A morte de Jards Macalé, aos 82 anos, na última segunda-feira (17/11) no Rio de Janeiro, chama atenção para um grave problema de saúde pública: a sepse, mais conhecida como infecção generalizada. O cantor e compositor morreu em decorrência de insuficiência renal e choque séptico, uma condição que leva à falência múltipla dos órgãos.
O músico – que deixa um importante legado para a MPB, com 143 obras musicais e 403 gravações – estava internado desde o início de novembro por conta de uma broncopneumonia e e passou por uma cirurgia na semana anterior à sua morte. Ele teve uma parada cardíaca como consequência dessas complicações.
O choque séptico é uma condição médica grave e com risco de morte, caracterizada por uma reação descontrolada do corpo a uma infecção (sepse) , que resulta em uma queda perigosa da pressão arterial. Essa queda impede que órgãos vitais, como cérebro, coração e rins, recebam sangue suficiente, levando à falência de órgãos. É a forma mais grave da sepse e exige tratamento médico imediato.
Grande parte dos casos de infecção generalizada ocorre devido à chamada resistência antimicrobiana (RAM), que é quando os antibióticos não surtem mais efeito nos pacientes. O caso de Jards Macalé ocorre justamente durante a Semana Mundial de Conscientização da Resistência aos Antimicrobianos (18 a 24 de novembro), iniciativa global liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em 2025, o tema da campanha “Aja Agora: Proteja o Nosso Presente, Garanta o Nosso Futuro.” chama a atenção para a necessidade imediata de conter a resistência microbiana, que já coloca em risco os avanços da medicina moderna e dos sistemas de saúde no mundo todo e para reforçar o uso responsável de antibióticos e outros agentes antimicrobianos.
Resistência antimicrobiana: a ameaça invisível
OMS alerta para 3,5 milhões de mortes por infecções evitáveis até 2050 no mundo
A RAM ocorre quando micro-organismos, como bactérias, vírus, parasitas ou fungos, sofrem alterações ao serem expostos a antimicrobianos (antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos) e tornam-se resistentes a eles.
Por ano, no Brasil, a RAM é responsável por cerca de 34 mil óbitos, mais de 220 mil mortes por infecções bacterianas e outros 400 mil casos de sepse ou septicemia (infecção generalizada). O boletim epidemiológico atualizado do Ministério da Saúde revelou que o número de infecções hospitalares cresceu 20% em 2024, na comparação de 12 meses com o período anterior.
O levantamento cita publicação da respeitável The Lancet de 2022 que estimou 4,95 milhões de mortes atribuídas à RAM e 1,27 milhões de mortes associadas a infecções por micro-organismos resistentes a medicamentos em 2019 – o estudo analisou 204 países e territórios naquele ano. E ainda destaca que a cada cinco mortes uma ocorreu em criança com menos de 5 anos de idade.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) também apresenta dados relevantes sobre o impacto das infecções diretamente ligadas à falta da higienização correta e resistência antimicrobiana na vida das pessoas. O levantamento apontou que mais de 24% dos pacientes em situação de internação em hospitais, assim como 52,3% dos indivíduos em tratamento nas UTIs (Unidade de Terapia Intensiva), morrem anualmente por infecções.
Resistência antimicrobiana: a ameaça invisível
A situação é ainda mais preocupante em países de baixa e média renda (PBMR). Nesses lugares, a incidência de infecções é maior: em média, de cada 100 pacientes internados em Unidades de Cuidados Intensivos (UTI), 7 em países de alta renda (PAR) e 15 em PBMR vão desenvolver, pelo menos, uma infecção durante a internação. Nas UTIs, quase um terço dos pacientes (30%) podem ser afetados, com taxas de infecção duas a vinte vezes maiores em PBMR, especialmente entre os recém-nascidos.
Segundo o relatório global divulgado, recentemente, pela OMS, analisado pela Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp), as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) continuam sendo uma das principais causas de eventos adversos. Estima-se que, até 2050, essas infecções possam ocasionar cerca de 3,5 milhões de mortes por ano no mundo.
