A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a dependência de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, como uma doença e um desafio de saúde pública, que deve demandar, cada vez mais, a atenção de todos os países, inclusive no Brasil. Segundo a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), o abuso de álcool e drogas contribui para mais de 300 mil mortes por ano nas Américas.
De acordo com dados do Sistema de informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mais de 11 mil mortes anuais no país foram relacionadas a transtornos mentais e comportamentais em decorrência do uso de álcool e outras drogas.
Apesar dos riscos, dados do estudo Álcool e a Saúde dos Brasileiros – Panorama 2023, realizado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), apontam que 75% das pessoas que consomem abusivamente álcool no Brasil acreditam estar dentro da categoria “bebo com moderação”.
Para dar visibilidade a esses indicadores e combater o consumo nocivo do álcool, é celebrado em 20 de fevereiro, o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo, que alerta sobre os riscos à saúde e à vida que o consumo dessas substâncias pode causar. A data é uma importante oportunidade para conscientizar a população sobre os perigos do uso abusivo de substâncias psicoativas e um estímulo à busca de uma sociedade mais saudável.
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Uso de álcool em excesso leva a mais de 200 problemas de saúde
O consumo excessivo de álcool e outras drogas pode causar danos à saúde física e mental, com problemas a curto e longo prazo, além de efeitos irreversíveis. Dados apontam que o abuso está associado a mais de 200 problemas de saúde, alguns deles muito graves e que podem reduzir significativamente a expectativa de vida, como problemas cardiovasculares (infarto e AVC, principalmente), câncer, tuberculose, cirrosse e outras doenças hepáticas, além de transtornos de saúde mental.
Para Amanda Mineiro, nutricionista da Alice, plano de saúde para empresas, existem consequências imediatas ao consumo, mas algumas doenças podem surgir com o uso contínuo.
“Desde a primeira dose, já podemos ter consequências, como desidratação, perda de sono e apetite, variação de humor, dores de cabeça, aumento dos batimentos cardíacos e alterações gastrointestinais. Mas o uso contínuo pode desencadear doenças, como a esteatose hepática – conhecida como “gordura no fígado” – gastrite, deficiências vitamínicas e alguns tipos de câncer”, explica Mineiro.
A nutricionista ainda reforça que o álcool é capaz de causar outros prejuízos mentais e sociais. “O álcool é considerado tóxico, psicoativo e gera dependência. Ele é classificado como uma substância carcinogênica do grupo 1 – o maior grupo de risco da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, ao lado do amianto, radiação e o tabaco”, comenta.
Efeitos do álcool e drogas na saúde mental e na vida social
Tanto álcool quando outras drogas geram dependência e fazem com que o organismo crie uma tolerância, levando a um consumo cada vez maior para se sentir o mesmo efeito. Mas essas doses, cada vez maiores, podem levar o corpo a um estado limite, onde todos os órgãos e o cérebro começam a ter seu funcionamento afetado.
Para o psiquiatra Ivan Piazarolo Ho, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, apesar de todos os avanços na Saúde, ainda há estigmas ao falar de saúde mental, o que afasta a população de fontes confiáveis de informação além de interferir nas chances de tratamento e reabilitação.
Segundo ele, o uso de substâncias psicoativas, lícitas, como álcool e tabaco, ou ilícitas e sintéticas, expõe o usuário a diversos riscos como a perda do controle de uso delas, com impactos em trabalho, estudo, finanças, relacionamentos interpessoais. O médico faz um alerta para o consumo cada vez maior de drogas e álcool entre os jovens.
“A população jovem é muito vulnerável ao uso dessas substâncias psicoativas por estar num momento em que não terminou o amadurecimento do corpo bem como uma das mais afetadas pelos transtornos associados ao uso dessas substâncias”, afirma.
“A prevenção, o diálogo aberto e o acesso a serviços de tratamento são prioridades no enfrentamento desse grave problema”, afirma o especialista.
O caminho que o álcool percorre no organismo
Carlos Alberto, médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24h Zona Leste, em Santos (SP), gerenciada pela entidade filantrópica Pró-Saúde, explica que, por trás da expansão e euforia que essas bebidas podem proporcionar, há um caminho longo que o álcool percorre no organismo.
“Quando absorvido pelo estômago, o álcool circula por outros órgãos por meio da corrente sanguínea, afetando o cérebro e todo o sistema nervoso central, o que causa a diminuição dos reflexos e alterações de humor à curto prazo”, destaca o especialista.
Além da ressaca e outros sintomas relacionados, a frequente ingestão em excesso do álcool irrita as mucosas do estômago, causando alteração nas enzimas do fígado, irritando-o também. Por isso, quem bebe exageradamente está sujeito a desenvolver algumas complicações:
Cirrose: doença crônica no fígado decorrente de lesões e processos inflamatórios persistentes causadas pela bebida;
Gastrite: inflamação nas paredes do estômago causadas pela irritação das mucosas do órgão;
Hepatite alcoólica: é a inflamação do fígado ocasionada pela concentração de substâncias tóxicas da bebida que prejudicam o funcionamento do fígado com o passar do tempo;
Pressão alta e doenças cardíacas: o consumo excessivo do álcool prejudica o controle da pressão arterial, podendo levar à hipertensão, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC).
Relação com as doenças psiquiátricas
Além disso, o uso excessivo da bebida alcoólica pode trazer desequilíbrio mental e corporal, como impulsividade, agressividade, intoxicação e problemas circulatórios. “O álcool em excesso também pode provocar a baixa do sistema imunológico, deixando a pessoa que for contaminada mais suscetível a diversas doenças, como por exemplo, a Covid-19”, exemplifica o médico.
