hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade, com relatos de casos desde 600 a.C.. Apesar disso, ela ainda é um grave problema de saúde pública, especialmente no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país possui a maior carga dessa enfermidade na América e a segunda maior no mundo (ficando abaixo somente da Índia). Ao todo, de 2016 a 2020, foram diagnosticados 155,3 mil casos – dos quais 19,9 mil com grau 2 de incapacidade física, que é o mais grave.

Para a dermatologista Priscila Chaves,hanseníase tem um quadro preocupante no Brasil. “E a tendência é piorar, caso não tenhamos medidas de saúde pública eficientes, que proporcione o tratamento precoce dos doentes. Só assim conseguiremos controlá-la e evitar as sequelas, que muitas vezes são incapacidades neurológicas nos membros, que limitam a pessoa de exercer suas atividades diárias, podendo levar a invalidez”, salienta.

A doença, que já foi chamada de lepra, foi renomeada devido ao estigma associado ao termo. A hanseníase é causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae, também conhecida como bacilo de Hansen, que afeta principalmente nervos periféricos e a pele. As complicações da enfermidade podem levar a incapacidades físicas, principalmente nas mãos, pés e nos olhos.

Dia Mundial de Luta Contra a Hanseníase é sempre no último domingo de janeiro, mês que ganha a cor roxa para alertar sobre o tema. Para a OMS, a hanseníase é uma doença negligenciada e a especialista do Órion Complex aponta os motivos.

“Por ser contagiosa, é muito presente na população mais carente e em famílias que convivem com muitas pessoas aglomeradas na mesma casa. É preciso investimentos públicos em saúde e melhoria das condições sociais. A OMS considera que a doença está alastrada devido a falta de atenção das autoridades quanto a essa situação. A aplicação de verbas adicionais pode salvar vidas e  acabar com o sofrimento”.

Sintomas: alerta para aparecimento de manchas


Priscila Chaves detalha quais sinais as pessoas devem se atentar sobre a hanseníase. “O mais frequente é o aparecimento de manchas únicas ou múltiplas na pele, com alteração de sensibilidade. Inchaço nas mãos e pés e dormência ou dor nas extremidades também acontece muito.

Outros sintomas são: alteração ou perda da sensibilidade ao calor e ao frio, fraqueza muscular dos membros, obstrução nasal persistente e até alteração da visão. É comum que as pessoas com hanseníase não sintam queimar a pele no fogão, percam o chinelo ao caminhar, tropeçam frequentemente e machuquem o pé no calçado sem perceberem”, detalha a dermatologista..

Contudo, a doença tem cura. “Se a pessoa completa todo o esquema de tratamento com comprimidos, conforme proposto pelo médico de acordo com cada caso, ela é curada. As cartelas do medicamento são oferecidas gratuitamente pelo SUS nos postos de saúde, assim como todo o acompanhamento, consultas e exames. Caso tenha demorado a procurar ajuda e tenha ficado alguma sequela, ele precisará de reabilitação, também oferecida pelo SUS”, detalha a especialista.

O preconceito em relação à hanseníase ainda existe, mas a médica diz que isso vem diminuindo com o passar do tempo. “Com o  melhor conhecimento sobre a transmissão, que só se pega após um contato muito próximo e frequente (ou seja, pessoas do convívio diário), começou a desmistificar a hanseníase. Outro fato importante é que com o tratamento precoce e disponível no SUS reduziu-se muito o número de sequelas graves. A doença não é só dos mais pobres, pode acontecer em qualquer pessoa. Por isso é importante orientar toda a população”, ressalta Priscila Chaves.

Considerada uma doença infecciosa crônica, a hanseníase, conhecida antigamente como lepra e rodeada de preconceitos, é causada pela bactéria Mycobacterium leprae – ou bacilo de Hansen, que se reproduz lentamente, levando entre 5 a 10 anos para se manifestar. Atinge principalmente os nervos periféricos e está associada a lesões cutâneas, como manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, ressecamento e perda de sensibilidade.

“Essa doença deve ser levada a sério”, diz especialista

De acordo com o Boletim Epidemiológico de Hanseníase do Ministério da Saúde, o Brasil apresentou 15.155 novos diagnósticos de hanseníase em 2021, índice abaixo do registrado em 2020, de 17.979, mas que confere ao país, segundo a OMS, o posto de 2º lugar em todo o mundo em número de casos.

O enfermeiro infectologista e coordenador do serviço de controle de infecção hospitalar do HSANP, Milton Alves Junior, explica que a baixa não deve ser considerada como diminuição do contágio, mas sim, a ausência de diagnóstico no período da pandemia. “Houve uma diminuição de aproximadamente 50% de detecção da doença, impulsionado pelos problemas gerados no acesso à saúde nos últimos 2 anos. É preocupante, pois essa doença deve ser levada a sério”, afirma.