As Infecções de Corrente Sanguínea (ICS), especialmente aquelas associadas ao uso de cateter venoso central, são consideradas as mais graves entre as IRAS, devido à sua alta taxa de mortalidade e complexidade no tratamento.
Segundo dados do Boletim Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde nº 31 da Anvisa, publicado em 2023, e compilados pela SOBRASP, as ICS representam uma das principais causas de infecções em UTIs no Brasil. No Brasil, foram registradas 34.428 mil infecções por ICS em UTIs, sendo 24.430 em UTIs adulto, 6.826 em neonatal e 3.172 em UTIs pediátricas.
Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS)
A OMS alerta que, se medidas eficazes não forem implementadas, até 2050 poderemos enfrentar 10 milhões de mortes anuais devido a infecções resistentes a medicamentos. Para a Sobrasp, os dados servem como alerta para conscientizar autoridades sanitárias, gestores hospitalares e profissionais de saúde sobre a importância da prevenção e controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS).
O uso indiscriminado de antibióticos é uma questão de saúde pública no mundo, pois leva ao desenvolvimento da resistência microbiana, tornando o tratamento de infecções mais difícil e, em muitos casos, impossível de tratar“, ressalta a infectologista e diretora de Educação e Formação Profissional, Cláudia Vidal.
Segundo ela, o uso desnecessário de antimicrobianos pode ocasionar resistência bacteriana, cursar com efeitos colaterais e gerar custos desnecessários para o sistema de saúde”. “O Brasil é um dos maiores consumidores de antibióticos do mundo, segundo a OMS, superando países como a Europa, Canadá e Japão”, ressalta a diretora da Sobrasp.
Com esse entendimento, foi reforçado que contaminações adquiridas durante o atendimento clínico ou hospitalar significam um grave problema de saúde pública, já que podem aumentar a morbidade, mortalidade e os prejuízos das empresas de saúde pública e privada.
Prevenção: a chave está em nossas mãos
O documento da OMS apresenta dados relevantes sobre o impacto das infecções diretamente ligadas à falta da higienização correta e resistência antimicrobiana na vida das pessoas.
Desse modo, a OMS tem apoiado várias campanhas de prevenção, tendo em vista que a mudança de hábitos começa com medidas simples, como a higienização adequada das mãos, o uso correto de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e a adesão a protocolos de limpeza e desinfecção.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta, através de sua campanha “Salve Vidas: Higienize Suas Mãos”, a importância da higienização das mãos como uma das medidas mais eficazes para prevenir infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS).
A implementação de Programas coordenados de Prevenção e Controle de Infecções (PCI), incluindo a higienização rigorosa das mãos, pode reduzir significativamente a incidência de IRAS. Programas de PCI bem estruturados, com sistemas de monitoramento e gestão, podem fazer uma grande diferença.
A estimativa é que essas ações têm o potencial de evitar até 821 mil mortes por ano globalmente até 2050, segundo a OMS. Em países de baixa e média renda, as intervenções de PCI poderiam prevenir até 337 mil mortes anuais relacionadas às resistências antimicrobianas.
Estudos da OMS relatam que o simples ato de lavar as mãos pode reduzir em até 40% o risco de adquirir infecções, tais como gripe, diarreia, conjuntivite, dentre outras, além de evitar a transmissão de infecções relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS), ressalta a infectologista.
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A importância do manejo eficaz como estratégia de tratamento para paciente com sepse
Por Leandro Taniguchi*
A sepse é uma condição prevenível, que oferece risco à vida, mas é preciso processos adequados na sua identificação precoce e seu tratamento eficaz e rápido, uma vez que a mortalidade por sepse é a principal causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), superando o infarto do miocárdio e o câncer.
Diferente do que muitos imaginam, a infecção não necessariamente se espalha por todo organismo, mas é a resposta inadequada do corpo à presença de uma infecção em algum órgão ou tecido que promove a disfunção das funções orgânicas. Em termos mais simples, ao combater a infecção, o corpo humano promove um dano a si mesmo.
