A hepatite é a segunda doença infecciosa que mais causa vítimas fatais no mundo – são 1,3 milhão de mortes anuais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).  No Brasil, as hepatites virais continuam sendo um grave problema de saúde pública, com destaque para os tipos A, B e C. Durante a campanha Julho Amarelo, as hepatites virais voltam ao centro do debate no mês dedicado à conscientização e ao combate dessas infecções silenciosas.

Entre 2020 e 2023, o Brasil registrou mais de 785 mil casos de hepatites virais, sendo 40,6% de hepatite C, 36,8% de hepatite B e 21,8% de hepatite A. As hepatites B e C são mais frequentemente associadas a infecções crônicas e representam uma importante causa de cirrose e câncer de fígado. A hepatite D ou Delta é mais frequente na região Norte e a hepatite E é a menos comum.

Transmissão entre homens que fazem sexo com outros homens

A hepatite A segue provocando surtos, sobretudo em homens que fazem sexo com outros homens. De acordo com o Ministério da Saúde, somente em 2023 foram notificados 2.080 casos de hepatite A no país – 90% em adultos, sendo quase 70% em homens. Em Curitiba, um surto registrado em 2024 somou mais 315 casos e cinco óbitos.

Um novo estudo brasileiro lança luz sobre um tema. Publicado no Journal of Medical Virology, investigou mais de 1.700 casos suspeitos de hepatite aguda em todas as regiões do país, no âmbito do projeto Proadi-SUS, coordenado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Ministério da Saúde.

O estudo identificou infecção ativa pelo vírus da hepatite A (HAV) em 6,3% dos casos analisados – 80% deles em homens jovens. Todos os casos genotipados pertenciam ao sub genótipo I.A, com cerca de 450 mutações identificadas, algumas inéditas e potencialmente capazes de influenciar o comportamento do vírus e a resposta à vacina.

Esses números deixam claro que a hepatite A não é mais restrita à infância.  A hepatite A é classicamente associada a saneamento básico, mas estamos vendo uma nova dinâmica, com transmissão sexual importante”, reforça João Renato Rebello Pinho, patologista clínico membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), e coordenador médico do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.

João Renato Rebello Pinho, patologista clínico membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), e coordenador médico do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein (Foto: Divulgação)

 

Nova estratégia amplia vacinação de adultos e alerta para prevenção e diagnóstico Essa mudança importante no perfil epidemiológico da hepatite A no Brasil levou o Ministério da Saúde (MS) a adotar uma nova estratégia de enfrentamento da doença: a ampliação da vacinação entre adultos, especialmente usuários da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), medicamento utilizado na prevenção ao HIV.

A medida vem após o aumento significativo da transmissão sexual entre homens, que já responde por uma fatia expressiva dos casos recentes. A meta é vacinar 80% dos mais de 120 mil usuários da PrEP no Brasil, com esquema de duas doses, a primeira para controle de surtos e a segunda para proteção duradoura.

A hepatite A é classicamente associada a saneamento básico e higiene pessoal, mas estamos diante de uma nova dinâmica, com transmissão sexual significativa. A ampliação da vacinação é acertada, mas é crucial que os médicos também solicitem exames sorológicos adequados, tanto para diagnóstico da infecção aguda quanto para avaliação da imunidade adquirida, seja por vacinação ou infecção prévia.”

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Relação entre saneamento básico e proteção contra o vírus

Os dados da pesquisa também reforçam a relação entre saneamento básico e proteção contra o vírus: enquanto a região Norte apresentou maior prevalência de anticorpos – reflexo de vacinação ou exposição prévia – a região Sul, com menores índices de imunidade, concentrou a maior parte das infecções ativas.

Nossa pesquisa mostra onde estão os maiores riscos e como podemos proteger essas pessoas. É fundamental que a sociedade e os gestores de saúde olhem para esses dados com responsabilidade. É preciso combinar a vacinação em massa com o uso criterioso dos exames laboratoriais para detectar casos ativos e avaliar a imunidade da população”.

Neste cenário, crescem as campanhas para vacinação e prevenção. Rebello lembra que a imunidade prévia ou vacinação atinge cerca de 78% da população analisada.

Mesmo com a vacinação alta, ainda encontramos surtos concentrados em grupos específicos. É um alerta para mantermos estratégias de vacinação mais eficazes e temos que reforçar campanhas de conscientização.

