e frustração que pode culminar em transtornos como ansiedade e depressão“, pontua.

Poder do digital na formação da personalidade

A influência das redes sociais também se insere nesse contexto, amplificando dinâmicas de exclusão e reforçando estereótipos nocivos. A exposição digital intensifica a necessidade de validação externa, tornando a imagem pública mais importante do que o bem-estar emocional.

A internet cria um espaço onde a competitividade e a busca incessante por aprovação substituem o autoconhecimento. Isso gera uma identidade frágil, moldada por expectativas irreais”, pontua a psicanalista.

O papel da família e da escola na construção de um ambiente seguro

Diante desse panorama, Adolescência se estabelece como uma reflexão crítica sobre os desafios da juventude. Mais do que um drama, a série expõe as falhas estruturais de um modelo social que negligencia a complexidade emocional dos meninos e perpetua comportamentos destrutivos.

É necessário repensar como educamos nossas crianças, sobretudo os meninos, para que possam desenvolver relações mais saudáveis consigo mesmos e com os outros“, conclui Matos.

Para que essa mudança ocorra, é essencial que os adolescentes se sintam em ambientes seguros para se expressarem, tanto em casa quanto na escola. “Precisamos fomentar espaços de diálogo aberto e escuta ativa, onde os meninos possam falar sobre seus sentimentos sem medo de serem julgados. Isso pode mudar completamente o desenvolvimento emocional e social dessas crianças”, finaliza a psicanalista.

 

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