Olá, leitores e leitoras. Neste domingo, gostaria de tratar de um assunto que todos tentamos evitar, mas que nos atinge de alguma forma: a solidão dos idosos, dos doentes e a nossa própria finitude. E todos os idosos, de alguma forma, apresentam alguns males ou limitações. Ou ainda ambos. Esquecidos muitas vezes por toda a sociedade, pelos próprios familiares e até por eles mesmos, que optam por se tornarem transparentes, silenciosos e tristes, para não atrapalhar a família, desculpar o descaso e, muitas das vezes, o desprezo, dos filhos.
Só que a tendência é que vivamos cada vez mais e, em consequência, fiquemos cada vez mais velhos. E o IBGE que afirma. Não eu. Segundo a instituição, o Brasil tem 20,6 milhões de idosos (pessoas acima de 60 anos). Número que representa 10,8% da população total. A expectativa é que, em 2060, o país tenha 58,4 milhões de pessoas idosas (26,7% do total). A maioria delas vive nas grandes cidades brasileiras. Esta nossa conversa é, então, oportuna.
Uma política social a favor dos idosos foi a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, em 2003, a fim de assegurar a proteção ao idoso, entre outras garantias. A Uerj tem a Unati*, a Universidade da Terceira Idade, que oferece atividades de cultura e lazer aos idosos desde 1993. Neste domingo (8), é lembrado o Dia Mundial de Combate ao Câncer, uma doença que tende a se expandir em nosso país com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros. Então, que tal refletirmos sobre o bem-estar do idoso, fazendo um exercício de nos colocar no lugar de um velho, exercitar a empatia?
Por isso, escolhemos indicar um livro que diz muito: ‘A Solidão dos Moribundos’, do sociólogo Norbert Elias (foto). Numa linguagem direta e simples, o autor nos faz sentir como seria e como será (porque a velhice é o futuro de todos nós, se não morrermos cedo) o processo de envelhecimento. O objetivo? Dar valor e cuidar da própria saúde. Mas, sobretudo, lidar de forma respeitosa e saudável com os idosos.
Envelhecer e morrer
O livro contém dois ensaios: o que dá título à própria obra e um outro, denominado ‘Envelhecer e Morrer’, originalmente uma conferência proferida por Elias em um congresso médico na década de 80. Disse ele:
Quero complementar o diagnóstico médico tradicional com o diagnóstico sociológico, centrado no perigo do isolamento a que velhos e moribundos estão expostos” (Norbert Elias, em ‘Envelhecer e Morrer’)
O autor volta à Idade Média e retorna até nossos dias, analisando como e o que a civilização e seus civilizados fazem com seus mortos — de fato — e com os que, embora vivos, mortos estão: os moribundos. E com os velhos, moribundos também eles, da atenção dos jovens.
Rituais
A morte, escreveu Elias, “é um aspecto da civilização: rituais, crença no sobrenatural atenuam o medo que vivos têm da morte e os fazem acreditar que a vida pode ser eterna se todos os rituais para o morto forem cumpridos.”
No decorrer do tempo, tem-se tentado afugentar para longe a morte, pelo processo civilizador pelo qual passamos todos. Quanto mais desenvolvidos países e cidades, quanto mais civilizados, passam a oferecer a seus cidadãos mais pacificação e segurança. Controlam-se as paixões civilizadamente: mais proteção, mais pacificação, menos fome, mais medicação. Adoece-se menos, morre-se mais tarde porque se vive mais tempo, contrariamente ao que ocorria com os cavalheiros do século XIII, por exemplo. Ora, um cavalheiro do século XIII, aos 40 anos, era visto quase como um velho. Isto se ele sobrevivesse até essa idade.
Pois é. Mas a morte vem deixando de ser corriqueira com o aumento da expectativa de vida. As pestes deixam de empilhar corpos pelas ruas e os mortos tornam-se menos visíveis. A morte fica recalcada e fica mais fácil esquecê-la. “O processo civilizador empurra a morte para os bastidores da vida social mais e mais”, afirma Elias em seu livro.
E assim também são empurrados os quase-mortos ou os mortos em vida: os moribundos e/ou velhos. Eles são isolados, removidos da vida social pública. As relações de poder recalcadas em nós pelo processo civilizador associam ao moribundo e ao velho sentimentos como vergonha, repugnância e embaraço, pois eles estão a nos lembrar todo o tempo, com suas figuras doentes, da morte, a morte que civilizadamente viemos tentando afastar.
Esquecidos e silenciados
Abandonados ainda em vida pela família, órfãos dos próprios filhos, aos velhos e doentes destinam-se, muitas das vezes, poucas palavras. O rol vocabular trocado com eles é exíguo. O silêncio, o cochilo constante, a confusão mental ao acordar, comportamentos que chegam com a velhice e que são motivos de riso. Vivos e mudos porque deixam de opinar porque deixamos de lhes perguntar sobre o mundo, a vida, um problema.
Esquecidos e silenciados. Mortos em vida e a solidão os assombra porque a civilização (nós, parte ineradável dela) configurou a morte como um espetáculo de profundo mau-gosto, pelo medo que temos de morrer, de putrefazer e acabar e de envelhecer. Temos medo da morte e dos velhos que matamos em vida. Sim. O velho — o moribundo de quase todos os tempos, mas sobretudo do nosso — por não estar mais normal e produtivo na e para a sociedade.
Suas pernas doem, não mais obedecem à rapidez necessária do desenvolvimento e da rapidez das tecnologias, das engenhocas eletrônicas. Além da crueldade, zombaria, extrema dependência do outro que por repetidas vezes enfrentam. Moribundos de seus próprios corpos.
Um desvio
A velhice, vaticinou Norbert Elias, “é um desvio”. O poder das pessoas muda radicalmente quando envelhecem: o processo de envelhecer produz uma mudança fundamental na posição de uma pessoa na sociedade. O autor não tem qualquer pudor em nos deixar desconfortáveis como futuros velhos que provavelmente seremos, abordando temas espinhosos, mas necessários, tratando da solidão, do isolamento, da invisibilidade e da dor destes que se vêem excluídos do mundo dos demais humanos Sua existência perdeu todo o significado e sem significado, só há rupturas.
Que tal, a partir das cruas constatações de Norbert Elias, tentarmos escrever uma outra história para nós e nossos velhos? Bom início de semana.
Sobre o autor
De família judia, o médico e sociólogo alemão Norbert Elias (1897 – 1990) teve de fugir da Alemanha nazista e se exilar na França. Depois seguiu para a Grã Bretanha, onde lecionou Sociologia. Analisou principalmente estilos de vida individuais. O reconhecimento de sua obra chegou quando Norbert Elias contava com 70 anos.
Serviço:
A Solidão dos Moribundos
R$: 44,90
112 páginas
Editora Zahar
*A Unati funciona no bloco F, 10º andar, da Uerj – Rua São Francisco Xavier, 524 – Maracanã. Telefone: 2569-0963.