Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre dados climáticos nos últimos 60 anos mostra que o número de dias com ondas de calor passou de 7 para 52 em três décadas. Nesta segunda-feira (13), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) alertou a respeito da forte onda de calor que coloca 15 estados e o Distrito Federal em grande perigo até sexta-feira (17) e que deve elevar em 5º C suas temperaturas médias no período, incluindo o feriado da Proclamação da República, nesta quarta-feira (15).

Entre os estados, São Paulo pode superar o recorde histórico de 37,8ºC, registrado em outubro de 2014, tendo registrado 37,1ºC no domingo (12). Entre outros estados, o Rio de Janeiro tem perigo potencial, enquanto Mato Grosso do Sul tem perigo de tempestade, Amazonas e Rondônia estão em alerta para perigo potencial de chuvas e Bahia, Piauí, Ceará e Pernambuco possuem grande perigo de baixa umidade.

O calor registrado esta semana em cinco estados da região Sudeste e Centro-Oeste é uma amostra do que os brasileiros podem esperar para o próximo verão. Análises da Climatempo apontam que as temperaturas deverão permanecer elevadas em boa parte da estação, com mais dias batendo a marca de 40oC e um calor mais constante do que o registrado no mesmo período do ano passado.

“O fenômeno El Niño vai se acentuar entre dezembro e janeiro, fazendo com que as temperaturas fiquem elevadas em boa parte do verão. Teremos mais dias ensolarados”, afirma Vinicius Henrique de Lima, climatologista da Climatempo. Esse quadro também provocará muitas pancadas de chuva, principalmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. “As chuvas serão mais localizadas, mas mais intensas, no formato de pancadas de menor duração”, acrescenta.

Calor acima da média no Rio e São Paulo

As áreas litorâneas, como o litoral paulista e do Rio de Janeiro, serão as que registrarão as temperaturas mais altas, e também mais pancadas de chuvas no verão.

“Em dezembro, teremos 150 mm de chuvas em São Paulo e até 200 mm no Rio Grande do Sul, mas isto não significa que haverá alagamentos”, observa o meteorologista Willians Bini, Head de Comunicação da Climatempo, ao ressaltar que São Paulo terá um janeiro de menos chuvas, embora a instabilidade prevaleça no Rio Grande do Sul.

Os estados de Santa Catarina e Paraná também terão calor acima da média, com temperaturas acima de 40oC e tempo abafado. Já áreas do Brasil Central (Goiás, Brasília e Cuiabá) terão mais chuvas do que o normal, bem como a Amazônia Ocidental (Acre e Rondônia), o que pode contribuir para melhorar os níveis dos rios da região.

Ainda assim, as chuvas que chegarão à região Norte não serão tão intensas em 2023 se comparadas ao mesmo período do ano passado, o que pode atrasar a recuperação do atual período de seca.

Em relação às mudanças climáticas, observa que é necessário considerar uma somatória de fatores. Ele destaca, por exemplo, os ciclos climáticos de longo prazo, as ações antropogênicas – aquelas que são decorrentes da atuação do ser humano, especialmente após a Revolução Industrial -, os fenômenos climáticos como o El Niño e La Niña, bem como as combinações entre esses fatores.

“Não há dúvida de que o atual processo de mudanças climáticas em andamento vem provocando o aquecimento do planeta e intensificando os eventos extremos de clima, que também estão mais frequentes. Basta observar o aumento da incidência de episódios de calor extremo, temporais, enchentes, ciclones, períodos secos, queimadas, entre outros”, completa.

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Como o clima está mudando no Brasil?

Para responder a essa pergunta, os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) avaliaram os dados sobre as mudanças do clima observadas no Brasil nos últimos 60 anos. O estudo permite reconhecer as tendências nas séries de precipitação, temperatura máxima e mais três índices derivados que são considerados extremos climáticos: dias consecutivos secos (CDD), precipitação máxima em 5 dias (RX5day) e ondas de calor (WSDI).

O estudo foi realizado a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para subsidiar as discussões para a atualização do Plano Clima – Adaptação. De acordo com os especialistas, conhecer as mudanças climáticas é fundamental para caracterizar a ameaça e, por consequência, analisar os possíveis impactos, vulnerabilidades e adaptação. Os dados corroboram com o exercício executado para a Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima.

Os cálculos foram efetuados para todo o território brasileiro e consideraram o período de 1961 a 2020. Os especialistas estabeleceram 1961 a 1990 como período de referência, e efetuaram análises segmentadas sobre o que aconteceu com o clima para três períodos: 1991-2000, 2001-2010 e 2011-2020.

Entre 1991 e 2000, as anomalias positivas de temperatura máxima não passavam de cerca de 1,5°C. Porém, atingiram 3°C em alguns locais para o período de 2011 a 2020, especialmente na região Nordeste e proximidades. No período de referência, a média de temperatura máxima no Nordeste era de 30,7°C e sobe, gradualmente, para 31,2°C em 1991-2000, 31,6°C em 2001-2010 e 32,2°C em 2011-2020.

