Em um exame de Papanicolau, o médico suspeitou que algo estava errado. Havia um pequeno sangramento no colo do meu útero, imperceptível no dia a dia. Realizei outros testes, que confirmaram o câncer de colo do útero”.

O relato é da analista de marketing Luciana Garcia de Sousa Gouvêa, de 50 anos, que realizava o exame de Papanicolau todos os anos, por orientação da sua médica. Para ela, receber e descobrir que estava com o câncer de colo de útero foi um susto, pois no ano anterior, o exame teve resultado negativo.

Como a doença estava no começo, meu tratamento foi cirúrgico e, agora, sigo em acompanhamento médico. Conto a minha história para alertar outras pessoas sobre a importância do autocuidado e de realizar os exames de rotina corretamente”, reforça Luciana, que realizou a retirada do tumor em 2018.

A doença é tema da campanha Janeiro Verde, cujo objetivo é a conscientização, já que, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Brasil, é o terceiro câncer mais frequente em mulheres. Em 2023, a entidade estima17 mil novos diagnósticos: em torno de 13,25 casos a cada 100 mil mulheres.

Fernanda Proa, oncologista do Vera Cruz Hospital, explica que a patologia é uma proliferação anormal de células que se desenvolve na parte mais inferior do órgão, na região do fundo vaginal.

A infecção é causada pelo papilomavírus humano, mais conhecido como HPV, que é altamente contagioso e pode ser contraído após uma única exposição. Existem mais de 40 tipos de HPV de mucosa genital e cerca de 15% são oncogênicos, ou seja, podem levar ao desenvolvimento do câncer”, esclarece.

A contaminação pode atingir tanto homens quanto mulheres e, na maioria das vezes, não apresenta sintomas. Em alguns casos, segundo Fernanda, pode ficar latente de meses a anos, sem se manifestar. Apesar do contágio do HPV ser extremamente comum, poucos casos se transformam em câncer.

A maioria das infecções em mulheres é solucionada pelo próprio organismo, em um período aproximado de 24 meses, e estima-se que cerca de 70% a 80% dos adultos sexualmente ativos contraiam HPV antes dos 50 anos. A maioria das infecções é transitória, e o vírus sozinho não é suficiente para causar o câncer. Quando a infecção persiste, o tempo estimado para a infecção levar a uma lesão pré-cancerígena é de cerca de 15 anos”, detalha.

Ao longo dos anos, entretanto, o câncer de colo de útero pode apresentar sintomas, que, segundo Carlos Eduardo Godoy Júnior, oncoginecologista do Vera Cruz Hospital, são facilmente confundidos com outro distúrbio.

A paciente pode ter sangramento vaginal irregular, corrimento anormal, sangramento após as relações sexuais e dores pélvicas, que podem estar associadas a sintomas urinários ou intestinais”, classifica.

O rastreamento em mulheres entre 25 e 64 anos de idade é feito pelo exame de Papanicolau. Após dois exames consecutivos anuais com resultado normal, o intervalo passa a ser a cada três anos. Quando há resultado positivo, 40% dos casos são ‘localizados’, 34% são ‘regionalmente extensos’ e 15% são ‘à distância, metastáticos.

Atividade sexual precoce e vários parceiros

médica oncologista Janaína Jabur, da Aliança Instituto de Oncologia, explica que os riscos para o desenvolvimento do câncer de colo do útero incluem o início de atividade sexual precoce e vários parceiros, o tabagismo e, ainda, o uso prolongado de anticoncepcionais.

Essa é uma doença de crescimento lento, então muitas vezes a mulher não tem sintomas na fase inicial, por isso, é de extrema importância fazer os exames de prevenção com frequência”, destaca a médica.

Ela complementa que nas fases mais avançadas, a mulher pode ter sangramento vaginal intermitente, dor na barriga, dor ao urinar, secreção vaginal com cheiro forte, entre outros indícios”, exemplifica.

Conforme a especialista, o tratamento vai depender da fase do diagnóstico, mas pode envolver quimioterapia e radioterapia e até cirurgia. “Ele será individualizado conforme a extensão da doença. O tratamento geralmente é coordenado pelo oncologista que vai dizer qual é a melhor sequência no momento da descoberta”, afirma.

“O tratamento do câncer pode afetar temporariamente ou permanentemente a fertilidade da mulher, dependendo do tipo e estágio. Há diferentes tratamentos para lesões pré-cancerosas e para o câncer em estágios iniciais, especialmente para mulheres que desejam manter a fertilidade. Esses tratamentos podem causar problemas como aborto espontâneo ou parto prematuro. Tratamentos mais intensos, como radioterapia e quimioterapia, podem prejudicar o útero e os ovários, levando à infertilidade.

O HPV também afeta homens, podendo causar cânceres como o de pênis e ânus. Homens inférteis têm mais chances de ter o vírus HPV no sêmen, o que pode afetar a qualidade do esperma e aumentar o risco de aborto espontâneo.

Felizmente, existe uma boa chance de erradicar o câncer de colo de útero com a vacinação contra os principais tipos de HPV e exames regulares para detectar lesões pré-cancerosas. A Organização Mundial da Saúde propõe que até 2030, 90% das meninas sejam vacinadas contra o HPV até os 15 anos. A vacinação, junto com campanhas de prevenção e uso de preservativos, é a melhor forma de prevenir a infecção pelo HPV e seus efeitos, tanto em homens, quanto em mulheres”. – Dra. Marise Samama, ginecologista e presidente da AMCR (Associação Mulher, Ciência e Reprodução Humana do Brasil)

Impactos na qualidade de vida da mulher

Segundo Fernanda Proa, por ter características anatômicas e funcionais importantes para a saúde da mulher e o feminino, diagnóstico e tratamento podem impactar na qualidade de vida da mulher.

 O tratamento pode interferir em questões relacionadas à maternidade, disfunções sexuais, intestinais e urinárias, assim como também trazer repercussões emocionais relacionadas a medo de recorrência, distúrbios de imagem corporal e transtornos de humor. É necessário um cuidado coordenado que possa atender a todas essas dimensões, sempre com acompanhamento multiprofissional”, detalha.

É possível ter filhos após o câncer de colo do útero?

Carlos Godoy salienta que, com os avanços da medicina, dependendo do caso, há possibilidade de realizar uma cirurgia preservadora de fertilidade, se a paciente tiver o desejo de gestar um filho.

O tratamento cirúrgico é indicado nos estágios iniciais, enquanto que a quimioterapia e a radioterapia podem ser indicadas em estágios mais avançados. Os índices de sucesso superam 90% nas fases iniciais, reduzindo progressivamente à medida em que a doença se encontra em estágios mais avançados”.

Prevenção

A vacina contra o HPV faz parte da estratégia de prevenção e tem objetivo de produzir anticorpos capazes de combater o vírus, o subsequente desenvolvimento de lesões pré-cancerígenas e o câncer de colo uterino propriamente. “Hoje, faz parte do calendário nacional de vacinação e deve ser administrada em meninas e meninos de nove a 14 anos. Por se tratar de uma doença sexualmente transmissível, também se faz necessário o uso de preservativo”, esclarece Godoy.

“A vacinação de adolescentes é utilizada hoje em mais de 100 países e pode, num futuro próximo, extinguir a infecção pelo HPV e até mesmo o câncer de colo uterino relacionado”, adiciona Fernanda Proa.

 

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