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A Linha Vermelha, no Rio de Janeiro, está longe da praia, mas deve alagar com frequência ainda maior devido ao efeito de “barragem” que o mar mais alto exerce sobre os canais que a rodovia cruza. O quadro que emerge nas duas cidades é o de colapso urbano em caso de ressacas e inundações muito graves no futuro, e se reproduz por diversas outras cidades costeiras no Brasil, como Florianópolis, Itajaí e Recife. Apenas no Rio de Janeiro, o patrimônio imobiliário sob alto risco foi estimado em R$ 124 bilhões. Em termos de vulnerabilidade, o risco nessas regiões é médio – há áreas no Rio de Janeiro muito mais vulneráveis, como a Ilha do Fundão e o Aeroporto de Santos Dumont. Os seis municípios mais vulneráveis são Paraty, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé e Campos dos Goytacazes. diz trecho do relatório.

Os dados fazem parte do relatório especial “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, que será apresentado nesta segunda-feira (5), durante o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, no Museu do Amanhã.. Este é o segundo documento sobre Mudanças Climáticas e Cidades. O primeiro foi divulgado durante a COP 22 (Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas), no Marrocos, no ano passado. “Os dados deste novo relatório sofreram poucas alterações em relação ao último, até porque as mudanças climáticas acontecem de forma lenta, no entanto, são contínuas”, explica a Suzana Kahn, presidente do comitê científico do PBMC.

De acordo com ela, ano após ano, a ciência comprova, “por A + B” que as mudanças climáticas são gradativas, inevitáveis e contínuas. E este é exatamente o momento de agir, reunindo poder público e sociedade, para assumirem o protagonismo de mudanças e mitigar os impactos dessas consequências climáticas. “É importante levantar a discussão, com o objetivo de ações concretas, no sentido de realmente ter algo efetivo e que promova resultados positivos”, ressalta.

De acordo com Suzana Kahn, o relatório é importante no sentido de aumentar o conhecimento sobre estes problemas e, principalmente, apresentar maneiras de minimizar os danos às cidades que serão afetadas: “A elevação do nível do mar e das temperaturas já é uma realidade e, no Brasil, a extensão desses impactos ainda é muito maior, já que grande parte das regiões está localizada nestas áreas. Não há como evitar os danos, mas sim, implantar soluções no sentido de que possamos nos adaptar a uma nova realidade”, afirma.

O novo relatório apresenta as vulnerabilidades das cidades costeiras diante das mudanças climáticas e ressalta que a conjuntura social e econômica brasileira agrava ainda mais a situação das regiões litorâneas. O documento traz ainda dados sobre perdas econômicas e danos materiais e sociais associados a essas causas. O evento de apresentação do documento contará debates entre especialistas, pesquisadores, tomadores de decisão e a sociedade civil sobre o assunto.

De acordo com Andréa Santos, secretária executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a informação científica está disponível e as mudanças climáticas estão mais que provadas. “Uma forma simples de compreender isso é perceber os impactantes eventos climáticos que ocorrem anualmente no Rio. A tragédia no morro do Bumba, em Niterói, que mostrou falhas para coibir a ocupação irregular do solo; a catástrofe na Região Serrana, que custou muitas vidas e cujos efeitos ainda são sentidos todos os anos, ou as ressacas que destroem ciclovias e matam pessoas são exemplos de falhas do poder público”, relembra.

