A utilização do medicamento genérico Sofosbuvir para o tratamento da hepatite C poderia poupar milhares de vidas humanas e gerar uma economia de cerca de R$ 1 bilhão para o Brasil. O alerta é da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), para a qual a ampliação do acesso a este tratamento para o vírus da hepatite C é crucial para eliminar a doença até 2030. Esta foi a meta assumida internacionalmente pelo Brasil no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS)e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Para a MSF, esse acesso só será possível com a entrada dos genéricos, garantindo competitividade e baixo preço, conforme ressaltado na própria Estratégia Global Setorial em Hepatite C da OMS. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde, existem no Brasil mais de 1 milhão de pessoas que já tiveram contato com o vírus e cerca de 650 mil que são afetadas pela doença e poderiam ser beneficiadas pelo tratamento imediatamente.
A MSF acredita que a adoção de genéricos favorece a ampliação do acesso ao tratamento, beneficiando centenas de milhares de pessoas no mundo que hoje não têm acesso à cura devido ao alto preço. Quando foi lançado no mercado, o custo por tratamento com Sofosbuvir chegou a ser de US$ 147 mil. Atualmente, MSF realiza tratamentos com genéricos ao custo de US$ 120. A economia de R$ 1 bilhão se refere à diferença entre o preço atual do tratamento com medicamentos de marca e o custo do tratamento com a utilização do genérico nacional, considerando-se a oferta de tratamento para 50 mil pessoas pelo sistema público de saúde, conforme planejamento já divulgado pelo Ministério da Saúde.
Tudo depende da burocracia
Ainda de acordo com a MSF, o Brasil tem capacidade comprovada para produzir o genérico do medicamento sofosbuvir (SOF), já analisado e registrado pela ANVISA. O início efetivo do fornecimento ao governo, entretanto, depende da conclusão de uma análise de pedidos de patentes a cargo do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual). No caso em questão, o órgão está analisando um pedido da farmacêutica Gilead, onde a empresa pede o direito à patente do sofosbuvir.
O MSF encaminhou na quinta-feira, 26 de julho, cartas ao INPI e ao Midic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), ao qual o INPI é subordinado. No documento, a organização pede uma análise rigorosa e ágil dos pedidos de patente, levando em consideração o impacto que a decisão pode ter sobre a vida de centenas de milhares de pessoas no Brasil, que hoje ainda não têm acesso ao tratamento para a hepatite C.
Temos a experiência de utilizar com eficácia e segurança medicamentos genéricos contra hepatite C em nossos projetos pelo mundo, com benefícios a milhares de pessoas”, afirmou Ana de Lemos, diretora-geral de Médicos Sem Fronteiras no Brasil.
Bons resultados em tratamentos com genéricos
O MSF trabalha em projetos que atendem pessoas infectadas pelo vírus da hepatite C em 11 países. Desde 2015, ofereceu tratamento a mais de 6.000 pessoas afetadas pela doença. Dos que concluíram a terapia até o momento, a taxa geral de cura foi de 94,9%, utilizando os genéricos do sofosbuvir e do daclatasvir.
Os países que estão obtendo bons resultados na cobertura do tratamento são aqueles nos quais há genéricos disponíveis. O Egito, por exemplo, ofereceu tratamento a mais de 1 milhão de pessoas no sistema público com o sofosbuvir, devido à rejeição de patentes-chave e à introdução de versões genéricas de baixo custo. Índia e Bangladesh são outros exemplos de países que vêm tendo bons resultados com a produção e uso dos genéricos.
Meta do Brasil é erradicar a doença até 2030
No início de julho, mês em que é comemorado o Dia Mundial das Hepatites Virais, o Ministério da Saúde estabeleceu como meta erradicar a Hepatite C no Brasil até 2030 – plano pactuado entre União, estados e municípios. Dentre as ações que devem ser tomadas para alcançar o resultado estão: simplificar o diagnóstico; ampliar a testagem, principalmente, em populações consideradas prioritárias; estimular a busca ativa de casos diagnosticados; fortalecer linha de cuidado no atendimento às hepatites virais; monitorar e divulgar os avanços do plano de eliminação.
Embora o remédio referência já seja distribuído gratuitamente por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), o seu alto custo tem limitado o acesso a um número maior de pessoas. Em maio, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o primeiro medicamento genérico do Sofosbuvir no País seguindo todas as normas e legislação vigente, comprovando sua segurança e eficácia. O custo do remédio para o Ministério da Saúde fabricado em território nacional será de um quarto, se comparado ao valor do medicamento de referência permitindo aumentar a base de pacientes atendidos de 30 mil para 50 mil por ano.
