Em meio ao surto epidêmico de dengue, o Ministério da Saúde alerta para os crescentes riscos enfrentados por gestantes e destaca a urgência de medidas preventivas para proteger mães e bebês. O número de casos em gestantes aumentou 345,2% nas seis primeiras semanas deste ano, na comparação com o mesmo período de 2023, segundo dados epidemiológicos divulgados nesta sexta-feira (1º). 

“Este aumento representa um quadro preocupante de saúde pública, considerando o risco elevado de complicações graves, tanto para elas quanto para os bebês. Formas graves da doença, como choque, hemorragias e óbito representam riscos para as gestantes, enquanto as complicações perinatais incluem prematuridade, restrição de crescimento intrauterino e morte fetal”, informou a pasta.

Consideradas grupo de risco para a dengue, as mulheres grávidas estão mais suscetíveis ao desenvolvimento de formas graves da doença, o que pode acarretar sérias consequências para a saúde da mãe e do bebê, incluindo riscos de sangramento obstétrico, aborto e parto prematuro.

Estudo conduzido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e divulgado em 2023 revelou uma descoberta alarmante: mulheres grávidas diagnosticadas com dengue enfrentam um risco cinco vezes maior de desenvolver a forma grave da doença em comparação com aquelas que não estão grávidas.

A pesquisa, analisando mais de 27 mil casos de dengue em mulheres de 2016 a 2019, utilizou dados notificados pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Pesquisas sugerem que a dengue pode estar associada a maior risco de baixo peso ao nascer e até mesmo a morte materna, embora os mecanismos específicos ainda necessitam de mais esclarecimentos.

Febrasgo já fala na ‘pior pandemia de dengue já registrada no país’

A Federação Brasileira de Ginecologia Obstetrícia (Febrasgo) demonstra sua preocupação com a saúde das gestantes e puérperas no atual cenário epidemiológico, que já beira 1 milhão de casos prováveis de dengue, e já fala em previsão de o Brasil enfrentar a pior pandemia de dengue de sua história.

“Sabemos que as gestantes são um grupo de mais risco, pois há maior mortalidade entre gestantes com dengue. Além de sobrecarregar o sistema de saúde, o aumento do número de casos de dengue no país traz riscos à vida dos pacientes. A nossa prioridade é garantir a saúde da gestante e do bebê, por isso atuamos para orientar e capacitar os ginecologistas e obstetras de todo o país”, destaca Maria Celeste Osório Wender, presidente da federação.

Nesta sexta-feira (1), em Brasília, a Febrasgo, em colaboração com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), lança o “Manual de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Dengue na Gestação e no Puerpério”. Estará acessível através dos sites oficiais dos parceiros, ampliando assim o alcance e disponibilidade dessa importante ferramenta informativa para todo o Brasil. Posteriormente, o manual será traduzido para o inglês e o espanhol.

Segundo Maria Celeste, “o guia de orientações é de extrema importância para a saúde pública, especialmente diante do que pode ser a pior pandemia de dengue já registrada no Brasil, com as gestantes e potencialmente as puérperas representando um grupo de alto risco de mortalidade”.

Em recente comunicado, a Sociedade Brasileira de Ginecologia de São Paulo (Sogesp) também alerta para os riscos da dengue durante a gravidez. “A dengue é mais grave em gestantes quando comparado a grupos semelhantes de mulheres não grávidas, estando associada à maior mortalidade materna, fetal e neonatal”, destaca a entidade – confira na íntegra aqui.

Por que o mosquito da dengue ‘prefere’ as grávidas?

O “Manual de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Dengue na Gestação e no Puerpério” foi elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) recém-criado na Febrasgo para tratar do manejo da doença em gestantes e puérperas. Este grupo é composto por 16 especialistas em ginecologia obstetrícia, como Geraldo Duarte, Regis Kreitchmann, Antônio Braga e Roseli Mieko.

