Sai ano, entra ano, e todo verão é a mesma coisa no Rio de Janeiro. Deslizamentos de terras e encostas, desabamento de casas, enchentes, alagamentos e muito, muito caos urbano, principalmente na ‘cidade maravilhosa’, com sua geografia acidentada e suas disparidades socioeconômicas. A tragédia das chuvas de verão, infelizmente, vem sempre acompanhada de vidas perdidas. No temporal deste final de semana no estado, 12 pessoas morreram e ao menos 600 ficaram desabrigadas ou desalojadas na Região Metropolitana.

Para entidades ambientais, a nova tragédia no Rio de Janeiro tem nome: “Isso não é chuva de verão, é crise climática! Essa é a realidade de 1,5ºC”, disse o Climainfo, referindo-se ao aumento da temperatura global, que precisa ser combatido urgentemente. Ainda no domingo (antes da confirmação da 12ª vítima fatal), o perfil do Observatório do Clima no X, criticou o governador Claudio Castro, que estava na Disney, nos Estados Unidos, e interrompeu a viagem para voltar ao Rio.

“Os impactos das mudanças climáticas estão aí, principalmente para as pessoas mais expostas aos riscos ambientais. 11 mortes evitáveis e o Rio de Janeiro recebendo orientações da Disney. Quais são as ações do governo e prefeituras para diminuir esse risco? A culpa não é da chuva!”, afirmou.

Greenpeace: “escolha política viola direito constitucional à vida’

O coordenador de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos, também criticou a postura de governantes e prefeitos que se dizem surpresos com a violência das águas.

“Mais uma vez, cenas de destruição se repetem no Rio de Janeiro e ainda precisamos lidar com as mesmas justificativas por parte do governo e das prefeituras, que alegam surpresa para este tipo de evento climático. No entanto, os efeitos das fortes chuvas são velhos conhecidos de uma parte específica da população”.

Segundo ele, a tragédia também evidencia as desigualdades. “Se olharmos as cidades e regiões mais afetadas e para as populações mais impactadas, “estamos lidando com uma larga maioria negra, periférica e de mulheres que convivem de perto com a pobreza, com a desigualdade e com a ausência de políticas públicas”.

Ainda na avaliação de Igor Travassos, “fica cada vez mais perceptível que não estamos lidando somente com o despreparo dos governos no enfrentamento à emergência climática, mas com uma escolha política que viola o direito constitucional à vida”.

“O que vemos é a inexistência de ações de prevenção, planos de adaptação às mudanças climáticas ou estrutura do Estado para responder aos eventos extremos. E é justamente por causa disso que hoje assistimos pessoas perdendo tudo, inclusive suas vidas”, disse.

‘Estamos vivendo um novo normal’, diz governador

Após sofrer uma enxurrada de críticas nas redes sociais, o governador Claudio Castro (PL) decidiu interromper a viagem de férias ao exterior e, de volta ao Rio de Janeiro, se reuniu com sua equipe na manhã desta segunda-feira (15), no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), para avaliar os estragos das chuvas do final de semana.

Segundo Castro, mesmo fora do país, foi possível falar com órgãos do Estado, prefeituras e governo federal desde as primeiras horas de sábado, para coordenar os trabalhos de socorro às vítimas à distância. Respondendo às críticas sobre ações concretas para evitar tragédias como esta, o governador disse que o estado vem investindo em prevenção.

“O combate às tragédias provocadas pelas chuvas é permanente e recebe a atenção do Governo do Estado durante o ano todo. Estamos vivendo um novo normal. O Estado precisa ser resiliente. Ainda que façamos muito, sempre será pouco quando perdemos uma vida”, lamentou.

Deputados do Psol apontam ‘racismo ambiental’

No domingo (13), o deputado federal Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), disse que a tragédia no Rio é fruto de ‘racismo ambiental’. “Já são 11 mortos (até aquele momento), vítimas do desastre socioambiental que acometeu o RJ nos últimos dias. Chuvas fortes de verão já são esperadas, o que precisa ser feito é investimento nas estruturas das cidades. Não é tragédia, é projeto, é racismo ambiental”.

No instagram, a deputada estadual Renata Souza (Psol) também falou de racismo ambiental. Ela compartilhou um vídeo da ministra  da Igualdade Racial, Anielle Franco, visitando comunidades atingidas pelas chuvas no Estado do Rio. Segundo a parlamentar, “favelas e periferias são 15 vezes mais atingidas por desastres ambientais que outras áreas das cidades” e “69% da população da Baixada Fluminense se declara negra”.