Segundo ela, é necessário que o governo, com políticas públicas mais eficientes e metas mais claras, caminhe para uma economia de baixo carbono e compreenda as vulnerabilidades locais para tornar o Rio de Janeiro resiliente a mudanças do clima. “Por outro lado, a sociedade precisa ser inserida nesse debate e ter a percepção de que essas mudanças causam impactos diários nas nossas vidas. Ainda existe uma dificuldade de traduzir as informações climáticas sobre como, na prática, isso pode ser transmitido à população. Precisamos entender que desenvolvimento sustentável vem ao encontro das questões climáticas, com a adoção de ações que podem contribuir para o equilíbrio climático. As cidades costeiras, como o Rio de Janeiro, são as que mais sofrem com isso. Para o bem-estar coletivo, governo e sociedade precisam entender seus reais papéis e caminharem para mitigar esses problemas”, ressalta.
Sobre o evento e o relatório
O evento de apresentação do relatório terá como objetivo promover uma discussão com especialistas, pesquisadores, tomadores de decisão e a sociedade civil sobre as vulnerabilidades das cidades costeiras brasileiras diante dos eventos climáticos que preocupam cientistas. No caso do Brasil, elas estão associadas a outras fragilidades sociais e econômicas, como a pobreza, transporte precário e falta de financiamento para implementar medidas de adaptação, em especial para melhoria da infraestrutura em cidades.
Suzana afirma ainda que já há evidências científicas suficientes para tomada de ações. Por isso, é necessário o debate entre os diversos setores da sociedade civil, estados, municípios, união e também formadores de opinião: “Temos o argumento do conhecimento, mas ele ainda não tem sido suficiente para tirar as pessoas da inércia. A ciência, somente, não é capaz de fazer tudo sozinha. É preciso pensar – e agir – sobre o que se pode fazer, por isso o debate, o quanto antes sobre esses problemas”.

O PBMC é um organismo científico criado em 2009 pelos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente para reunir, sintetizar e avaliar informações científicas sobre os impactos relevantes das mudanças climáticas no Brasil.

Cenário atual

Das 42 regiões metropolitanas brasileiras, 18 se encontram na zona costeira ou são influenciadas por ela. De acordo com o relatório, 60% da população brasileira habita as faixas costeiras, que no Brasil conta com 8.698 km de extensão e área aproximada de 514 mil km2. Desta forma, as mudanças climáticas em curso expõem as cidades litorâneas a diversos fatores como o aumento do nível médio do mar. Isso coloca em risco moradias e infraestrutura, como escolas, mercados, hospitais, portos e rodovias, devido a induções e erosão em zonas costeiras.

Nesse quesito, são esperadas variações do aumento do nível do mar de 20 a 30 cm até o final do século XXI e em algumas localidades, até meados do século ou até antes disso. Na costa do Brasil são poucos os estudos realizados com base em observações “in loco”. Mas, mesmo assim, taxas de aumento do nível do mar já vêm sendo reportadas pela comunidade científica brasileira desde o final dos anos 80 e início dos anos 90.

Além disso, a elevação na frequência e intensidade de eventos extremos de chuva também colabora para problemas nas regiões costeiras, como o risco de deslizamento de terras, enchentes e enxurradas. Somado a isso, as grandes concentrações atmosféricas de dióxido de carbono emitidas pelas cidades costeiras estão tornando os oceanos mais ácidos, gerando impactos sobre estes ecossistemas. O Rio de Janeiro tem a maior emissão de CO2 por habitante (3,47 ton). Outros exemplos de cidades costeiras com grande emissão de CO2 por habitante são Recife (2,03 ton), Fortaleza (1,56 ton) e Salvador (1,27 ton).

No Brasil, a população das zonas costeiras é responsável pela geração de cerca de 30% de toda a riqueza nacional. No entanto, estudos apontam que para 2050, inundações em áreas costeiras com elevação de 0,2m do nível do mar podem produzir prejuízos econômicos anuais de US$ 940 milhões em 22 das maiores cidades costeiras da América Latina, e esta perda econômica pode alcançar até US$ 1,2 bilhões para uma elevação de 0,40m. Cerca de 8% dos habitantes de áreas costeiras seriam afetados em consequência de um aquecimento global de 4ºC ate 2080, mas essa porcentagem pode chegar a 5% se o aquecimento fosse limitado a 2ºC.

