O câncer de boca mata cerca de cinco mil brasileiros anualmente – são mais de 13 mortes por dia. Por isso, é essencial difundir conhecimentos sobre os fatores de risco e de como esse tipo de câncer se dá na população, alerta o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp) neste Dia Mundial de Conscientização, Prevenção e Combate ao Câncer de Cabeça e Pescoço (27 de julho).
No biênio 2018-2019, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer da cavidade oral já representa a quinta neoplasia com maior incidência em homens, enquanto o câncer de tireoide é o quinto em maior ocorrência entre as mulheres no Brasil.
O tabaco (cigarro) é o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer de boca e, quando associado ao álcool, este risco aumenta ainda mais. O vírus do papiloma humano (HPV) também está relacionado ao câncer da região posterior da boca, nas amígdalas e base da língua.
Já o câncer de lábio aparece frequentemente no lábio inferior e sua principal causa é a radiação solar. A doença ocorre, frequentemente, no lábio, borda de língua, assoalho da boca, e garganta. Além disso, tem maior ocorrência em homens do que em mulheres e atinge principalmente pessoas acima de 40 anos de idade.
O carcinoma epidermóide ou espinocelular, aquele que se encontra no epitélio de revestimento da boca, é o mais comum, representando aproximadamente 90% dos casos, segundo o cirurgião-dentista Fábio de Abreu Alves, integrante da Câmara Técnica de Estomatologia do Crosp. Outros tipos de câncer bucal também podem surgir, como o adenocarcinomas, aqueles tumores malignos que se originam nas glândulas salivares, sarcomas e linfomas.
No caso de maior incidência, carcinoma epidermoide, os pacientes dificilmente têm muitas queixas em sua fase inicial. Em geral, os sintomas são facilmente confundidos com pequenas inflamações e tratados de maneira errônea, o que aumenta a taxa de mortes por causa de diagnósticos tardios. Nesse caso específico, as reclamações são sobre desconfortos discretos e ardência.
Feridas no lábios e inchaço na bochecha podem ser sinais
Feridas nos lábios, inchaços na bochecha, perda de sensibilidade, manchas brancas ou vermelhas, dificuldade de mastigar ou engolir alimentos, mudanças na voz, alterações da cor da mucosa da boca e feridas que não cicatrizam são alguns dos sinais mais comuns. Como os principais fatores de risco são tabaco e álcool, não fumar e consumir moderadamente bebidas alcoólicas são as formas básicas de prevenção.
“Devemos também nos preocupar em manter a higiene da boca e ter alimentação saudável, consumindo frequentemente frutas e verduras”, afirma o cirurgião-dentista. “Qualquer alteração que o paciente perceber é razão para procurar um cirurgião-dentista. O estomatologista é o principal especialista para diagnóstico das doenças da boca”, explica Alves.
Nos tumores de cavidade oral e faringe, os principais sinais que devem ser observados são: lesões que não cicatrizam por mais de 15 dias, manchas vermelhas ou esbranquiçadas na língua, gengivas, céu da boca e bochecha, nódulos no pescoço e rouquidão persistente.
“Nos casos mais avançados, observamos dificuldade na fala, mastigação e ato de engolir, além da sensação que há algo preso na garganta”, esclarece Marcos Loreto, diretor Técnico Médico da Omint e cirurgião de Cabeça e Pescoço.
Dessa forma, para que a neoplasia seja detectada e diagnosticada da forma mais precoce possível, sugerimos que observem e procurem um cirurgião de cabeça e pescoço assim que notarem qualquer ferida na boca e garganta que não cicatriza há mais de 15 dias.
Quanto à tireoide, explica, a presença de nódulo endurecido, associado a gânglios aumentados no pescoço ou ao sintoma de rouquidão pode ser indicação de um tumor maligno na região.
Aumento de casos por HPV
Além dos já conhecidos riscos provocados pelo consumo de bebidas alcoólicas e do cigarro, novos estudos publicados pelo Johns Hopkins Oncology Center, nos Estados Unidos, mostram que o papiloma vírus, o HPV, é um dos fatores que predispõem ao desenvolvimento de cânceres.
“Nos últimos anos, principalmente no território da faringe, houve um aumento importante de tumores relacionados ao papiloma vírus, que conhecemos como HPV, e é o mesmo que afeta colo do útero e pênis. Isso fez incluir nas campanhas de prevenção ao câncer de cabeça e pescoço a conscientização ao sexo seguro, já que a transmissão do vírus se faz pela pratica do sexo oral, principalmente em pessoas com múltiplos parceiros”, afirma Dr Loreto.
Embora existam mais de 100 tipos, são principalmente os subtipos 16 e 18 que chamam a atenção. “Eles estão associados principalmente aos tumores da orofaringe (amigdala) em pacientes mais jovens, ao redor dos 40 anos. Muitos deles nunca fumaram e não são etilistas pesados”, aponta o cirurgião do HCor. “Porém, é importante destacar que o HPV, em menor proporção, também protagoniza tumores na laringe e na cavidade bucal, como língua e gengiva”, acrescenta Marco Aurélio Kulcsar, cirurgião de Cabeça e Pescoço do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.
