A morte materna escancara um grave retrocesso na saúde sexual e reprodutiva de mulheres no Brasil, principalmente durante a pandemia de Covid-19, em que seus índices atingiram o patamar de duas décadas atrás, distanciando o país dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em 2021, dados do Ministério da Saúde mostram que a cada 100 mil bebês nascidos vivos, 107 mulheres morreram.
A morte materna é definida como morte de mulheres durante a gravidez ou até 42 dias após o término da gestação, sendo suas principais causas complicações obstétricas, relacionadas a gestação e ao puerpério ou devido aos tratamentos disponibilizados e omissões. Essas características se encaixam na denominação de morte materna obstétrica direta, que consta no Manual dos Comitês de Mortes Maternas, e no Brasil é a responsável pela elevação do número de óbito entre mulheres, que poderiam ser evitadas com acompanhamento e assistência adequada.
Estudos mostram que 40% a 50% das causas podem ser consideradas evitáveis. Entre os principais fatores de risco para morte materna estão a hipertensão (pré-eclâmpsia e eclampsia), doenças crônicas agravadas durante a gestação, a obesidade, os abortos inseguros, as complicações no parto, as hemorragias graves e as infecções pós-parto.
A hemorragia pós-parto é uma das principais causas de mortalidade materna no mundo. No Brasil ela ocupa o segundo lugar, perdendo apenas para a hipertensão arterial, que pode levar a quadros graves de pré-eclâmpsia e eclâmpsia. Esse tipo de hemorragia é caracterizado como a perda sanguínea maior que 500 ml no pós-parto vaginal ou maior que 1000 ml na cesariana.
“Vários fatores podem contribuir para o aumento da hemorragia pós-parto, como o atraso na identificação e tratamento de complicações obstétricas, condições de saúde preexistentes como anemia, coagulopatias, ou hipertensão têm maior risco de desenvolver hemorragia pós-parto”, destaca Eduardo Cordioli, diretor médico de Obstetrícia do Grupo Santa Joana.
Segundo ele, o sangramento pós-parto existe e é conhecido como lóquio, que pode durar algumas semanas e é caracterizado por saídas de sangue como a menstruação, o que é considerado normal. Quando a quantidade é excessiva pode ser um sinal de hemorragia, portanto sua causa deve ser identificada e o tratamento deve ocorrer o mais rápido possível.
“Durante a pandemia vimos aumento dos quadros hipertensivos durante a gestação, muito relacionado ao status pró-inflamatório após a infecção viral, além da falta de acesso a cuidados pré-natais de qualidade”, destaca o especialista.
Mais incentivo ao parto vaginal e menos cesáreas
Para enfrentar o aumento da hemorragia pós-parto e seu impacto na mortalidade materna, é necessário adotar estratégias eficazes, como incentivar o parto vaginal quando possível, trazendo a conscientização sobre os riscos associados às cesáreas repetidas que podem contribuir para a redução das taxas de hemorragia pós-parto.
Eduardo Cordioli também enfatiza a necessidade de promoção da saúde materna e conscientização com o intuito de desenvolver campanhas sobre os sinais de alerta e a importância de buscar atendimento médico imediato em caso de complicações.
Como estratégia de prevenção, o pré-natal deve ser priorizado e considerado como parte fundamental dos cuidados com a mãe e o bebê. Somente com acompanhamento de qualidade, com equipes capacitadas que promovam e conscientizem sobre a saúde materna é possível verificar precocemente fatores de risco e prevenir complicações futuras.
“É preciso aperfeiçoar o acompanhamento pré-natal, garantindo que as gestantes tenham acesso a um cuidado pré-natal de qualidade, identificando e controlando condições de saúde que possam aumentar o risco de hemorragia”, complementa Cordioli.
O obstetra também chama atenção sobre outros pontos importantes para reduzir a hemorragia pós-parto: implementação de protocolos e diretrizes clínicas baseados em evidências para a prevenção e o manejo da hemorragia pós-parto, incluindo a utilização de medicamentos profiláticos, os ditos uterotônicos, bem como a monitoração de sua eficácia.
Também é necessário melhorar a capacitação dos profissionais de saúde oferecendo treinamento contínuo e atualizado aos profissionais da saúde para a identificação precoce e o tratamento adequado das complicações obstétricas, incluindo a hemorragia pós-parto.