“Esses dados são cruciais para entender o que é racismo ambiental e como ele impacta majoritariamente famílias negras, sendo essas as maiores vítimas de eventos como as chuvas que ocorreram no último fim de semana. É preciso dar nome aquilo que acontece nas cidades e se repete todo verão, para possibilitar políticas públicas efetivas para resolver esse problema”, disse Renata, que também postou um pedido de ajuda com doações para famílias atingidas.

No X (antigo Twitter), a deputada estadual Elika Takimoto (PT) cobrou mais investimentos do estado.

“Se não houver um programa de estado com investimento contínuo em sintonia com os municípios para construir habitação de interesse social, fazer obras de contenção de encosta, reflorestar,… essas tragédias não vão acabar. O estado do Rio de Janeiro sofre do mesmo mal há anos!”, escreveu.

O deputado estadual Carlos Minc (PSB), que já foi ministro do Meio Ambiente no primeiro Governo Lula, também comentou nos stories do seu instagram: “A culpa não é de São Pedro”, ao compartilhar uma imagem dos estragos das chuvas e do número de mortos.

Governador pede mais dinheiro a Lula para prevenção de desastres

O governador disse que está investindo, por meio do PactoRJ, R$ 4,3 bilhões em obras e projetos pautados pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas – ONU (R$ 3,8 bilhões), além de ações do Limpa Rio (R$ 550 milhões).

Segundo ele, são 1,9 mil intervenções para drenagem, dragagem, pavimentação asfáltica, contenção de encostas, obras de micro e macrodrenagem pluvial e outras melhorias para garantir a segurança da população.

O governador disse que solicitou ainda mais de R$ 733 milhões, por meio do Novo PAC – Cidades Sustentáveis e Resilientes – Prevenção a Desastres, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a realização da obra do Rio Botas, em Nova Iguaçu. No total, o estado do Rio enviou 84 projetos para análise do governo federal, somando R$ 6,9 bilhões.

Castro ainda conclamou a população a colaborar, não jogando lixo nas ruas, que entopem os bueiros e causam alagamentos. “É importante também a ajuda da população. Neste momento, precisamos da compreensão e da ajuda da população , para que não joguem lixo nas ruas. Isso dificulta a limpeza”, disse.

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Mais sobre a tragédia

12 pessoas mortas e uma desaparecida

Chuva provocou inundações no Rio de Janeiro (Foto: Defesa Civil/Divulgação)

Até a tarde desta segunda-feira (15), os bombeiros já haviam realizado 268 salvamentos decorrentes das fortes chuvas e e 186 atendimentos nas últimas 24 horas. Os 12 mortos têm entre 45 e 77 anos (veja a listagem ao final do texto).

A 12ª vítima encontrada nesta segunda-feira é um morador do Chapadão, na Pavuna, na Zona Norte do Rio. Ele foi arrastado pela correnteza, e seu corpo foi achado no bairro São Matheus, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. A corporação realiza as buscas por mulher desaparecida após queda de veículo no Rio Botas, em Belford Roxo.

“Primeiro, antes de tudo, quero prestar a minha solidariedade às famílias das vítimas dessa tragédia. Ainda estamos no trabalho de tentar achar a pessoa que está desaparecida. Enquanto tivermos perspectiva de achar com vida, apesar de não temos dúvidas do avanço, quando temos uma pessoa que perde a vida 5, 10, 20 anos depois, temos que evoluir”, disse Claudio Castro.

Cerca de 2.400 militares do Corpo de Bombeiros, com o apoio de drones, aeronaves, cães farejadores, especialistas em resgate em estruturas colapsadas, entre outros recursos, trabalham para recuperar os estragos das chuvas.

Ajuda humanitária: Cartão Recomeçar de R$ 3 mil para famílias

Sobre ajuda humanitárias às famílias vitimadas pelas chuvas, o governador informou que vai agilizar a entrega do Cartão Recomeçar, no valor de R$ 3 mil e pago em parcela única, à população prejudicada pelo temporal.

O benefício cobre despesas com mobiliário residencial, eletrodomésticos e materiais de construção, sendo destinado às famílias em vulnerabilidade após desastres naturais e que perderam móveis e eletrodomésticos ou que tiveram o imóvel danificado. A previsão é começar a liberar os recursos até a próxima semana.

De acordo com o balanço do governo, equipes da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos estão nos municípios prestando assistência técnica às prefeituras, responsáveis pelos cadastros.

Até o momento, foram servidas 8,4 mil refeições e distribuídas 2,5 mil cestas básicas; 1,7 mil  unidades de garrafas e copos de água; 2.547 fardos de água; 450 colchões; 2,1 mil insumos entre kits de higiene pessoal e limpeza; e 150 kits de enxoval, com travesseiro e cobertor.