A boa notícia é que, quando identificada e tratada precocemente, a doença tem boas chances de cura. “No entanto, se o paciente não buscar tratamento, pode ter sequelas para o resto da vida, como limitações físicas, fraqueza muscular e até a perda do movimento da mão”, explica o especialista.

Diagnóstico, transmissão e tratamento

O diagnóstico no estágio inicial é primordial para a cura e para impedir a disseminação da bactéria. A análise clínica deve ser feita para verificar a incidência, além da realização de um exame de baciloscopia do raspado intradérmico, que é necessário para identificar a presença de bacilos. O infectologista acrescenta ainda que, em caso positivo, logo no início do tratamento é possível cessar a transmissão da doença.

A transmissão ocorre quando um paciente infectado e sem tratamento elimina o vírus e passa para outra pessoa. A propagação se dá pelo contato com secreções oriundas de vias respiratórias como tosse, espirro e pela utilização de objetos contaminados, ou pelo contato muito próximo e prolongado com o doente.

O tratamento da hanseníase é feito por meio da poliquimioterapia (PQT), uma associação de antibióticos com a função de combater a bactéria, por um período de um a seis meses, podendo ser prolongado, e é disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Palavra de Especialista

Janeiro Roxo traz reflexão sobre doença, saúde e políticas públicas

Por Theodoro Habermann Neto (*)

A hanseníase (lembrada este mês pelo Janeiro Roxo, pela luta e conscientização) é uma das doenças mais antigas da humanidade e já havia sido comprovada em múmias do Egito antigo. Há, inclusive, relatos na Bíblia, no livro de Levítico, e os sacerdotes tinham que isolar e fazer a purificação das pessoas acometidas. As referências mais remotas datam de 600 a.C. e procedem da Ásia, que, juntamente à África, são consideradas o berço da patologia infecciosa de evolução longa e causada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen (em memória de seu descobridor, o médico Gerhard Armauer Hansen).

O microrganismo acomete, principalmente, a pele e os nervos das extremidades do corpo. Embora seja uma doença basicamente cutânea, pode afetar os nervos periféricos, os olhos e, eventualmente, outros órgãos. O período de incubação pode durar de seis meses a seis anos.

A transmissão ocorre por meio de convivência muito próxima e prolongada com o doente, através de contato com gotículas de saliva ou secreções do nariz, da forma transmissora chamada multibacilar, que não se encontra em tratamento. Os sintomas aparecem, primordialmente, nas extremidades das mãos e dos pés, no rosto, orelhas, nádegas, costas e pernas. São manchas esbranquiçadas, amarronzadas ou avermelhadas, com perda de sensibilidade ao calor, ao toque e à dor. É possível uma pessoa queimar a pele na chama do fogão ou em uma superfície quente e sequer perceber.

A sensação de formigamento também é um sinal da doença, cujos sintomas podem aparecer de diversas formas: sensação de fisgada, choque, dormência e formigamento ao longo dos nervos dos membros; perda de pelos em algumas áreas e redução da transpiração; redução de força na musculatura das mãos e dos pés; e caroços no corpo, em alguns casos avermelhados e dolorosos.

É importante lembrar que há cura para a hanseníase e os medicamentos são distribuídos gratuitamente nas unidades básicas de saúde (UBSs) pelo SUS. O tempo de tratamento pode variar entre seis (em pacientes que têm a forma mais branda da doença) e 12 meses (aqueles com o tipo mais grave).

O tratamento é longo, mas eficaz se não for interrompido, sendo muito importante segui-lo à risca para eliminar completamente os bacilos. O diagnóstico precoce, o tratamento oportuno e a investigação de contatos que convivem ou conviveram, residem ou residiram, de forma prolongada com o paciente são as principais formas de prevenção. Portanto, fica o alerta para sempre procurar um especialista da Sociedade Brasileira de Dermatologia para investigar quaisquer tipos de lesão ou sintomas.

Outros pontos importantes a serem discutidos sobre a transmissão milenar da hanseníase são moradia e saneamento básico, que também deveriam ser amplamente discutidos pelo Janeiro Roxo, já que as condições precárias favorecem a ação da Mycobacterium leprae.

Segundo dados da 14ª edição do Ranking do Saneamento, publicado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados, aproximadamente 35 milhões de pessoas vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto no Brasil. Já uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 45 milhões de brasileiros vivem em mais de 14 milhões de domicílios em situação de precariedade. Dentre os principais problemas estão o acesso à água e ao esgoto.

Portanto, além de tratarmos a hanseníase como uma doença, precisamos enxergá-la, ao menos em âmbito nacional, como algo também de natureza sociopolítica. É preciso que o poder público volte o olhar a tais problemas com urgência, não apenas pela dignidade das pessoas, mas também pelo prisma da saúde geral da população. É um dos nossos principais exemplos da necessidade impreterível de começarmos a prevenir para não precisarmos remediar.

* Theodoro Habermann Neto é dermatologista do Vera Cruz Hospital

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