O risco de contaminação por hepatites atinge também pessoas que consomem peixes e frutos do mar crus, que utilizam drogas injetáveis compartilhadas, que não possuem o hábito de higienizar as mãos com frequência, podendo ser causada por vírus, bactérias, e até mesmo uso excessivo de medicamentos ou ingestão de álcool..

Exames laboratoriais para detecção e monitoramento da infecção

O desafio da infecção é a ausência de sintomas e sinais precoces da doença, o que dificulta o diagnóstico. Por isso, é crucial que a comunidade médica solicite sorologias e exames de rotina e discuta a imunização para prevenção das hepatites A e B.

O especialista da SBPC/ML reforça que, além da vacinação – fundamental para evitar surtos —, práticas de sexo seguro, saneamento básico e higiene pessoal continuam sendo pilares essenciais na prevenção da hepatite A e de outras hepatites virais. Também a vigilância contínua com exames laboratoriais é essencial para a detecção precoce da hepatite A, especialmente em quadros assintomáticos ou leves.

Como a maioria das infecções é silenciosa no início, a análise laboratorial detalhada permite não só identificar casos e conter surtos, mas também diferenciar hepatite A de outros tipos virais, o que é essencial para orientar o tratamento e evitar complicações”, esclarece.

Ele lembra que desde 2014, a vacina contra a hepatite A integra o calendário infantil no SUS, com dose única recomendada aos 15 meses de idade. Essa política levou à queda acentuada dos casos, mas a atual reemergência entre adultos evidencia a necessidade de estratégias complementares e vigilância ativa.

A hepatite é uma doença que pode ser evitada com vacina, higiene adequada e acesso à saneamento e água potável. Nossa experiência mostra onde estão os maiores riscos e como podemos proteger essas pessoas. É fundamental que a sociedade e os gestores de saúde olhem para esses dados com responsabilidade”, destaca Pinho, da SBPC/ML.

Segundo ele, é necessário que os exames para hepatite entrem na rotina médica, pois a doença é silenciosa, e quanto mais cedo se inicie o tratamento, mais chances de controlar os sintomas.

O diagnóstico da doença é feito por meio de exame de sangue, que detecta a presença de anticorpos contra o vírus no organismo. Tanto a hepatite B quanto a hepatite C têm tratamento se chegarem à fase crônica, evitando que a doença evolua para cirrose hepática e suas complicações, incluindo transplante hepático e câncer de fígado”, diz.

Conheça os testes para hepatites

Segundo o médico, no caso da hepatite B, testes para antígenos (HBsAg, HBeAg) e anticorpos (Anti-HBc IgM/IgG, Anti-HBs) são essenciais. Para a hepatite C, a triagem começa com o anti-HCV, seguido de teste de carga viral para confirmação de infecção ativa. E para o diagnóstico da hepatite A, o marcador principal é o anticorpo IgM anti-HAV, que indica infecção recente. Já o IgG anti-HAV mostra se há imunidade, seja por infecção passada ou vacinação.

Em situações de surto, esses testes são fundamentais para mapear rapidamente a situação e isolar casos ativos. Podemos saber se é infecção aguda ou crônica, bem como infecções ou vacinações prévias. Quando o resultado é reativo, indica a presença da infecção, e realiza-se a medição de carga viral, que é essencial para um diagnóstico definitivo”, orienta. “Combinando vacinação e diagnóstico laboratorial, podemos avançar rumo à meta de eliminação das hepatites como problema de saúde pública”, conclui o especialista.

  • Hepatite A:  É feito principalmente pela pesquisa do anticorpo IgM anti-HAV, marcador de infecção recente. “Para saber se há imunidade — seja por vacinação ou por infecção passada — o exame de IgG anti-HAV é o indicado. Nos casos de surtos, esses testes são fundamentais para mapear rapidamente a situação e isolar casos ativos”, ressalta João Renato.
  • Hepatite B: Testes para antígenos (HBsAg, HBeAg) e anticorpos (Anti-HBc IgM/IgG, Anti-HBe, Anti-HBs) ajudam a determinar o estágio da infecção e a resposta vacinal. A carga viral é usada para monitoramento e manejo clínico.
  • Hepatite C: A triagem começa com o anti-HCV; se positivo, a carga viral é fundamental para confirmar infecção ativa.

Fonte: SBPC/ML

 

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