Luís Miguel Macedo Rodrigues, a Michelly, de apenas 16 anos, era estudante e foi morta covardemente em Itaperuna, no interior do Estado do Rio de Janeiro, em julho de 2018. Um mês depois, o dançarino Mateus Felipe Santos da Cruz, de 21, era também violentamente executado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Ambos foram mortos a tiros em plena rua, à vista de outras pessoas, por homens que ocupavam motocicletas e já chegaram disparando.
Michelly e Mateus são vítimas de LGBTfobia e têm em comum a impunidade dos casos. Até hoje suas famílias lutam por Justiça e nenhum acusado foi preso ou responde pelos crimes. A memória deles e de outros 11 jovens e adolescentes assassinados brutalmente no Estado do Rio de Janeiro, porém, ficará marcada para sempre. Um ato realizado na Arena Dicró, na Penha, zona norte do Rio, celebrou com muita música, arte e vivências as histórias de 13 meninos e meninas que tiveram suas vidas interrompidas precocemente pela violência.
O evento “Tecendo memórias – Intervenções artísticas pela afirmação da vida” reuniu familiares e amigos das vítimas com objetivo de render homenagens a estes jovens e afirmar o direito à memória, a partir de intervenções artísticas, reforçando a potência dessas trajetórias interrompidas.
A programação aconteceu sob forte comoção em torno da morte de Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, ocorrida na véspera no Complexo do Alemão por um tiro de fuzil – a menina foi a quinta criança morta por bala perdida este ano no Rio e 57ª desde 2007, segundo a ONG Rio de Paz.
Este evento é muito importante porque dá força às famílias. É bom saber que a memória de nossos entes queridos não foi esquecida, não está morta. É um motivo para mostrar que os mortos têm voz e que juntos somos mais fortes”, disse Gisele dos Santos Costa Nascimento, irmã de Mateus.
A professora Patricia Macedo Rodrigues, mãe de Michelly – ou Miguel, como prefere chamar – não teve condições emocionais de estar presente, mas sua prima, a jornalista Rosayne Macedo, editora de VIDA & AÇÃO, a representou no ato. “Eu me sinto confortada de saber que a memória do meu filho não ficará em vão”, disse Patrícia, que sofre de depressão desde a morte de Michelly.
Bruna da Silva, 38, mãe de Marcus Vinicius, de 14 anos, morto com material e roupa da escola, com um tiro nas costas em Acari, fez um discurso emocionado durante o evento. “Vidas importam e a gente se importa. Temos que olhaar para a frente, mas sem deixar de olhar pra trás, para não esquecer o que foi feito com os nossos filhos”, clamou, ao lado de outras mães de vítimas de violência durante incursões policiais em comunidades. Na ocasião, foram entregues telas com pinturas que remetem a memórias, sonhos e fantasias desses jovens e adolescentes.
Pesquisa sobre casos violentos
Os casos fazem parte de uma pesquisa qualitativa, realizada pelo programa de Direito à Vida e Segurança Pública, do Observatório de Favelas, sobre homicídios de adolescentes e jovens na Região Metropolitana do Rio entre 2018 e 2019.
A pesquisa, que deverá ser concluída em novembro, visa compreender diferentes dinâmicas de homicídio (por intervenção policial, milícias, LGBTfobia e feminicídios) colocando em evidência questões raciais, de gênero, etárias e territoriais envolvidas na produção da violência letal. O estudo também inclui uma análise do papel do Estado neste processo.
Um dos focos centrais do projeto é dar visibilidade a casos de homicídio na adolescência e juventude, enfatizando especialmente memórias positivas que familiares e amigos possuem das vítimas, priorizando aspectos característicos de cada trajetória interrompida, expectativas e sonhos que os adolescentes possuíam antes de sofrer o homicídio.
Esse evento é para falarmos sobre afirmação de vida, toda vida importa, com uma perspectiva de direito à memória. É um evento que reforça pilares de pensar formas de acesso à justiça. A potência dos nossos jovens é importantes e eles nos ensinaram muitas coisas, como o funk, o futebol, a importância das plantas, da oralidade, do canto e da dança”, disse Aline Maia, pesquisadora do Observatório de Favelas.
A programação contou com apresentações de dança, música, poesia, exposições fotográficas, entre outras linguagens artísticas, e intervenções de familiares de vítimas na Arena Carioca Dicró, na Penha. A iniciativa teve parceria do Fórum Grita Baixada, Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense – RJ, Movimento Moleque, Redes da Maré – Somos Todos Maré, Casa Do Funk e apoio da Open Society Foundations