Os números são alarmantes. O Brasil registrou em 2023 o maior recorde de casos de feminicídio desde a criação da lei contra esse tipo de crime, há nove anos: um caso a cada seis horas. É o que revela o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta quinta-feira (7), véspera do Dia Internacional da Mulher (8 de março).

O estudo aponta 1.463 registros de mulheres vítimas de feminicídio no ano passado, com os estados de Mato Grosso, Acre, Rondônia e Tocantins na frente. O resultado representa um aumento de 1,6% desse tipo de crime no país, em comparação com 2022. Em nove anos o Brasil já registrou mais de 10 mil casos de feminicídio.

Já o levantamento do Observatório da Segurança divulgado nesta quinta-feira (7), pelo quarto ano consecutivo, aponta que uma mulher é vítima de feminicídio a cada 15 horas no Brasil. O estudo avalia esse tipo de crime em oito estados brasileiros. Em 2023, foram 3.181 casos de violência contra a mulher, um aumento de 22% em relação ao ano anterior, e 72% dos feminicídios foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros.

Os números de ambos os levantamentos ainda podem estar subnotificados, o que amplia ainda mais o olhar sobre esse grave problema social, de segurança pública e também de saúde pública no Brasil. E a responsabilidade de combatê-lo deve ser de toda a sociedade. Por isso, até cemitério entra na luta por mais conscientização sobre esse tipo de crime.

No Rio de Janeiro, o Crematório e Cemitério da Penitência, no bairro do Caju, na Zona Portuária, realiza nesta sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, a mesa redonda “Refletindo sobre o respeito e o enfrentamento à violência de gênero”.

Entre as convidadas, está Ana Paula Sales, que escapou por muito pouco das estatísticas. Ela levará seu relato surpreendente sobre a tentativa de feminicídio dentro de sua própria casa, onde vivia com o então companheiro, na cidade de Itaguaí, Região Metropolitana do Rio.

“O meu ex-companheiro me deu uma facada, ele mirou o meu pescoço, mas eu me virei e o golpe atingiu minha coxa. Ele fugiu depois. A partir desse episódio, eu consegui medida protetiva e foi expedido o pedido de prisão dele”, conta ela.

‘Quebrei meu ciclo de violência e passei a ajudar outras mulheres’

Ana Paula usou a sua dor física e psicológica para ajudar outras mulheres vítimas de relacionamentos abusivos e violentos. A educadora e empreendedora social fundou há nove anos a Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais (A.M.I.G.A.S), que atualmente acolhe mulheres em estado de vulnerabilidade de todo o estado do Rio de Janeiro.

“O meu ciclo da violência foi quebrado quando também passei a ajudar outras mulheres na mesma situação. Fundei a ONG em setembro de 2015, três meses após a prisão do meu agressor”, conta Ana Paula. Durante a palestra, ela vai incentivar outras mulheres que passam pelo mesmo problema a dar o primeiro passo em direção a sua liberdade, além de denunciar os maus tratos.

A mesa redonda contará ainda com a presença da presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro (sindPol), Márcia Bezerra, e  da presidente da ONG Artes Salva Vidas, Aldari Marques, com mediação da CEO do cemitério, Karla Monielly Belchior. As palestrantes vão discutir os avanços, conquistas e desafios no enfrentamento à violência contra a mulher nos dias atuais.

Em seguida, às 11h, o professor Massa Rosado, faixa preta e 6º grau de jiu-jitsu, vai conduzir uma dinâmica prática de defesa pessoal com a participação das mulheres presentes, que terão a oportunidade de vivenciar simulações de situações de risco e aprender técnicas eficazes de autodefesa.

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Abaixo-assinado para atualizar a Lei Maria da Penha chega a 1 milhão

A Lei n° 13.104, de 9 de março de 2015, qualificou o crime de feminicídio quando ele é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Na prática, entretanto, as punições ainda não têm sido rigorosas como devem ser. Por isso, uma ampla mobilização nas redes sociais defende a atualização da Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340, de 07 de agosto de 2006), para que casos de relacionamento abusivo, agressões e feminicídio tenham o tratamento adequado pela legislação e órgãos competentes.

Um abaixo-assinado na plataforma Change.org chega neste 8 de março (Dia Internacional da Mulher) perto da meta de 1 milhão de apoiadores por uma atualização total na Lei Maria da Penha contra casos de feminicídios.  A petição é proposta por Barbara Penna, que em novembro de 2013 sofreu uma tentativa de feminicídio por parte do seu ex-namorado, que não aceitava o fim do relacionamento e a sua independência financeira.

