Quais os itens indispensáveis na mochila de um aluno da Educação Básica? A resposta mais comum seria cadernos, livros e outros materiais para estudo. Mas o que não falta na lista de muitos estudantes é um aparelho pequeno, mas que ocupa um espaço cada vez maior na vida de adultos e crianças: o celular.
Pensar a nossa vida sem tecnologia já não é uma alternativa. Da organização da agenda até o entretenimento, as telas de celulares e outros dispositivos eletrônicos são parte do nosso cotidiano. Porém, o ambiente escolar tem sido prejudicado em muitos pontos por conta da presença destes aparelhos, a ponto de preocupar importantes organizações.
Diversas escolas em todo o país vêm adotando medidas restritivas ao uso de celular, a exemplo do que fez, de forma pioneira, o município do Rio de Janeiro após recomendação do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (Unesco) pela abolição dos aparelhos entre crianças e adolescentes no ambiente escolar.
A palavra proibição pode soar como censura, contudo, o estudo do Unesco aponta que pelo menos um em cada quatro países já proíbe ou limita dispositivos eletrônicos e que a melhoria no desenvolvimento escolar dos alunos é percebida rapidamente.
No Colégio Santo Américo, a equipe pedagógica, em parceria com pais e alunos, concluiu que a restrição, e até mesmo a proibição ao uso do celular no ambiente escolar, seria o caminho mais adequado a seguir para evitar os danos causados pelo uso excessivo do aparelho e incentivar a socialização e as atividades coletivas entre os alunos.
A diretora pedagógica Claudia Sartori Zaclis, destaca que o celular não é considerado material escolar, uma vez que a instituição disponibiliza iPads para os estudantes e que a diretriz do colégio é embasada em pesquisas que evidenciam os efeitos prejudiciais do uso excessivo de celulares, e nos feedbacks dos professores.
Já é comprovado que o uso abusivo dos dispositivos eletrônicos pode levar a danos cognitivos, dificuldades de socialização e aprendizado, e afetar a atenção, em todas as idades. Alguns dos nossos professores sinalizaram alguns pontos, como a falta de leitura e a desatenção em sala de aula”, conta Claudia Zaclis.
Alternativas para o uso dos celulares
A comunidade escolar, no entanto, não ignorou o fato de que essa não seria uma tarefa fácil e que seria necessário lançar mão de estratégias que oportunizassem a interação entre os alunos e permitissem o acesso a outras formas de diversão e de informação.
Durante as férias escolares de verão, a equipe do Colégio Santo Américo atuou de forma a tornar os espaços de convivência mais convidativos e atraentes, oferecendo novas áreas de descanso, mesas para jogos e até mesmo um fliperama com jogos clássicos construído pelos próprios alunos em uma das salas maker do colégio.
O desafio é promover a integração dos alunos com seus colegas e professores, estimulando a socialização, relações de amizade e respeito mútuo, direcionando tecnologia digital para ambientes de aprendizagem específicos, sempre como ferramenta pedagógica”, reforça a diretora.
A proibição para utilização dos aparelhos é total para alunos até o 9º ano do Ensino Fundamental e, para os alunos do Ensino Médio, a instituição permite o uso apenas em momentos específicos dos intervalos.
Queremos que nossos alunos tenham um espaço de convivência no intervalo e não fiquem conectados apenas a seus aparelhos. Nosso campus tem uma área verde privilegiada e eles podem aproveitar todo o espaço do colégio em atividades em equipe, compartilhando os momentos de lazer com os amigos, longe da tecnologia”, diz Zaclis, que afirma, ainda, que a resposta dos alunos à normativa tem sido positiva.
Alguns pais e alunos achavam que seria impossível a implementação dessa medida, mas a dinâmica adotada pela equipe pedagógica do Colégio Santo Américo fez com que as mudanças ocorressem sem grandes dificuldades.
Nosso objetivo era que os alunos percebessem e enxergassem os outros. Que conversassem, brincassem e praticassem esportes, ao invés de cada um ficar no seu canto, sozinho. Eles reconheceram que a interação com os colegas aumentou. Evidentemente, o aumento de interação pode gerar aumento de conflitos interpessoais, o que é importante, inclusive, para o aprendizado e desenvolvimento dos alunos dessa faixa etária”, finaliza Claudia.
A proibição ao uso de celular foi implementada, também, nas atividades externas do colégio, como as viagens de estudo do meio e acampamentos pedagógicos. “Essa norma foi a mais difícil de ser aceita pelas famílias porque são atividades de viagens e o celular acaba sendo sinônimo de controle e segurança aos pais. No entanto, acreditamos que todos os momentos pedagógicos devem seguir as normas da instituição, não importando o local do aprendizado. Assim, com muito diálogo com as famílias, adotamos a medida e hoje todos reconhecem a diferença no aprendizado e nas relações humanas de nossos alunos”, conclui a diretora pedagógica.
O resultado percebido após um semestre sem celular é que os almoços e intervalos passaram a ter mais vida e dinâmica e os próprios alunos passaram a organizar atividades em grupo como partidas de xadrez e damas. Se “desplugar” passou a ser uma opção bem-vinda, que trouxe novas possibilidades de trocas e aprendizados.