Sua missão é abordar de maneira específica a gestão da doença em grávidas e puérperas, com o objetivo de promover a saúde materno-fetal e prevenir complicações relacionadas à dengue. A Febrasgo também planeja realizar diversas iniciativas, como “lives” (a primeira agendada para 5 de março), treinamentos e capacitações presenciais, além do Manual de Manejo de Dengue na Gestação.

O médico ginecologista Antônio Braga, membro da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo, que participou da elaboração do manual, comenta que alguns estudos apontam para a possibilidade de que os mosquitos tenham predileção por picar gestantes, possivelmente devido à variação na temperatura corporal mais elevada e maior concentração de gás carbônico exalado.

“Uma vez infectadas, as gestantes têm maiores chances de apresentar desfechos desfavoráveis em comparação com não gestantes. Portanto, esse grupo é de especial interesse e cuidado. Este protocolo servirá como diretriz abrangente para a prevenção, tratamento e diagnóstico, contribuindo significativamente para a segurança e bem-estar das gestantes e puérperas durante esse período crítico”, enfatiza o especialista.

Sintomas podem variar e levar à morte

Os sintomas da dengue nas gestantes podem variar de forma assintomática a grave, podendo resultar em morte se não diagnosticados precocemente e tratados adequadamente. A presença de febre, juntamente com pelo menos dois outros sintomas – dor muscular, exantema, dor retro-orbital, artralgia, diarréia, náuseas e vômitos – é o principal indicativo de suspeita da doença. Nesses casos, é recomendado iniciar a hidratação imediatamente, aguardando os resultados laboratoriais, incluindo o hemograma.

“Para fazer o diagnóstico correto é importante que o médico ouça a história da paciente. Assim, saberá quando os sintomas começaram e quais exames devem ser realizados. Nos primeiros quatro a cinco dias de sintomas, o certo é fazer o teste de antígeno (NS1 ou o PCR) para avaliar a presença do vírus da dengue. Após esse período, deve-se pedir o exame sérico (IgM e IgG)”, explica Dr Antônio, que também é membro do grupo de trabalho da Febrasgo.

Quanto ao tratamento, como não existem medicamentos específicos para combater o vírus da dengue, nos casos de menor gravidade, quando não há sinais de alarme, a orientação da Febrasgo é repouso e ingestão abundante de líquidos.

“Em situações menos complexas, o acompanhamento ambulatorial é recomendado. Contudo, se o quadro clínico se tornar grave, com a presença de sinais de alarme, a internação é indicada. Em casos de sinais de choque, sangramento ou disfunção grave de órgãos, a paciente deve ser tratada em uma unidade de terapia intensiva”, afirma a Febrasgo.

Principais orientações da Febrasgo às gestantes

  • Gestantes devem priorizar o uso de repelentes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como picaridina, icaridina, N,N-dietil-meta-toluamida (DEET), IR 3535 ou EBAAP. 
  • Repelentes naturais, como óleos caseiros de citronela, andiroba e capim-limão, não têm eficácia comprovada nem aprovação da Anvisa até o momento. 
  • Como não há medicamentos específicos para combater o vírus da dengue, em casos de menor gravidade, sem sinais de alarme, a orientação é repouso e aumento da ingestão de líquidos.
  • Em gestantes com dengue é essencial avaliação diária com repetição do hemograma até 48 horas após o desaparecimento da febre.
  • Para casos mais simples, o acompanhamento ambulatorial é recomendado. Entretanto, se o estado for grave, com sinais de alarme, a internação é indicada.
  • Em situações de choque, sangramento ou disfunção grave de órgãos, a paciente deve receber tratamento em uma unidade de terapia intensiva (UTI).

Dengue hemorrágica, aborto e parto prematuro

Ricardo Bruno, chefe do Serviço de Reprodução Humana do Instituto de Ginecologia da UFRJ e diretor médico da Exeltis Brasil, ressalta que gestantes com diagnóstico de dengue enfrentam uma maior suscetibilidade à forma grave da doença, conhecida como dengue hemorrágica.

Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele explica que durante a gestação, a imunidade da mulher fica comprometida, agravando os sintomas da dengue, e alerta para as possibilidades de aborto e parto prematuro.

“Mulheres grávidas com dengue no primeiro trimestre têm uma taxa de aborto mais elevada em comparação com aquelas sem histórico da doença nesse período. Além disso, ao longo do desenvolvimento fetal, as gestantes com histórico de dengue apresentam taxas mais altas de parto prematuro. Estes fatores destacam a importância de estratégias preventivas e cuidados especiais durante a gestação, especialmente em meio a uma epidemia de dengue”, destaca o médico.

Fernanda Salvador, médica de Família e Comunidade e coordenadora regional do Hospital Digital Vitta, do Grupo Stone, enfatiza que a infecção por dengue durante a gravidez pode trazer complicações graves.  “Existe um risco aumentado de aborto no primeiro trimestre e de parto prematuro no último”, explica.

Vacina contra a dengue não é recomendada para grávidas

Dra Fernanda adverte que é importante buscar assistência médica de imediato ao notar quaisquer sintomas relacionados à doença. O paracetamol pode ser utilizado para aliviar os sintomas, sob orientação médica. Segundo ela, o diagnóstico de dengue pode ser desafiador durante a gravidez devido às mudanças naturais no corpo da mulher.

“A febre é um sintoma chave, mas dores de cabeça, náuseas e moleza também são comuns. É vital que, ao primeiro sinal de febre, especialmente em áreas com surtos da doença, a gestante busque avaliação médica”, alerta a especialista.

Segundo Dra Fernanda, atualmente, as vacinas disponíveis contra a dengue são contraindicadas para gestantes e lactantes, devido à falta de estudos que garantam sua segurança e eficácia neste grupo.

Embora a vacina contra a dengue não seja apropriada para gestantes e lactentes, devido à base imunizante de vírus vivos atenuados, sua administração é aconselhada pela Febrasgo para mulheres que planejam engravidar, assim que houver maior disponibilidade do imunizante.

Segundo a Dra Fernanda, as gestantes devem redobrar a atenção no uso de repelentes como medida preventiva contra a picada do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue. “Usar repelentes aprovados pela Anvisa e vestir roupas que cubram a maior parte do corpo são medidas eficazes”, destaca.

Uso de repelentes: qual o mais indicado para as gestantes?

O aumento dos casos de dengue em todo o país gera uma busca desenfreada por maneiras seguras de se proteger da picada do Aedes aegypti. Nas farmácias, as vendas de repelentes dispararam, bem como seus valores. Segundo a Associação Brasileira de Distribuição e Logística de Produtos Farmacêuticos (Abradilan), algumas redes registraram aumento de até 340% nas vendas entre os meses de novembro de 2023 e janeiro deste ano.

Em meio a esse cenário, gestantes e puérperas têm muitas dúvidas, pois a proteção para essas mulheres precisa ser segura também para seus bebês. Uma das dúvidas mais frequentes é se gestantes e recém-nascidos podem usar repelente.

O médico dermatologista Theodoro Habermann Neto, do Vera Cruz Hospital, em Campinas (SP), esclarece que, segundo critérios da Anvisa, tanto as gestantes quanto os bebês podem usar repelentes, desde que estejam registrados pelo órgão e que as instruções de uso descritas na embalagem sejam seguidas, uma vez que podem variar conforme o a concentração da fórmula e seu princípio ativo.

“Alguns estudos e pesquisas científicas sugerem que, para as gestantes, os repelentes à base de DEET (N-Dietil-m-toluamida), os mais vendidos no mercado, são mais seguros”, explica.