O documento ainda mostra que as regiões Nordeste, Sudeste e Sul apresentam uma maior ocorrência de desastres naturais, sendo que o Sul e Sudeste apresentam um maior número de fatalidades. Entre os anos de 1995 e 2014, os municípios reportaram algum tipo de dano material ou prejuízo decorrente de desastres naturais. Foram contabilizadas perdas totais de R$ 182,7 bilhões, sendo que R$ 137,3 bilhões se referem aos prejuízos públicos e privados e R$ 45,4 bilhões aos danos materiais.

Os danos materiais de maior relevância que foram reportados são os relacionados à infraestrutura, representando 59% do total. Os relacionados a habitações representam aproximadamente 36%, enquanto 5% se referem aos danos verificados em instalações de saúde, de ensino, comunitárias, entre outras.

Políticas públicas

União, estados, municípios e população têm cada qual seu papel nas ações para diminuir os efeitos das mudanças climáticas. A população pode contribuir com atitudes sustentáveis e ajudar nas medidas de adaptação, como priorizar o transporte público, consumir energia e água de forma consciente, não jogar lixo nas ruas, não desmatar, proteger rios e nascentes.

Já união, estados e municípios devem atuar na elaboração de políticas públicas de mitigação e adaptação, além de promover debates com a sociedade sobre clima e consultas públicas a projetos de Lei. Sobre esse aspecto, Andréa Santos, secretária executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, aponta a importância de se conhecer e para entender o problema, e assim fortalecer as discussões. “Por isso, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas atua na informação sobre clima no Brasil a partir de avaliações do conhecimento científico disponível. Nós disseminamos essas informações com a publicação de relatórios, organização de eventos, workshops, seminários e disponibilizamos de forma transparente material técnico sobre mudanças climáticas”, explica.

Andréa ressalta ainda a importante se ter uma governança participativa e um gerenciamento adequado dos recursos para financiar ações e monitorar essas ações. “A transparência é fundamental no processo. Sabemos que o custo para mitigação é alto e que a “inação” irá custar muito mais no futuro. O mesmo vale para adaptação, onde estes custos deverão ser mais altos e não agir também irá custar ainda mais num planeta mais aquecido”, afirma.

Cidades em risco

Cidades na faixa litorânea que vão do estado do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte foram identificadas pelos cientistas como algumas das mais vulneráveis a todos os tipos de perigos. Em relação a enchentes-relâmpago, enchentes e alagamentos, projeta-se que a região Sul deve sofrer um aumento considerável da vulnerabilidade no futuro. A área na divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a faixa que vai de Sergipe até Natal (Rio Grande do Norte), o norte do Ceará, e áreas nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo também preocupam. Todas essas localidades se enquadram nas classes de vulnerabilidade alta ou muito alta, possuem históricos recorrentes de inundações, enxurradas ou alagamentos altamente impactantes para a sociedade e podem se tornar ainda mais vulneráveis no futuro.

Algumas conclusões do relatório

– Por conta de deficiências na infraestrutura urbana e concentração de moradores em situação de risco, as cidades costeiras brasileiras acentuam ainda mais efeitos de eventos climáticos extremos, como aumento do nível do mar, as ondas de calor, inundações e secas. As inundações também são um efeito do aumento da população e da deficiência no planejamento das cidades, cujos problemas só poderão ser superados a médio e longo prazo.

– A tendência do aumento do nível médio do mar nas regiões costeiras do Brasil pode gerar impactos de grandes dimensões sobre sistemas como manguezais e restingas e também nos sistemas humanos.

– O aumento da intensidade das chuvas associado ao aumento das tempestades e ventos, pode resultar em ressacas maiores, gerando efeitos negativos para a estrutura de linha das praias.

– Manter o aquecimento global a menos de 2°C e levar este aquecimento até 1,5°C para 2100 é possível, mas precisa de intensas estratégias de mitigação no curto prazo.

