O psicanalista rememora ainda que conversou com acampados que tinham “falas alteradas” e que “havia um conteúdo messiânico e exacerbado das pessoas que estavam reunidas”. Ele descreve ter encontrado pessoas que “estavam em situação de desespero total”, “muitas solitárias, sem família” e “muitas endividadas”.
Gente para quem a possibilidade de ruptura poderia ser tentadora. “Isso engaja pessoas errantes. Pessoas com fragilidades mentais óbvias, de tipo delirantes, e que encontraram ali uma certa unidade.”
‘Revolução fantasiosa e anacrônica’
Para o psicólogo Tales Ab´Sáber, escritor, cineasta e professor de Filosofia da Psicanálise da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), muitas pessoas que participaram dos atos registrados na história naquela tarde de domingo se mobilizaram por uma revolução fantasiosa e anacrônica.
Para ele a imaginação dos bolsonaristas foi alimentada por velhos fantasmas, como o risco do comunismo, por “negacionismo histórico” e por “falta de acurácia política”. Ele também avalia que a mobilização anterior à quebradeira na Praça dos Três Poderes deixou no ar a possibilidade de que um inédito ato terrorista pudesse acontecer.
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Bolsonaro alimentou a fantasia dos golpistas nos acampamentos
Tales Ab´Sáber salienta que a manifestação violenta aconteceu “quando [o ex-presidente Jair] Bolsonaro já havia fugido do Brasil [em 30 de dezembro], quando já havia se encerrado propriamente a trama estratégica do golpe que envolvia setores das Forças Armadas brasileiras.”
Dez dias depois da partida de Bolsonaro e já com novo governo empossado, apoiadores do ex-presidente que estavam em Brasília destruíram parte de cada um dos três principais prédios públicos da República para “tentar fazer a sua revolução imaginária quando ela já estava totalmente fora de esquadro, fora do tempo. Ela já era impossível.”
Ab´Sáber avalia que apesar de não ter base real para o golpe de Estado acontecer, a insurreição dos vândalos no 8/1 teve razões concretas.
Todas as condições estavam dadas para o fanatismo da extrema-direita, como dizem os psicanalistas, passar ao ato. Não conseguiram mais se conter, mesmo porque eles estavam construindo esse ataque há um mês e meio, na frente dos quartéis, nas tentativas de paralisação dos caminhoneiros no Brasil inteiro. Era um movimento de fato.”
Segundo ele, “havia um plano de golpe estruturado que tinha contato com os acampamentos bolsonaristas e que alimentava a esperança no golpe.” Essa perspectiva alimentava o espírito de “revolução” que os apoiadores do ex-presidente acreditavam estar participando.
A fuga do então presidente para os Estados Unidos indica que a “parte estratégica militar do golpe foi abandonada, mas não caiu a dimensão popular alimentada pelo senhor do golpe, futuro ditador Jair Bolsonaro.” Na sua avaliação, a ausência e omissão do ex-presidente favoreceram o caos. “O Bolsonaro contribuiu para isso, ao não desmobilizar essa gente”, analisou.
Conteúdo messiânico
“Na hora [da transmissão ao vivo das invasões pela TV], me lembrei de uma paciente que, no dia 11 de setembro [de 2001], quando o avião destruiu as Torres Gêmeas [em Nova York], ela dizia assim: ‘engraçado, porque dá uma sensação de ufa, enfim, aconteceu.’ Como se isso já estivesse acontecendo no nosso imaginário, como se a gente tivesse uma expectativa de que algo parecido fosse ocorrer, a partir do conflito que estava ali posto e instaurado, a partir de uma narrativa do golpe, que era ostensiva”, disse Dunker.
Ele esteve em Brasília uma semana antes da intentona bolsonarista para acompanhar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Antes da cerimônia, ele visitou o acampamento de apoiadores do ex-presidente que ficava no Setor Militar Urbano, a 9,3 quilômetros da Praça dos Três Poderes.
A gente passou pelos acampamentos, fizemos uma pequena entrada, falamos com algumas pessoas que estavam ali e percebíamos que havia um déficit explícito de segurança e de policiamento.”
Da Agência Brasil