Não há dúvidas de que manter uma alimentação saudável é essencial para a saúde do corpo e da mente. Além de prevenir doenças, uma dieta equilibrada melhora a qualidade de vida e a disposição. No entanto, quando a pessoa busca uma alimentação excessivamente saudável, isso pode sinalizar um transtorno alimentar.
Esse quadro – chamado de ortorexia nervosa – é caracterizado pela obsessão patológica por alimentos saudáveis, mas ainda não foi reconhecido oficialmente como um transtorno alimentar pelo DSM 5, o manual de diagnóstico de transtornos mentais feito pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), nem no manual de diagnósticos da Organização Mundial da Saúde, o CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) – veja mais aqui.
No entanto, especialistas apontam que a ortorexia nervosa pode causar prejuízos na interação social e uma restrição alimentar importante, além de afetar a saúde mental. Por conta disso, o Portal ViDA & Ação escolheu o tema para destacar neste Dia Mundial de Conscientização dos Transtornos Alimentares (2 de junho). A data ajuda a conscientizar e abrir o debate sobre a relação entre alimentação e saúde mental, muitas vezes tratada de modo preconceituoso, o que acaba piorando o problema em vez de ajudar quem necessita de atenção e cuidado.
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Ortorexia pode levar a estresse, isolamento e até desnutrição
O médico médico nutrólogo e geriatra Juliano Burckhardt, membro titular da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e da International Colleges for Advancement of Nutrology, explica que a prática da alimentação limpa e saudável apresenta inúmeras vantagens para a saúde geral.
“A alimentação limpa é benéfica ao reduzir a quantidade de gordura, sal, açúcar e aditivos químicos nos alimentos, o que pode ajudar a conter a epidemia de obesidade, diabetes, hipertensão, doenças malignas e demência senil. No entanto, tais benefícios são apenas uma parte a ser considerada”, ressalta. E faz um alerta: enfatizar demais a alimentação saudável pode levar ao estresse, isolamento social, espírito crítico, relacionamentos rompidos e até desnutrição.
“O diagnóstico emergente de ortorexia nervosa mostra como o conceito de comer comida de verdade pode ficar fora de controle nas mãos de uma pessoa que é obsessiva, insegura e tenta ganhar autoestima e controle sobre a vida por meio da adesão estrita às normas criadas por ela mesma. Uma adoração tão rígida de certos tipos de alimentos apenas como alimentos puros ou curativos é desnecessária”, explica.
De acordo com o especialista, uma alimentação saudável e realmente equilibrada é muito mais do isso. “Ela deve ser acompanhada de igual ou mais atenção aos relacionamentos, habilidades pessoais e desenvolvimento de talentos, crescimento emocional e espiritual, busca de hobbies e interesses, e um amor pela vida que abrange o que está legalmente disponível e compatível com o bem de cada um. Isso é fundamental para a saúde, bem-estar e longevidade”, finaliza.
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‘Não se trata de mero capricho da pessoa, mas de um sofrimento’
O psiquiatra Almir Marcelo, diretor médico da Casa de Saúde Saint Roman, no Rio de Janeiro, explica que entende-se como transtorno alimentar o desequilíbrio que existe ao fazer a ingestão de alimentos ou a recusa em querer comer.
“Essas alterações, de natureza psicológica, podem trazer muito impacto na saúde e acentuado sofrimento para quem convive com alguém assim. Somente encarando de frente o problema, aceitando que ele existe, que não se trata de mero capricho da pessoa, mas de um sofrimento que necessita ser tratado que vamos conseguir dar qualidade de vida e satisfação para todos”, ressalta o psiquiatra.
A psicanalista Andrea Ladislau – que colabora mensalmente para a seção ‘Palavra de Especialista’ do Portal ViDA & Ação – explica que os transtornos alimentares são uma condição grave de comportamentos persistentes que afetam de forma negativa a saúde do indivíduo, gerando emoções desconfortáveis, dificultando o convívio e o desenvolvimento das habilidades sociais.
Para tratar os transtornos alimentares, o ponto de partida está em verificar se essa conexão com os alimentos traz alguma dor ou prejuízo. Se a constatação for afirmativa, é bem possível que exista, um ou mais, distúrbios instalados impedindo o equilíbrio físico e mental.