– Medidas adaptativas como no transporte público, com integração intermodal, ampliação do alcance, abrangência e dos sistemas de média e alta capacidade são benéficas para a mitigação dos problemas. Por isso, vale o alerta: não agir de modo a implantação dessas medidas pode ser pior do que os custos de adaptação.

Principais lacunas levantadas pelo relatório

– A ausência de registros históricos contínuos e confiáveis dificulta a maior precisão da análise da elevação do nível do mar ao longo da costa brasileira. Além disso, as evidências, frequência e magnitude dos eventos climáticos não têm a precisão adequada por conta de estações meteorológicas deficientes, ausência de padrões atmosféricos e dificuldade de análise da erosão costeira.

– O Brasil ainda possui, comparativamente com outros países, insuficiência nas observações de nível de mar. Também há pouco investimento do Estado para este fim e, consequentemente, poucos especialistas têm se dedicado ao assunto. O resultado é que grupos de especialistas estrangeiros se propõem a fazer este tipo de trabalho.

– Há discrepâncias da análise da variabilidade temporal do clima e de ondas no Brasil, que dificulta compreensão e a possibilidade de estabelecer cenários futuros mais confiáveis. Com isso, as cidades costeiras brasileiras tem baixa capacidade de se antecipar aos riscos, situação que fica mais notória no Nordeste e Norte do país do que no Sul e Sudeste.

Recomendações

– O relatório recomenda realizar novas avaliações de risco de desastres associados e aumento na frequência de extremos de clima e elevação        do nível médio do mar em cidades costeiras, sobretudo em cidades do Norte e Nordeste. Esses estudos podem permitir a reavaliação sobre níveis de riscos aceitáveis para cidades e populações, como já está acontecendo em Santos (SP)

– A melhor forma de se adaptar às mudanças climáticas e se desenvolver de maneira sustentável. Para isso, medidas de baixo custo como o planejamento do uso da terra, conservação de ecossistemas costeiros e geração e renda a partir destes pode ser uma solução. No Rio de Janeiro (RJ), já se encontram exemplos como estes.

– Deve-se ter familiaridade com os risos de desastres não só para os gestores ambientais, mas para aqueles ligados aos setores produtivos e desenvolvimento. As soluções de governança e políticas devem ter caráter integrado e não apenas setorial.

– Planos de adaptação climáticas que incluam ações de curto, médio e longo prazo podem beneficiar as cidades costeiras. Devem ser implantados projetos de infraestrutura e ecossistemas com o objetivo de reduzir vulnerabilidade de sistemas naturais e humanos. Exemplos são projetos de intervenção e requalificação que consigam reduzir o grau de vulnerabilidade, eliminação e redução ou controle do risco frente à erosão costeira;  intervenções de manutenção e reabilitação de obras de proteção costeira e soluções de requalificação de áreas urbanas e naturais degradadas.

 Fonte: PBMC

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2 Comments
  • Amazônia e mudanças climáticas em pauta no Rio
    4 de setembro de 2017 at 22:03

    […] seminário é o segundo de quatro encontros dos “Diálogos Estratégicos sobre Mudanças Climáticas”, uma iniciativa do Sistema ONU no Brasil que está sendo organizada pela ONU Meio Ambiente e que […]

    Reply
  • […] Mudanças climáticas que produzem o temido aquecimento global, poluição por plástico nos oceanos, excesso de  lixo nas grandes cidades… Muito se fala sobre as ameaças do homem ao futuro do planeta. Mas como podemos virar esse jogo em nossas práticas diárias? É muito simples se cada um fizer sua parte. Afinal, não são só os governos e as empresas que devem se comprometer com a luta contra o aquecimento global. Cada um de nós pode rever seus hábitos de consumo como forma de combater as mudanças climáticas. Cada atitude, por mais simples que seja, conta – principalmente se servir de exemplo para outras pessoas e se for repetida ao longo do tempo. […]

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