O genérico foi desenvolvido pelo consórcio BMK, formado pela Blanver Farmoquímica e Farmacêutica S.A, Microbiológica Química e Farmacêutica e KB Consultoria, em um acordo de cooperação técnico-científica com a Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/ Fiocruz). O desenvolvimento do medicamento teve início em 2012, sendo que o investimento total, previsto pelo consórcio para o desenvolvimento e produção da droga no País, está em cerca de US$ 25 milhões, contemplando desde o princípio ativo até o medicamento.
O diagnóstico prematuro junto com a produção no Brasil a custos decrescentes permitirão diminuir sensivelmente a incidência de quadros graves e óbitos relacionados a Hepatite C, assim como fornecerá suporte essencial para o programa de erradicação da doença”, explica Sérgio Frangioni, CEO da Blanver.
Além de reduzir custos para os cofres públicos, a fabricação interna da droga incentiva a indústria nacional – que passa a investir em novas tecnologias, gera empregos e aumenta a competitividade internacional.
Taxa de cura é 95% maior com coquetel
Em outubro de 2015 , a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) deliberou, por unanimidade, recomendar a incorporação do Sofosbuvir, além do daclatasvir e simeprevir, para o tratamento da doença e que se manteve no protocolo de 2018. Nos últimos três anos mais de 70 mil pessoas foram tratadas e curadas com estes medicamentos. Os medicamentos, quando combinados entre si, elevam para mais de 95% a taxa de cura da doença, já em tratamentos antigos as chances eram de 60%, de acordo com a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde).
É importante frisar que é a primeira vez na história da medicina que uma doença viral é curável com o uso de antivirais de ação direta. O Sofosbuvir abriu o caminho para a cura da Hepatite C tornando-se assim um símbolo na luta contra a doença, ressalta Sérgio Frangioni, CEO da Blanver.
A nova geração de medicamentos também ajuda a melhorar o nível de adesão ao tratamento, já que são consumidos por via oral, enquanto os remédios mais antigos precisavam ser aplicados em equipamentos de saúde por meio de injeções semanais, causando em muitos casos intolerância e afetando a adesão. Outra vantagem é o tempo de tratamento, que varia entre três e seis meses – anteriormente chegava a um ano.
Além do tratamento para Hepatite C, o Sofosbuvir se mostrou eficiente também na luta contra a epidemia de Febre Amarela e o Zika vírus. Em testes realizados pela Fiocruz com diferentes tipos de células, incluindo aquelas consideradas modelos para o estudo de microcefalia causada pelo Zika vírus, foi observado que o medicamento consegue inibir sua replicação, evitando a morte das células pela infecção 7.
Aprovação dos medicamentos
Os medicamentos genéricos contêm o mesmo princípio ativo, posologia e indicação terapêutica do medicamento de referência e passam por rigorosos processos de desenvolvimento, registro e produção antes de chegarem às prateleiras das farmácias e postos de saúde.
O Ministério da Saúde é bem claro ao dizer que: “a intercambialidade, ou seja, a segura substituição do medicamento de referência pelo seu genérico, é garantida por testes de equivalência terapêutica, que incluem comparação in vitro, através dos estudos de equivalência farmacêutica e in vivo, com os estudos de bioequivalência apresentados à Anvisa”.
Significa que os remédios precisaram apresentar os mesmos resultados em relação aos remédios referências entre os diversos testes contemplados. Além disso, todos os medicamentos, sejam referências, genéricos ou similares são regulamentados pela RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº 200, de 26 de dezembro de 2017, que estabelece critérios e a documentação mínima necessária para a concessão e renovação do registro de medicamentos com princípios ativos sintéticos e semissintéticos.
Dados da hepatite C no Brasil e no mundo
A Hepatite C é transmitida por sangue contaminado, sexo desprotegido, compartilhamento de objetos cortantes e de uso pessoal. Estima-se que cerca de 71 milhões de pessoas estejam infectadas pelo vírus da hepatite C (HCV) em todo o mundo e que cerca de 400 mil vão a óbito todo ano, devido a complicações desta doença, principalmente por cirrose e carcinoma hepatocelular.
Entre os anos de 1999 e 2017, quase 718 mil brasileiros foram diagnosticados com hepatites virais. Só no ano passado foram registrados mais de 40 mil novos casos, de acordo com o Ministério da Saúde. Dentre os tipos mais perigosos está a Hepatite C, que representa mais de 70% dos óbitos por hepatites em todo o País.
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Da Redação, com Assessorias