Embora as compulsões estejam muito relacionadas à ansiedade e à depressão, é importante destacar que para se identificar o transtorno alimentar, os episódios devem ser recorrentes e não apenas uma eventualidade. Além disso, um mesmo paciente pode apresentar vários transtornos, uma vez que eles estão interligados.
“A comida ocupa o lugar da falta, servindo para preencher um vazio, amenizar vácuos inconscientes que nada têm a ver com a comida. Uma necessidade de saciar uma fome desperta por outros gatilhos, transferindo para a comida todas as emoções não gerenciadas”, explica a psicanalista.
Transtornos alimentares aumentam entre jovens
Ainda de acordo com Andrea Ladislau, os transtornos alimentares são desordens complexas, causadas e mantidas por diversos fatores sociais, psicológicos e biológicos, que figuram entre as patologias psiquiátricas e, nos últimos tempos, vêm apresentando maior crescimento em termos de incidência em toda população, especialmente jovens, trazendo prejuízos físicos, psíquicos, afetivos e sociais.
“Com a grande evolução tecnológica e o aumento no consumo das redes sociais, estamos observando uma valorização exacerbada dos padrões estéticos, resultando em muita pressão para se alcançar o corpo ideal. O que nos sinaliza que esses transtornos estão bastantes comuns”, pontua a psicanalista.
Andrea Ladislau também chama atenção para as dietas milagrosas, que prometem felicidade e sucesso imediato, levando o ser humano a verdadeiras atrocidades com o corpo e o emocional. No cenário de aumento da obesidade, tanto a anorexia quanto a bulimia, são “guerras declaradas à gordura corporal”. Essa alteração dos hábitos e dos comportamentos alimentares prejudica a saúde mental e física do indivíduo. A grande questão é que não se trata apenas de sofrimento do corpo, todo o psiquismo adoece quando um transtorno alimentar é identificado.
“O mais importante é identificar como está configurada a relação com a alimentação e tomar consciência do tipo de transtorno alimentar que possa estar se manifestando. Você não é o seu transtorno. Essa clareza emocional auxilia e muito o indivíduo na busca pelo sucesso do tratamento”, recomenda.
Entenda os principais tipos de transtornos alimentares
No mundo, cerca de 70 milhões de pessoas sofrem com os Transtornos Alimentares (TA) e atualmente apenas uma em 10 pessoas recebe tratamento adequado. São vários os transtornos alimentares, mas alguns são mais incidentes que outros. Conheça alguns dos principais, além da ortorexia nervosa:
Anorexia NERVOSA
É uma restrição alimentar severa, que leva a desnutrição e a perda importante do peso. Caracteriza-se pelo medo intenso de se engordar e, através da distorção da imagem corporal, o indivíduo não consegue, de forma alguma, se perceber emagrecida.
Bulimia
Na bulimia, ocorre a ingestão de grande quantidade de alimento com uma certa frequência, compulsivamente. E ao perder o controle e conscientizar-se deste fato, a pessoa tenta compensar o excesso ingerido através de vômitos auto induzidos, laxantes/diuréticos, jejum ou exercícios em excesso.
“Esta compulsão alimentar é seguida de comportamentos compensatórios, como vômito auto induzidos, uso de laxantes, diuréticos ou exercícios físicos excessivos”, explica o psiquiatra.
Compulsão
A compulsão alimentar é um tipo de transtorno bem semelhante à bulimia, porém, sem a compensação em vômitos. “Consiste em comer quantidades excepcionalmente grandes de alimentos e perder o controle sobre o comportamento alimentar”, explica o psiquiatra. É definida por episódios compulsivos que trazem desconforto físico pela quantidade ingerida, associado a um sentimento de culpa e vergonha.
Vigorexia
A psicanalista também cita como um transtorno cada vez mais frequente, junto com a Ortorexia Nervosa, a Vigorexia, um tipo de delírio emocional obsessivo pelo ganho de músculos a todo custo. “É acompanhado por uma alimentação restrita, muito específica, com intuito de auxiliar no aumento da massa muscular de maneira descontrolada”, explica.
Com Agência Einstein e Assessorias