Uma característica que diferencia o câncer causado pelo HPV: ele, em geral, é menos agressivo localmente. Porém, pode cursar com comprometimento dos linfonodos do pescoço, as chamadas metástases cervicais, de maneira mais rápida que os tumores induzidos pelo cigarro e pelo álcool.
No entanto, estes tumores são mais sensíveis às terapias, sejam elas cirúrgicas ou não (radioterapia ou quimioterapia).
O prognóstico de cura é mais otimista. Os pacientes respondem melhor aos tratamentos. Quando diagnosticado em estágio inicial, a possibilidade de cura pode chegar a 90%”, explica Dr. Kulcsar.
No início da doença, sintomas são discretos
Os cânceres de cabeça e pescoço são aqueles localizados nas regiões da cavidade oral, faringe, laringe e amígdalas. eles atingem boca, língua, palato mole e duro, gengivas, bochechas, amígdalas, faringe, laringe, esôfago cervical, tireoide e seios paranasais. Esses tumores podem ser assintomáticos no princípio da doença.
O diagnóstico das lesões iniciais é fundamental para garantir que os índices de cura se aproximem de 100%. Com o seu desenvolvimento, alguns sinais e sintomas podem aparecer, como manchas brancas na boca, dor local, lesões com sangramento ou cicatrização demorada, nódulos no pescoço, mudança na voz e rouquidão, e dificuldade para engolir.
“Por estas razões, nosso objetivo é alertar sobre os fatores de risco, muito presentes entre a população brasileira, e falar da importância do diagnóstico precoce. Em 60% dos casos, a doença já está mais avançada quando é descoberta”, destaca a presidente e fundadora da ACBG Brasil, Melissa Medeiros.
O diagnóstico precoce é importante aliado do tratamento. As chances de cura são maiores se a doença for detectada no início. Com o autoexame, por exemplo, é possível e identificar se existem feridas na boca que não cicatrizam há mais de duas semanas ou inchaços no pescoço.
“Mais de 95% dos tumores de cabeça e pescoço podem ser tratados de forma simples, se forem diagnosticados em estágios iniciais. Quanto mais precoce o tratamento é realizado, menos agressivo e mais eficaz ele é, deixando menos sequelas”, diz o cirurgião.
“Uma equipe multidisciplinar composta por médicos oncologistas, cirurgiões de cabeça e pescoço, cirurgiões bucomaxilofacial, radio-oncologistas, além de psicólogos, nutricionistas e fonoaudiólogos, são capazes de oferecer atenção adequada em todas as fases da doença”.
Terapias mais eficientes e menos agressivas
O médico ainda esclarece que os tumores de cavidade oral, se diagnosticados no início e tratados de forma adequada, a maioria dos casos – que pode chegar a até 80% – é curável. “Normalmente, o tratamento inclui cirurgia e radioterapia, tanto de forma isolada quanto associada. Os dois procedimentos têm bons resultados nas lesões iniciais, que são aquelas restritas ao local de origem. A indicação clínica depende localização do tumor e das alterações funcionais que podem ocorrer durante o tratamento”, esclarece Dr. Loreto.
Além das terapias tradicionais, nos últimos anos algumas drogas promissoras têm conseguido melhorar o prognóstico dos pacientes, com uma ação mais eficiente e menos agressiva ao organismo, como as imunoterapias e terapias-alvo. A conscientização sobre essas doenças também reforça o trabalho de entidades como a ACBG, pelo maior acesso a tratamentos inovadores e suporte ao paciente pós-terapias.
O tratamento será determinado de acordo com a localização e o estágio da doença. “Para cada caso desenvolvemos um tratamento específico que pode combinar a cirurgia para a retirada do tumor, quimioterapia e a radioterapia”, salienta Andrey Soares, oncologista do Centro Paulista de Oncologia – Grupo Oncoclínicas. A conduta do tratamento sempre vai depender de cada caso, entre as opções estão cirurgia, radioterapia ou ambos, associados ou não a quimioterapia.
Atualmente, foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o uso de terapia que estimula a resposta do sistema imunológico, capaz de aumentar a taxa de sobrevida e melhorar a qualidade de vida dos pacientes com a doença em estágio avançado.
Tumores da tireoide crescem entre honens
Quanto ao câncer na tireoide, o tratamento normalmente é cirúrgico. A retirada total ou parcial do órgão, conforme o caso, costuma ser o tratamento de escolha. “O tratamento dos carcinomas bem diferenciados, como o papilífero, que é o mais frequente, depende das características do tumor, como tamanho, invasão de estruturas, presença de lesão fora da tireoide, além do sexo e idade do paciente”, explica o médico.
Segundo ele, esses fatores indicarão a extensão da cirurgia e a necessidade da complementação terapêutica ou não com o iodo radioativo. Já os outros tumores malignos da tireoide deverão ser tratados com a tireoidectomia total, com ou sem esvaziamento cervical ganglionar, a depender do tipo de tumor.
