Por Alana Rox
Nos últimos tempos, alguns veículos tentam decretar o “fracasso do veganismo” olhando apenas para a estagnação de certas marcas de produtos à base de plantas, ou para a queda de ações de empresas como a Beyond Meat. Esse raciocínio é superficial, insistir em diminuir o veganismo revela miopia estratégica. Em um mundo pressionado por crises ambientais, sanitárias e sociais, criticar um movimento que propõe soluções éticas e sustentáveis é contraproducente, é dar às costas ao futuro.
O veganismo não é uma moda de mercado, é um movimento ético que existe para eliminar a exploração animal. É sobre os bilhões de seres que sofrem e morrem todos os dias — algo que não aparece nas campanhas publicitárias bilionárias da indústria da carne, que seguem maquiando a violência como “tradição” e “prazer”.
Quando reduzem a discussão a preço e sabor, esquecem de dizer que a carne só parece barata porque é altamente subsidiada com incentivos fiscais e linhas de crédito. Já as pequenas empresas veganas, que inovam com alimentos mais saudáveis e sustentáveis, pagam altos impostos e enfrentam enorme dificuldade de competir. O consumidor não escolhe “livremente”: o jogo já vem programado para favorecer os gigantes da exploração.
Ainda assim, o mercado plant-based cresceu muito na última década – como lembra Gustavo Guadagnini, presidente do The Good Food Institute Brasil:
“O setor de proteínas alternativas cresceu muito nos últimos cinco anos e já se consolidou como uma categoria maior do que outras que levaram décadas para se estabelecer. Embora interpretem o momento atual como uma crise, é natural que haja uma redução no número de empresas, porque esse é o comportamento típico do mercado de alimentos. O desafio agora é manter os pés no chão, sem cair em expectativas irreais do mercado financeiro, e focar no que realmente importa: desenvolver produtos melhores e mais baratos, criando propostas de valor robustas para o consumidor, que vão além da ideia de consumo consciente.”
O que houve foi frustração de investidores com produtos de má gestão e pouco investimento em ciência e tecnologia. O próximo ciclo de crescimento só vai acontecer com produtos melhores, mais acessíveis e mais nutritivos. E isso já está em curso.
Como o próprio Guadagnini reforça:
“Uma parcela muito pequena das pessoas escolhe o que come pensando em meio ambiente ou em causas éticas. Esses fatores importam, mas o consumidor precisa enxergar valor direto para a sua vida. Hoje o setor ainda se apresenta apenas como plant-based, quando na verdade precisa oferecer soluções práticas: produtos que resolvam problemas do dia a dia e, ao mesmo tempo, entreguem benefícios ambientais e de saúde.”
Além disso, os dados de sustentabilidade do setor são claros e confirmados. Qualquer notícia que tente relativizar esse impacto está distorcendo a realidade. O Banco Mundial publicou em 2024 que as proteínas alternativas são a segunda maior intervenção climática nos sistemas alimentares, com enorme potencial de mitigação de emissões.
E não é só clima: proteínas alternativas já estão em planos estratégicos de segurança alimentar de vários países. A União Europeia, por exemplo, reforçou agora em setembro de 2025 que a produção dessas proteínas é fundamental para garantir o futuro da alimentação.
Outro ponto raramente discutido: a ligação entre a indústria alimentícia exploradora e a indústria farmacêutica.
Alimentos de origem animal de baixo custo, produzidos em escala e altamente processados, estão diretamente associados a doenças crônicas como diabetes tipo 2, hipertensão, obesidade, câncer de cólon, problemas cardiovasculares e inflamações silenciosas.
Essas doenças movimentam a indústria farmacêutica em trilhões de dólares anuais em medicamentos de uso contínuo.
Ou seja, existe uma engrenagem onde a indústria alimentícia barata alimenta a doença, e a indústria farmacêutica mantém o ciclo oferecendo paliativos, sem atacar a raiz do problema: a dieta baseada em produtos de origem animal.
O desafio continua sendo social: viajar, sair ou socializar em ambientes sem opções enfraquece pessoas veganas, que precisam de comunidade, pertencimento e apoio para sustentar suas escolhas. A pesquisa Datafolha mostrou que 7% dos brasileiros já se sente pertencente ao mundo vegano. Como lembra Mônica Buava, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira:
“Em toda mudança profunda, é natural que algumas pessoas encontrem dificuldades no caminho — isso não diminui nem abala o movimento. Pelo contrário: nos convida a olhar para essas dores com empatia e a pensar em estratégias para acolher e apoiar quem deseja permanecer nessa escolha. A SVB está à disposição para fortalecer essa rede de cuidado e esperança, lembrando sempre que o veganismo é um caminho de compaixão, justiça e futuro.”
Organizações da sociedade civil também têm papel decisivo. No Brasil, a Mercy For Animals atua diretamente em políticas públicas, garantindo que governos considerem o impacto da alimentação sobre o clima, a saúde e o bem-estar animal. Como explica Thamara Falco, diretora de Comunicação e Marketing da MFA:
“Nosso diálogo com gestores municipais e federais é constante. O Alimentação Consciente Brasil, por exemplo, contribui para a inclusão de cardápios com mais opções à base de vegetais em mais de 700 escolas públicas em todo o país. O programa, que já impactou a alimentação de mais de 300 mil alunos desde 2018, é parceiro de prefeituras em cidades como Niterói, Salvador, Caruaru e Belém. Também atuamos junto ao governo defendendo critérios de sustentabilidade em compras públicas e abrindo espaço para que o poder público reconheça a urgência de diversificar as fontes de proteína no país. Trata-se de um trabalho de base e de longo prazo, que amplia as condições para que escolhas mais justas e sustentáveis deixem de ser exceção e passem a ser estruturantes das políticas nacionais de alimentação.”
O veganismo não perdeu. Ele amadureceu. Saiu do hype especulativo e voltou para onde sempre pertenceu: na mesa das pessoas comuns, nas cozinhas de casa, nas comunidades conscientes. O próximo ciclo já começou, e ele será mais sólido: com ciência, tecnologia, sabor, sustentabilidade, saúde e, sobretudo, justiça para os animais.
Os produtos e a indústria vegana ainda têm um caminho longo pela frente. É preciso avançar em tecnologia, conquistar mais espaço de mercado, tornar os preços mais competitivos e elevar a qualidade constantemente.
No entanto, o mais urgente mesmo é a necessidade de evoluir a consciência das pessoas. Pois de nada adianta termos os melhores produtos disponíveis se a maioria ainda estiver presa a hábitos e crenças antigas, sem enxergar que mudar a alimentação é literalmente melhorar o mundo.
O veganismo não é moda passageira, nem estatística de mercado: é um movimento que toca a vida em todas as suas dimensões — ética, ambiental, social e de saúde. Enquanto a indústria da carne sustenta sua narrativa com subsídios bilionários e campanhas publicitárias que maquiam a violência, o veganismo amadurece e resiste. Cresce nas cozinhas, nas escolas, nas políticas públicas e na consciência coletiva. É sobre o impacto que geramos ao escolher o que colocamos no prato. Porque mudar a alimentação é também mudar o futuro da vida no Planeta.