As anomalias de precipitação acumulada também são observadas nos três períodos avaliados, contudo destacam-se duas regiões contrastantes entre 2011 e 2020. Enquanto houve queda na taxa média de precipitação, com variações entre –10% e –40% do Nordeste até o Sudeste e na região central do Brasil, foi observado aumento entre 10% e 30% na área que abrange os estados da região Sul e parte dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Extremos climáticos

O aumento e a redução nos índices de precipitação repercutem na ocorrência de extremos climáticos que são estabelecidos por dois indicadores: dias consecutivos secos (CDD) e pela precipitação máxima em 5 dias (RX5day).

No período de referência, entre 1961 e 1990, os valores de CDD eram, em média, de 80 a 85 dias. O número subiu para cerca de 100 dias para o período de 2011 a 2020 nas áreas que abrangem o norte do Nordeste e o centro do país.

Os mapas demonstram que a região Sul vem sendo a mais afetada pelas chuvas extremas ao longo das últimas décadas. No período de referência, a precipitação máxima em cinco dias era de cerca de 140 mm. O número subiu para uma média de 160mm.

Ondas de calor (WSDI)

Os dados indicam que houve aumento gradual das anomalias de ondas de calor ao longo dos períodos analisados e para praticamente todo o Brasil. Exclui-se a região Sul, a metade sul do estado de São Paulo e o sul do Mato Grosso do Sul. No período de referência, o número de dias com ondas de calor não ultrapassava sete. Para o período de 1991 a 2000 subiu para 20 dias; entre 2001 e 2010 atingiu 40 dias; e de 2011 a 2020, o número de dias com ondas de calor chegou a 52 dias.

“Essas informações são a fonte que podemos reportar como fidedignas daquilo que está sendo sentido no dia a dia da sociedade. Estamos deixando de perceber para conhecer. Esse é um diferencial de termos essa fonte de dados robusta”, afirmou o diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do MCTI, Osvaldo Moraes. “São dados relevantes para fazer a ciência climática dar suporte à tomada de decisão. Estamos deixando a percepção de lado para aprofundar o conhecimento”, complementou.

Para o estudo, foram considerados dados observacionais de 1.252 estações meteorológicas convencionais, sendo 642 estações manuais e 610 automáticas para construir as séries de temperatura máxima, e um total de 11.473 pluviômetros para os dados de precipitação.

A partir dessas informações críticas foram analisados três extremos climáticos. O número de dias consecutivos secos (CDD) foi calculado estimando-se o número de dias seguidos com precipitação inferior a 1mm. O RX5day registra a maior quantidade de precipitação em 5 dias. O WSDI representa a soma de dias de ondas de calor no ano. Caracteriza-se como onda de calor o mínimo 6 dias consecutivos em que a temperatura máxima superou um limiar de ao menos 10% do que é considerado extremo, comparado ao período de referência.

Os pesquisadores destacam a importância de observar o conjunto das informações e não apenas indicadores isolados. De acordo com os dados, o clima já está mudando e afeta o país de múltiplas formas, dado que o Brasil tem dimensões continentais. Enquanto em algumas regiões há aumento de temperatura, em outras observa-se aumento da precipitação ou ocorrência de seca.

“O mais recente relatório do IPCC destacou que as mudanças climáticas estão impactando diversas regiões do mundo de maneiras distintas. Nossas análises revelam claramente que o Brasil já experimenta essas transformações, evidenciadas pelo aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos em várias regiões desde 1961 e irão se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global”, ressaltou o pesquisador do Inpe Lincoln Alves, que coordenou os estudos.

Calor impulsiona vendas

A perspectiva de um verão mais quente e ensolarado deverá favorecer as vendas de produtos como ventiladores, condicionadores de ar, protetores solar, alimentos e bebidas típicas da estação, entre outros. “As vendas de água crescem 40% quando há um incremento de 0,5 grau na temperatura, e a de cervejas, 1,51%”, , segundo destaca Willians Bini, do Climatempo.

“Variações de temperaturas têm um impacto direto nos mais variados setores, do agronegócio à indústria de alimentos, cosméticos e vestuário, e pode até levar a revisões nas políticas públicas de saúde”, explica o Head de Comunicação da Climatempo.

Ele conta que a Climatempo tem registrado um aumento do número de empresas em busca de informações estratégicas sobre o clima para apoiar o planejamento de curto, médio e longo prazos, a fim de reduzir o risco do negócio. São empresas de varejo em setores como beauty e, confecção, mas também indústrias, incluindo farmacêutica, refrigeração, de alimentos e bebidas, além daquelas mais diretamente afetadas como as da agroindústria, de energia e de logística.

Com informações do MCTI e Climatempo

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