O uso de substâncias pelos pais está associado a abusos infantis, maus-tratos e negligência familiar. É o que revela estudo conduzido pela psiquiatra e brasileira Alessandra Diehl, especialista em dependência química e vice-presidente da Associação Brasiliera de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), que foi publicado no Jornal of Child Care, no início de maio de 2020. Resultados da amostragem revelaram que 30% dos participantes tinham pais que usavam substâncias e negligenciavam os cuidados familiares.
As evidências seguem o que preconiza a literatura sobre essa questão e também sugerem que os impactos diretos e indiretos da pobreza interagem de maneiras complexas com outros fatores que afetam os pais e aumentam o risco de abuso sexual e negligência em lares brasileiros.
O artigo publicado pelos pesquisadores brasileiros vai ao encontro do Relatório Mundial sobre Prevenção à Violência da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2014 que aponta o papel preponderante que o uso de substâncias desempenha em todas as formas de abuso, maus-tratos e negligência familiar.
De acordo com o documento elaborado pela entidade, crianças que sofrem rejeição, negligência, punição corporal severa e abuso sexual – ou que testemunham violência em casa ou na comunidade – correm maior risco de se envolver em comportamentos agressivos e comportamento anti-social em estágios posteriores de desenvolvimento, incluindo comportamentos violentos na idade adulta.
Outros estudos científicos já demonstraram que famílias excluídas socialmente são vulneráveis a problemas relacionados a transtornos relacionados ao uso de substâncias. Neste contexto, crianças que têm pais vulneráveis a distúrbios relacionados a substâncias têm maior risco de desenvolver seus próprios problemas de saúde e dificuldades psicossociais”, atesta Alessandra.
Pesquisa foi feita com adolescentes em medida socioeducativa
O estudo “Os problemas emocionais e psiquiátricos de adolescentes em liberdade condicional cujos pais são usuários de substâncias: um estudo transversal brasileiro” ouviu 150 dos 239 adolescentes que, em 2018, estavam matriculados em um município no interior no estado de São Paulo em regime de liberdade condicional socioeducativa.
Essa é uma medida prevista pela Lei 8069/1990 no Brasil para os infratores que cometeram um crime, mas que ainda não atingiram a maioridade, permitindo que permaneçam na comunidade para cumprir sua sentença sob a supervisão de uma assistente social e uma autoridade designada pelo judiciário. Segundo Alessandra, é uma sentença socioeducativa não-custodial imposta pelos tribunais, destinada a ajudar os jovens a retomaram sua convivência com a comunidade de forma estável.
A coleta de dados foi realizada entre outubro de 2016 e abril de 2017. As entrevistas foram concedidas individualmente e em salas privadas e tiveram a duração de uma hora e meia. Os questionamentos foram conduzidos por um pesquisador experiente, treinado na aplicação dos instrumentos. A maioria dos participantes era do sexo masculino, de cor branca, com baixa escolaridade e vinham de famílias monoparentais com baixos níveis de escolaridade e renda familiar.
Segundo ela, essas características ajudam a identificar a associação entre a negligência dos pais em famílias vivendo em condições socioeconômicas baixas e o estímulo dos filhos a buscar nas ruas uma forma de sustento por meio de roubo e furto, por exemplo.
O perfil desse público desenhado por nosso estudo aponta para um grupo de adolescentes com fortes fatores de risco ambientais e psicossociais, tornando-os mais suscetíveis a problemas emocionais e psicológicos após serem expostos a múltiplas vulnerabilidades. Já havia sido realizado um teste piloto com 10 adolescentes que atendiam às medidas socioeducativas, o que permitiu padronizar os instrumentos para a população pesquisada”, esclarece a pesquisadora.
Projeto envolve estudantes de Direito e Pedagogia
Em Tijucas, desde 2005, o Projeto Ciranda, capitaneado por professores e alunos dos cursos de Direito e de Pedagogia do Campus da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Tijucas, promove oportunidades para que crianças da região possam comunicar-se sobre o tema tirando dúvidas e diminuindo resistências, anseios e dificuldades no trato da questão.
A iniciativa promove ações preventivas ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes por meio da conscientização e mobilização da sociedade civil, da realização de ações educativas junto às crianças, adolescentes e suas famílias e do assessoramento de programas de formação e acompanhamento de profissionais da educação, saúde e agentes comunitários.
Com as aulas em todo o Estado sendo realizadas de forma remota, por conta da pandemia de Covid-19, o grupo tem gravado vídeos que são compartilhados com alunos da rede municipal de ensino, em Tijucas.
Para a ajudar a esclarecer as principais dúvidas sobre o tema, a Universidade do Vale do Itajaí (Univali) encaminha, abaixo, contato de especialista que disponibilizou-se a atender a imprensa prestando esclarecimentos técnicos sobre o combate ao abuso e à exploração sexual infantil.
Documentário amplifica visibilidade do tema
Embora sejam muitas as iniciativas de entidades no enfrentamento do problema, o tema ainda é pouco difundido, sobretudo, no campo da Educação. Com o intuito de abrir mais diálogos sobre o assunto, estimulando o debate e apontando caminhos para a solução, a Umiharu – Produções Culturais e Cinematográficas, se debruçou sobre o tema e tem repercutido através do documentário Mundo Sem Porteira – Um alerta contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, optando por disponibilizar o material gratuitamente nos canais You Tube, Vimeo e VideoCamp, como forma de potencializar a disseminação do Filme e colaborar com a causa.
No ar há quase 1 ano, o documentário já é reconhecido internacionalmente, recebendo o Certificado de Excelência e de Melhor Fotografia no do 4º Indian World Film Festival, além de ser contemplado com a Menção Honrosa do Júri, no 8º Delhi Shorts International Film Festival, na Índia. Além do documentário, a cineasta Gisela Arantes, diretora e roteirista do Filme, lançou o Guia para Debate, juntamente com a Childhood Brasil, organização social que contribuiu também prestando consultoria técnica ao Filme.
“Nós acreditamos na força de programas sociais e educativos no enfrentamento desse e de outros problemas de violência que o nosso país possui. Embora a internet também tenha responsabilidade em reforçar e disseminar muitas vezes o abuso e a exploração, por outro lado, sabemos que é o grande veículo de informação e enfrentamento desse problema, dialogando com todos os públicos, sobretudo os jovens. E nesse sentido, o mediador tem um papel fundamental. Por isso, optamos por elaborar e disponibilizar o Guia para Debate, como uma ferramenta complementar ao Filme, dando acesso a formadores de opinião, educadores e todos interessados”, explica a cineasta.
Com Assessorias