Bárbara teve 40% do seu corpo queimado, evárias fraturas ao ser jogada do terceiro andar do prédio. Ficou meses em coma, com infecções generalizadas, mutilações e cicatrizes no corpo. Perdeu ainda seus dois filhos, Isadora (2 anos e 7 meses) e Henrique (3 meses), que foram vítimas da intoxicação da fumaça do incêndio causado pelo agressor, que era pai das crianças. Saiba mais sobre a história de Bárbara Penna neste site

Mesmo com esse histórico trágico e com limitações físicas e psíquicas decorrentes da grave tentativa de feminicídio, Bárbara se tornou ativista, realizando palestras e atendimentos de mulheres que a procuram pedindo orientação. Uma de suas principais iniciativas é a proposta de atualização da Lei Maria da Penha, para que casos de relacionamento abusivo, agressões e feminicídio tenham o tratamento adequado pela legislação e órgãos competentes.

Conheça as propostas de atualização da Lei Maria da Penha

Entre as propostas de atualização, estão:

  • a retirada do endereço da vítima do boletim de ocorrência policial;
  • a exigência de um profissional de psicologia em cada delegacia da mulher, para atendimento imediato da vítima e para averiguação de falsas denúncias;
  • a obrigatoriedade da construção de uma casa de atendimento da mulher (Casa da Mulher Brasileira) em cada estado da federação; e
  • o uso de tornozeleira eletrônica para o acusado, despachada juntamente com a medida protetiva, como medida cautelar assegurado pelo art. 319 IX CPP.
  • Além disso, ela propõe a criação de um aplicativo de âmbito nacional, com acesso dos diversos órgãos, em diferentes esferas, onde a mulher possa fazer seu cadastro e receber todo seu atendimento pós-denúncia na delegacia, dos seus acompanhamentos por parte dos agentes públicos, e demais informações; entre outros.

Segundo Bárbara, o abaixo-assinado está quase batendo a meta de 1 milhão de apoiadores, o que mostra o massivo apoio da sociedade à atualização da Lei e permitirá que a proposta seja encaminhada diretamente ao Congresso Nacional e ao Governo Federal.

“Temos diversos parlamentares que apoiam a proposta e poderiam liderar um novo Projeto de Lei na Câmara ou Senado, mas nosso objetivo é chegar a 1 milhão de assinaturas para que a alteração seja encaminhada como um Projeto de Lei de Iniciativa Popular”, explica.

Diversos advogados e juristas já avaliaram a proposta e aprovaram a aplicabilidade das proposições, da eficácia e do mérito. “A Lei Maria da Penha é um marco na lei brasileira para a proteção das mulheres, mas ela ainda tem falhas e precisa ser reformulada, de forma a evitar brechas que favorecem o aumento de agressões e feminicídios”, conclui a ativista.

Confira na plataforma Change.org a lista completa das alterações propostas, todas com exemplos e justificativas

DPU lança Observatório sobre Violência Contra as Mulheres

A Defensoria Pública da União (DPU) lançou, nesta quinta-feira (7) o Observatório sobre Violência Contra as Mulheres, que deverá criar estratégias para aperfeiçoar a atuação do órgão em relação a todos os tipos de violência, bem como promover os direitos humanos. Será possível fazer denúncias por meio desse canal da DPU em breve.

A equipe irá trabalhar no sistema para estabelecer um canal no recebimento, processamento e encaminhamento de denúncias de violências contra as mulheres no âmbito da DPU. Além disso, atuará na educação permanente do público assistido e da equipe da DPU, bem como no aperfeiçoamento da integração e em parcerias com a rede no âmbito governamental e com a sociedade civil.

Segundo a defensora pública federal e coordenadora do Observatório, Rafaella Mikos Passos, muitas vezes, uma mulher vítima de violência pode ter contato com a DPU em razão, por exemplo, de uma demanda previdenciária ou assistencial, de saúde, ou em alguma ação itinerante de atendimento à população migrante. E, nesse momento, é importante que a DPU possa informar essa mulher sobre seus direitos.

“É muito importante que a pessoa responsável pelo atendimento na DPU também tenha sido capacitada para atender adequadamente essa mulher. E que a DPU esteja integrada na rede de proteção às vítimas de violência para que, se necessário, haja o devido encaminhamento de maneira correta e ágil”, disse a defensora.

Veja as principais atribuições do Observatório:

– Produzir e analisar relatórios a partir dos dados obtidos pelo Observatório;
– Planejar, coordenar e implementar ações estratégicas e estruturais voltadas à defesa das mulheres vítimas de violência;
– Fomentar a capacitação e a educação em direitos do público interno e externo da DPU sobre o tema da violência contra as mulheres;
– Fazer interlocução com outras instituições, sociedade civil e esferas de governo visando à promoção dos direitos humanos e da defesa dos direitos fundamentais das mulheres vítimas de violência, bem como a atuação em rede;
– Manter a memória de atuação e das ações efetuadas pelo Observatório;
– Indicar membro para representar a DPU em reuniões, audiências públicas e outros eventos que tratarem do tema da violência contra as mulheres.

Com Assessorias

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