A partir deste mês de agosto, novas atividades estão sendo apresentadas, como o incentivo para que os alunos toquem seus instrumentos musicais nos intervalos, e a criação de um clube do livro apenas para os adolescentes e jovens da instituição para estimular que os livros físicos dominem as mãos tão hábeis em dar cliques.
Resultados positivos em escola de São Paulo: decisão é para todos
Na Escola Lourenço Castanho, rede privada de Ensino Infantil, Fundamental e Médio de São Paulo, a proibição entrou em vigor neste ano com resultados já considerados “muito positivos”. No comunicado distribuído no fim do ano letivo de 2023, a escola informou que, a partir deste ano, os alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais (1º ao 5º ano) não poderiam levar o celular para a escola.
Estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) só podem usar o aparelho nos horários de entrada e saída e a proibição se estende a todo o período de aulas, incluindo o intervalo. Para os alunos do Ensino Médio, a escola autoriza o uso do celular apenas durante o período do lanche, por razões de autonomia progressiva. A regra também vigora entre professores, educadores, inspetores e colaboradores, que não podem mais usar o dispositivo nos espaços de aprendizagem nem nos corredores.
Os alunos encararam melhor do que a gente imaginava e avaliamos como uma decisão acertada. Ao longo do ano passado, discutimos com toda a comunidade escolar a presença desses dispositivos nos espaços da escola, inclusive com o apoio de psicólogos e especialistas em educação. Acreditamos que a transição esteja sendo suave e tendo boa aceitação por ser o resultado de um processo construído conjuntamente”, diz Daniela Coccaro, diretora do Ensino Médio da Escola Lourenço Castanho,
Mundo está proibindo o celular na aula
Para Daniela, a medida vai ao encontro de um movimento adotado por algumas escolas em países considerados referência em educação, como Finlândia e Suécia.
“Já antes da pandemia o uso exacerbado do celular chamava a atenção pela distração gerada em sala de aula quando usado sem mediação adequada e por seus impactos nas relações humanas. Hoje, após um longo período de confinamento compulsório, em que as interações foram maciçamente conduzidas por meio de telas, ainda vivemos um momento de resgate e reconstrução da convivência presencial coletiva.”
Para reforçar o convívio e oferecer alternativa ao celular, a escola promove atividades no intervalo, como oficinas de trabalho manual e de criatividade. “Tomamos esse cuidado principalmente com os alunos mais novos, para promover momentos de integração e fortalecer vínculos que o celular amorteceu”, segundo Daniela.
Parceria família-escola
Para que a medida funcione, as famílias precisam se envolver. A escola criou e está aplicando as regras com base nas consultas à comunidade escolar, mas os pais precisam apoiar a decisão chamando a atenção dos filhos quando eles descumprem o combinado, disse a diretora.
Os alunos precisam de limites claros e francos, embasados em argumentos. É o que fazemos na escola e, como nas demais propostas educacionais, o apoio das famílias faz toda a diferença.”
Celulares e alunos: uma combinação que pode dar certo
Na Escola Vereda, o modelo adotado é de autorização parcial: dentro das salas e em período de aulas, os dispositivos móveis pessoais não podem ser utilizados de nenhuma maneira. Na hora do intervalo é permitido. No entanto, os alunos se deparam com cartazes espalhados nas paredes, informações de qualidade sobre saúde mental, alertas e espaços para conversas e instruções.
Além disso, a escola passou a promover o que chama de competições saudáveis: colocou mesa de pingue-pongue no pátio, pebolim, fazemos gincanas de convivência, música, liberamos a quadra para esportes durante o intervalo.
O estudante pode utilizar o celular, resolver alguma coisa com os familiares, enfim. Mas, ao mesmo tempo, ele vai perceber que outras coisas estão acontecendo ao redor. O grande objetivo como instituição é aproveitar oportunidades para educar: a tecnologia está onipresente e a gente quer que as crianças se desenvolvam de maneira saudável”, diz Arthur Buzatto, presidente da Escola Vereda.
Ele destaca a complexidade da questão. Ele aponta que a tecnologia se tornou uma realidade nas escolas, mas também ressalta a necessidade de garantir o desenvolvimento cognitivo e social dos alunos.
O que todo mundo quer é que as crianças tenham ambientes que colaborem para o seu crescimento. E estamos tendo dificuldades coletivamente. Precisamos debater, enquanto sociedade, quais seriam as medidas justas para que a inclusão e o letramento tecnológico aconteçam sem prejuízo da socialização e do aprimoramento de capacidades previstas para a infância e a adolescência. Não podemos esperar que o equilíbrio aconteça naturalmente.”
Proibir resolve?
Se não criarmos regras rapidamente, muito estrago pode acontecer. Por outro lado, proibir de forma integral me parece também uma perda de oportunidade das escolas de chegar a um equilíbrio para compatibilizar as contradições e necessidades do desenvolvimento infanto-juvenil. A escola é um espaço de educação, por óbvio. Com a regra autoritária, é como se esse espaço estivesse se furtando do compromisso de ajudar o estudante a aprender, lidar com as questões da vida e encontrar seu ajuste”, reflete Buzatto.
Com Assessorias