Chuva de um mês inteiro em apenas um dia

Bairros da Zona Norte da capital e municípios da Baixada Fluminense estão entre as áreas mais atingidas desde o início dos temporais, na última sexta-feira (12). A capital entrou em alerta nível 4, e a prefeitura recomendou no domingo (14) que a população não se deslocasse pela cidade e permanecesse em local seguro.

Segundo informações do Sistema Alerta Rio, choveu no bairro de Anchieta, em apenas 24 horas, aproximadamente 40% a mais do que a média histórica de janeiro naquela região. Ou seja, em apenas um dia choveu muito mais do que era esperado para o mês inteiro: 138,4% da média de janeiro.

O mesmo cenário verificou-se no bairro do Irajá, também na zona norte: 123,6% da média de janeiro. Em Madureira, foram quase 10% a mais que a média mensal: 109,7% da média de janeiro.

A quantidade de pontos de apoio para os cidadãos que precisam de assistência subiu para 15. Nestes locais, a Secretaria Municipal de Assistência Social realizou 555 atendimentos, todos os casos envolviam pessoas desalojadas.

Subsolo de hospital em Acari é inundado pelas águas

O subsolo do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, zona norte carioca, onde funcionam a garagem e alguns setores operacionais e de manutenção, foi inundado. A energia do prédio teve que ser desligada por segurança e todos os aparelhos de suporte à vida passaram a operar por suas baterias próprias. Os pacientes foram acompanhados de perto pelos profissionais de saúde. Na manhã desta segunda, a situação foi normalizada e a eletricidade voltou.

Todas as consultas eletivas agendadas no hospital foram adiadas por 15 dias, para o mesmo dia da semana e horário da marcação anterior. Pacientes que considerem que não podem esperar esse adiamento devem se dirigir na data e horário da consulta agendada ao Super Centro Carioca de Saúde, em Benfica, onde os profissionais do Ronaldo Gazolla estarão atendendo. Para consultas clínicas, a entrada será pelo Centro Carioca de Especialidades. Para exames de imagem, pelo Centro Carioca de Diagnósticos e Tratamento por Imagem.

Na Clínica da Família Marcos Valadão, no mesmo terreno do Hospital Ronaldo Gazolla, também houve inundação do subsolo, onde funcionam almoxarifado, sala dos agentes comunitários, expurgo, três consultórios, administração e auditório. Outras sete unidades de Atenção Primária na Zona Norte foram completamente alagadas devido às chuvas. A previsão era que todas funcionassem já nesta segunda, mas somente para casos emergenciais. As consultas eletivas nas unidades atingidas estão suspensas pelos próximos 15 dias.

A Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) informou que monitora a situação nos 92 municípios fluminenses para identificar necessidades de suporte em saúde. Segundo a pasta, unidades de saúde estaduais de urgência e emergência mantêm funcionamento 24 horas em apoio aos moradores das regiões afetadas pelas chuvas.

O Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (Cievs), que funciona no Centro de Inteligência em Saúde (CIS) da SES-RJ, está monitorando a situação em todos os 92 municípios do estado.

“O Cievs também mantém contato com as secretarias municipais de Saúde a fim de levantar necessidades e disponibilizar eventuais suportes que venham a ser solicitados pelos municípios fluminenses”, informou a pasta.

Saiba quem são as vítimas do temporal no Rio

  • Geraldo, de 59 anos, morreu soterrado em Ricardo de Albuquerque
  • Marli Zeferino Alves, 77 anos, morreu afogada em Acari
  • Patrícia Rosa, 45 anos, morreu afogada em Nova Iguaçu
  • Vanderlei Rodrigues Alves, 53 anos, se afogou em Comendador Soares
  • Marcus Aurélio Laponte Alampi, de 53 anos, foi encontrado morto em Nova Iguaçu
  • Antônio Caetano Cordeiro, de 64 anos, sofreu uma descarga elétrica em São João de Meriti
  • André Cardoso de Aguiar, de 52 anos, morreu em Belford Roxo
  • Sérgio Carlos Monteiro da Silva, de 57 anos, se afogou em São João de Meriti
  • Marcos Aurélio Aguiar Cotias, de 53 anos, morreu eletrocutado em Duque de Caxias
  • Terezinha do Carmo Cassimiro, de 55, morreu soterrada no Morro da Pedreira.
  • Paulo César Oliveira Fernandes, de 59 anos, foi vítima de descarga elétrica em Duque de Caxias
  • Um homem ainda não identificado, morador do Chapadão, na Pavuna
  • Com informações de agências, Gov-RJ e Prefeitura do Rio (atualizado em 15/01/23, às 16h)
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