Dermatologista alerta sobre risco de alergia a repelente

Segundo ele, a aplicação deve se restringir a três vezes ao dia. No entanto, este princípio não é recomendado para menores de dois anos. Já entre crianças de dois a 12 anos, a concentração tem de ser de no máximo 10%. Acima disso, o uso é permitido para crianças a partir dos 12. Dr Theodoro, diz que não há estudos que comprovem sua segurança para o uso por parte de gestantes e bebês.

Ele ressalta que ler as embalagens é essencial, pois elas trazem informações sobre os casos em que o produto é contraindicado. Para gestantes que utilizam hidratante, ele lembra que já existem produtos com as duas funções – hidratação e repelente. Mas, caso a preferência seja usá-los separadamente, a ordem correta deve ser primeiro o repelente, esperar que ele seque na pele e, depois, o hidratante por cima, para que possa selar o protetor.

“É importante evitar os exageros e, em caso de alergia, suspender imediatamente o uso e procurar um dermatologista credenciado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia”, orienta.

E no ambiente: o que usar para repelir os insetos?

O uso de inseticidas em spray e aerossol são boas opções para repelir insetos. “A recomendação é aplicar no ambiente antes de entrar, para que não haja perigo de intoxicação. Para os bebês, a tela mosquiteira e roupinhas longas ajudam na proteção”, destaca o médico.

Os repelentes de aparelhos elétricos ou espirais não devem ser usados em áreas de pouca ventilação, nem na presença de pessoas asmáticas ou com alergia respiratória, pois podem piorar os quadros alérgicos. O recomendado é que estejam, pelo menos, a dois metros de distância das pessoas.

Já os inseticidas naturais, à base de citronela, andiroba e óleo de cravo, não possuem comprovação de eficácia e nem aprovação pela Anvisa até o momento. Por isso, é bom não utilizá-los.

Suplementação é essencial para evitar riscos

Diante da atual crise de dengue que assola várias cidades brasileiras, a conscientização dos profissionais de saúde e a orientação ativa a gestantes e familiares se tornam ainda mais vitais. De acordo com Ricardo Bruno, a a suplementação adequada torna-se essencial para as gestantes, que já apresentam uma predisposição à depressão de ferro.

A orientação do médico inclui o uso de ácido fólico (idealmente já na versão metilfolato), ferro e ômega 3, especialmente em regiões propensas à dengue. Ele destaca a importância de iniciar a suplementação antes da gestação, assegurando uma carga adequada e uma imunidade robusta desde o pré-gestacional.

“Além de adaptar a suplementação para gestantes, é necessário adotar medidas preventivas, como o uso de repelentes. Este alerta urgente destaca não apenas os riscos iminentes impostos pela epidemia de dengue às gestantes, mas também reforça a necessidade de ações imediatas para proteger a saúde materna e fetal”, diz o médico.

Prevenção mais eficaz é eliminar focos do mosquito

Os médicos lembram que a prevenção mais eficaz contra a dengue continua sendo o controle do vetor (o Aedes aegypti) e a eliminação de possíveis criadouros do mosquito, evitando a sua proliferação, que geralmente costuma aumentar em períodos de calor e muitas chuvas.

Segundo Ricardo Bruno, em áreas de epidemia, além da orientação sobre o uso de repelentes, é fundamental seguir as diretrizes do Ministério da Saúde para evitar focos de mosquitos, especialmente a água parada. “A água parada é um fator de alto risco para a proliferação dos mosquitos, e profissionais de saúde devem orientar sobre a revisão domiciliar para eliminar possíveis criadouros”, complementa o médico.

“É importante que a população verifique de forma adequada o armazenamento de água, o acondicionamento do lixo, elimine recipientes sem uso que possam acumular água ou os mantenham virados de cabeça para baixo, para evitar os criadouros do mosquito. Essas prárticas, em conjunto com as ações municipais de cuidados com coleta de lixo, fiscalização, dentre outras, é que surtirão os maiores efeitos para manter a saúde”, conclui o dermatologista Theodoro Habermann Neto.

Com Assessorias (atualizado em 29/02/24)

 

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