Dr. Loreto ainda complementa que, em casos de cânceres que apresentem disseminação para gânglios no pescoço, o tratamento do tumor primário deve ser associado à retirada deles de maneira sistemática, que é o esvaziamento cervical ganglionar. A complementação terapêutica com o iodo radioativo deve ser sempre considerada em pacientes com carcinomas bem diferenciados, classificados como de alto risco e submetidos à retirada total da tireoide.
“Estamos tratando tumores cada vez mais precoces – muitos deles menores que 1cm, o que não ocorria há 15 ou 20 anos atrás. No HCor observamos, também, em virtude do grande número de pacientes do sexo masculino, por serem estes os mais afetados por doenças cardiovasculares, a realização de ultrassonografia de tireoide de rotina, que tem diagnosticado um número significativo de casos de câncer de tireoide em homens”, explica Fábio Roberto Pinto, cirurgião de Cabeça e Pescoço do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.
A incidência de câncer de tireoide em homens é maior do que estimávamos no passado. “Dos casos operados pela nossa equipe no HCor neste ano, 42% foram em pacientes do sexo masculino, proporção que excede significativamente os números do INCA, por exemplo. A boa notícia é que a maioria desses tumores tem expectativa de cura superior a 95% com tratamento cirúrgico adequado, principalmente os casos diagnosticados em estágio inicial”, diz Dr. Fábio Pinto.
Exposição à radiação ou excesso de iodo na comida
O único fator de risco bem conhecido é a exposição à radiação. “Nas regiões que historicamente foram expostas à radiação, como Hiroshima e Nagasaki no Japão, e a área vizinha ao acidente nuclear de Chernobyl, observou-se um aumento significativo da incidência do carcinoma de tireoide anos depois do episódio nuclear ambiental”, comenta Fábio Pinto. No entanto, existem outros fatores associados como herança familiar e a alta incidência de processos inflamatórios crônicos na tireoide – as chamadas tireoidite autoimunes na população.
Nos últimos anos observamos um aumento da incidência de câncer de tireoide na população mundial, explicada em parte pelo aumento dos casos de tireoidite autoimune que, por sua vez, pode estar associada com uma ingestão exagerada de iodo adicionado ao sal de cozinha. Outro fator importante para o aumento da incidência do câncer de tireoide é o aumento do diagnóstico em virtude do maior número de ultrassonografias de tireoide atualmente realizadas na prática clínica.
Principais números
O câncer de cabeça e pescoço tem uma incidência mundial ao redor de 700 mil casos por ano, com uma taxa de mortalidade também alta, de aproximadamente 350 mil casos por ano. De acordo com o relatório Globocan de 2012, a doença ocupa a nona posição mais prevalente no ser humano. Dos cânceres da região de Cabeça e Pescoço, o mais frequente é o de boca. Mas não podemos esquecer o de faringe, laringe, glândulas salivares, seios paranasais e o da glândula tireoide – mais frequente nas mulheres.
Entre os homens, o câncer da cavidade oral ocupa o quinto lugar no ranking dos cânceres mais prevalentes. A falta de informação é um entrave para o diagnóstico precoce. No Brasil, 70% dos pacientes apresentam estágio avançado da doença. “Um nódulo persistente no pescoço, dificuldades para engolir, lesão na boca que não cicatriza e rouquidão prolongada são alguns dos sinais e sintomas para o câncer de cabeça e pescoço”, elenca Fábio Roberto Pinto, cirurgião de Cabeça e Pescoço do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.
Segundo o Inca, o número de novos casos de câncer da cavidade oral estimado para o Brasil, somente neste ano, é de 15.490, sendo 11.140 casos em homens e 4.350 em mulheres. Já para os tumores de laringe, espera-se 7.350 casos, destes 6.360 em homens e 990 em mulheres. Enquanto que para os casos de câncer de tireoide projeta-se 6.960 novos casos, sendo 1.090 em homens e 5.870 em mulheres. Projeções a longo prazo da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que haverá 27 milhões de novos casos de câncer em 2030.
Os números refletem o dia a dia do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do HCor. “De janeiro a junho deste ano foram realizados 86 procedimentos cirúrgicos para a retirada de tumores e outras doenças na região da cabeça e do pescoço pela nossa equipe. Destes, a retirada total da glândula tireoide e dos gânglios linfáticos do pescoço por câncer são as cirurgias mais frequentes, com um total de 40 cirurgias, sendo 17 cirurgias em homens (o que representa 42%) e 23 cirurgias em mulheres (58%). O tratamento de tumores das glândulas salivares, paratireoides, cavidade oral, faringe e laringe fazem parte da nossa prática rotineira no HCor”, conta Dr. Fábio.
Como prevenir
Para prevenir o câncer de cabeça e pescoço é importante manter uma dieta rica em frutas, verduras e legumes, manter a higiene bucal, evitar o tabagismo e o consumo de álcool em excesso, e usar camisinha ao praticar sexo oral.
Também é importante estar atento aos sintomas como feridas na boca que não cicatrizam, sangramento espontâneo da parte interna da cavidade bucal, manchas brancas ou vermelhas, rouquidão contínua e mudanças no tom de voz e nódulos na região do pescoço.
Da Redação, com assessorias