Outra questão importante é a relação do alcoolismo e algumas doenças psiquiátricas. “Estudos demonstram que pessoas com essas comorbidades apresentam, por exemplo, maiores taxas de suicídio e recaídas. São casos que demandam uma avaliação minuciosa, já que os efeitos do álcool interferem no diagnóstico”, enfatiza Carlos Alberto.
O álcool é usado com frequência para socialização e, por alguns, para lidar com emoções difíceis. De acordo com o Ministério da Saúde, à medida que as taxas de ansiedade, medo e depressão se tornaram mais comuns durante a pandemia, o consumo de álcool também aumentou.
Aumento de 23% no número de usuários de drogas no mundo
O Relatório Mundial sobre Drogas de 2023, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), indica que a oferta de drogas ilícitas tem atingido níveis sem precedentes, e que as redes de tráfico estão cada vez mais ágeis, o que agrava problemas de saúde em todo o mundo.
A estimativa do órgão é que, globalmente, mais de 296 milhões de pessoas usaram drogas, em 2021, um aumento de 23% em relação à década anterior. Enquanto isso, o número de pessoas que sofrem de transtornos associados ao uso de drogas subiu para 39,5 milhões, um aumento de 45% em 10 anos.
Países como os Estados têm lidado com usuários de opióides sintéticos como o fentanil, substância aproximadamente 100 vezes mais potente que a morfina e 50 vezes mais potente que a heroína como analgésico. Uma dose de 2mg, menor que a ponta de um lápis, é suficiente para matar um adulto.
No Brasil enfrenta a entrada dos chamados canabinóides sintéticos, popularmente chamados de maconha sintética ou K2/K9, em que o uso de pequenas doses é suficiente para gerar adicção, ou o transtorno grave de uso de substância, em que o usuário já não tem controle sobre o uso dessa substância e dos impactos causados em sua vida.
É possível ter um consumo consciente?
De acordo com a especialista, devido à alta capacidade de gerar dependência em nosso organismo, não existem doses seguras para essas substâncias. É crucial, antes de qualquer coisa, compreender as motivações por trás do desejo de uso, além de observar as ocasiões, a frequência e a quantidade normalmente consumida.
Uma reflexão importante é: seria possível experimentar as mesmas sensações ou frequentar os mesmos lugares sem recorrer ao consumo dessas substâncias? Se a resposta for negativa, isso já sinaliza um alerta para o possível desenvolvimento de vício e dependência.
Um outro exemplo dado pela nutricionista é o da famosa taça de vinho no jantar para relaxar. “Se a pessoa não é capaz de conseguir relaxar sem a taça de vinho, já existe uma relação de dependência, ainda que o consumo seja relativamente baixo. Se a pessoa não consegue festejar e aproveitar um evento sem consumir essas substâncias, é um ponto de atenção”.
Nesse mesmo sentido, algumas drogas frequentemente associadas a períodos festivos, como o lança-perfume, podem causar perda do nível de consciência, convulsões e até paradas cardíacas. A longo prazo, podem causar danos neurológicos irreversíveis.
“Não existem consequências positivas. O uso contínuo e excessivo é um prejuízo para a saúde física e mental. O importante é sempre ter consciência e zelar para que a sua saúde esteja sempre em primeiro lugar”, explica Mineiro.
Como identificar o vício
Ao notar sinais de perigo, mesmo que ainda pequenos e iniciais, é neste momento que se deve buscar ajuda médica. Só assim será possível mapear os gatilhos de consumo, trabalhar ferramentas que auxiliem a substituir o uso da substância indicada e, se necessário, adicionar o uso de medicamentos para o controle de impulsos.
“O vício pode ser identificado quando há o exagero, ou seja, a transformação do ato de beber em uma compulsão, que passa a ser um ponto central da rotina do indivíduo. O alcoólatra enfrenta doenças graves e problemas de convivência que afetam sua vida familiar, relações sociais e atividades profissionais”, alerta o médico.
Para a nutricionista, é fundamental buscar a orientação de um profissional qualificado ao lidar com questões relacionadas ao consumo de substâncias. “Em muitos casos, recomenda-se a consulta a um psiquiatra, dada sua expertise na avaliação desses padrões de consumo e na identificação de possíveis soluções para cada situação específica”, destaca.
TESTE – Para identificar situações de risco, responda as perguntas abaixo:
1. Já sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida?
2. Já se sentiu irritado(a) quando criticaram sua bebida?
3. Sentiu-se mal ou culpado a respeito do seu consumo de bebida?
4. Já tomou bebida alcóolica pela manhã para “aquecer” os nervos ou para se livrar de uma ressaca?
Caso você tenha dito sim para a maioria delas, procure ajuda profissional, seja em Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), na rede pública, ou Casas de Apoio e grupos terapêuticos.
Opções de tratamento gratuito
O grupo de ajuda mútua é referência no apoio ao alcoólatra que quer parar de beber. Ninguém paga nada para participar de uma reunião e um dos grandes princípios é o sigilo. Presente no Brasil há 80 anos, o Alcoólicos Anônimos possui reuniões em quase todas as cidades do Brasil.
CAPS – AD
Os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas são unidades de saúde feitas para atender gratuitamente quem precisa tratar o alcoolismo. O acompanhamento é realizado através de médicos, psicólogos e terapeutas. Também há abertura para a participação da família.
Quando o alcoólatra mora em uma cidade que não tem o CAPS – AD, pode procurar um CAPS tradicional (que cuida da saúde mental) ou uma unidade básica de saúde de seu município para fazer o tratamento. Se houver necessidade de internação, é o próprio CAPS que faz a solicitação e encaminha o paciente para alguma das instituições associadas.
Com Assessorias