Em todo o mundo, a sepse mata 11 milhões de pessoas por ano, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a estimativa é de 240 mil mortes por ano, relacionadas muitas vezes ao manejo clínico inadequado e à infraestrutura precária, que se somam a vários fatores fisiopatológicos, como faixa etária, informações genéticas, imunológica e doenças associadas que podem agravar o quadro do paciente.
No encontro de três dias no 37º Congresso Anual da Sociedade Europeia de Medicina Intensiva as discussões giraram em torno dos avanços e a certeza que é preciso individualizar o manejo cardiovascular do doente depois de acionado o protocolo da sepse. A atualização do escore SOFA (Sequential Orgain Failure Assessment), ferramenta clínica utilizada para avaliar e monitorar disfunções ou falências de órgãos em pacientes com sepse, é bastante esperada, especialmente pela relevante participação brasileira no processo de análise dos bancos de dados como também na discussão crítica.
Telemedicina no combate à sepse
O avanço da telemedicina é mais um recurso que está sendo estudado para melhor colaborar na assistência e suporte à distância no apoio às ações dos profissionais da saúde. A ideia é aproximar o médico que tem a expertise no cuidado do paciente complexo com todos os que se encontram com dúvidas e incertezas no manejo diário desta população. Entender a melhor dinâmica para a execução da telemedicina na UTI é atualmente objeto de estudo para uma abordagem baseada na evidência e na ciência.
Na aplicação medicamentosa, a resistência antimicrobiana é um desafio frequente em vários cenários infecciosos, especialmente nos pacientes de UTI, mas alguns estudos indicam que a administração contínua do antibiótico administrados na veia poderia ser mais eficiente no controle da infecção. A medicina está em evolução constante, assim como as boas práticas e os estudos clínicos. Agora é esperar para que as novidades não demorem para ser avaliadas quanto à implantação no país.
*Médico diarista da UTI Clínica do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e orientador do programa de pós-graduação da FMUSP
Agenda Positiva
InfectoXpert 2025 posiciona a infectologia como protagonista da medicina moderna
Evento nacional em São Paulo reúne os maiores especialistas para debater infecção em imunodeprimidos , infecções osteomusculares e infecto pediatria
A resistência antimicrobiana e as infecções hospitalares são alguns dos destaque no InfectoXpert 2025, o encontro científico presencial promovido pelo InfectoCast, ecossistema digital de educação médica em infectologia no Brasil. O evento, entre os dias 20 e 22 de novembro, em São Paulo, promete reunir especialistas de referência nacional para debater os principais desafios clínicos, científicos e tecnológicos que moldam o futuro da infectologia.
Doenças tropicais e vírus respiratórios, infecção em imunodeprimidos e osteomusculares e infecto pediatria, entre outros temas importantes para a saúde pública no Brasil e no mundo, também estão na pauta. Durante três dias, médicos, pesquisadores, farmacêuticos, residentes e estudantes terão acesso a uma programação dinâmica, que inclui discussões de casos clínicos reais, painéis com enfoque prático e análises sobre temas emergentes
A programação contará com nomes reconhecidos da infectologia brasileira, que compartilharão experiências e atualizações baseadas em evidências, com foco em tomada de decisão clínica e práticas inovadoras no manejo de infecções. Segundo os organizadores, a proposta do evento é transformar conhecimento em ação, aproximando o saber científico da realidade clínica.
O InfectoXpert representa a consolidação de uma comunidade que nasceu digital, mas que agora se encontra presencialmente para fortalecer laços e trocar experiências que impactam o cuidado com o paciente”, destaca Klinger Faíco, médico infectologista e CEO do InfectoCast.
O evento é direcionado a profissionais de saúde com atuação ou interesse na área de infectologia. Inscrições no site oficial infectoxpert.infectocast.com.
Com Assessorias





