Por Márcia Mendonça Carneiro *

No mês dedicado à conscientização sobre infertilidade, um documento publicado na semana pelo Fundo Populacional das Nações Unidas (UNFPA) intitulado “A crise real da fertilidade” chamou a atenção em todo o planeta. A publicação traz dados de entrevistas de pessoas jovens em 14 países, representando um terço da população mundial sobre questões relativas à sua saúde reprodutiva e planejamento familiar.

As respostas revelam dados alarmantes, pois a maioria dos entrevistados acredita que seu direito de escolher quando e como ter um filho e formar uma família está em risco devido a vários fatores incluindo a instabilidade política e econômica, mudanças climáticas e guerras. 

A UFNPA não é a primeira a soar o alarme sobre a crise na fertilidade mundial, mas os números impressionam visto que cerca de 20% dos entrevistados admitem que talvez não possam ter o número de filhos que desejariam, enquanto um em cada quatro não conseguirá escolher o melhor momento para ter um bebê.

Para 39% a situação econômica instável é um fator que comprometeu ou poderá comprometer a decisão de ter mais filhos ao passo que um em cada cinco considera ter menos filhos em razão da situação mundial instável atual e futura. A publicação traz ainda o testemunho de vários jovens que revelam medo, preocupação e ansiedade em relação ao futuro, o que reflete na decisão de talvez não formar uma família nem ter filhos. 

Situação no Brasil é agravada por crise financeira

Brasil foi um dos países incluídos na pesquisa e entre as principais barreiras relatadas pelos brasileiros que limitariam o número de filhos desejados estão: questões financeiras (39%) e habitacionais (18%), desemprego ou falta de estabilidade no trabalho (26%), instabilidade política (21%) e falta de um parceiro (15%).

Dados recentes divulgados pelo IBGE revelam que a natalidade no Brasil vem caindo e em 2023 atingiu o menor nível em quase 50 anos, enquanto os nascimentos em mulheres acima de 35 anos aumentaram. Nos Estados Unidos, também houve uma redução na natalidade de 14% enquanto os partos em mulheres acima de 40 anos aumentaram 193%.

Para piorar a situação, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de uma em cada seis pessoas enfrentam dificuldades para engravidar em todo o mundo. Estudos recentes corroboram a queda significativa da fertilidade nos últimos 70 anos e que deve seguir caindo até 2100 com reflexos negativos na economia, seguridade social e força de trabalho, comprometendo o bem-estar de todos a e a prosperidade das nações.

Dificuldades para engravidar e falta de acesso a tratamento

Tais números revelam a tendência mundial de adiamento da maternidade em prol dos estudos e da dedicação ao mercado de trabalho. Como a fertilidade feminina reduz rapidamente após os 35 anos, essas mulheres correm o risco de enfrentar dificuldades para engravidar. 

A solução seria congelar óvulos para burlar o envelhecimento ovariano, mas tal tratamento não está disponível para todas.  Realizar o sonho da maternidade para milhões de mulheres pode significar a realização de exames e tratamentos sofisticados e caros que infelizmente não estão disponíveis para todas.  

Cabe aqui ressaltar que estudos recentes têm apontado a idade paterna acima de 44 anos como possível fator de infertilidade. Hábitos como tabagismo, sedentarismo dieta rica em ultraprocessados e o aumento da obesidade adicionam ingredientes insalubres que afetam a fertilidade.

Quais seriam as soluções para a crise reprodutiva mundia?

O relatório da UNFPA conclui que as barreiras para evitar gestações não planejadas e constituir família são as mesmas: instabilidade econômica, falta de parceiros que apoiem a gravidez e a criação dos filhos, precariedade de assistência médica para prevenção de infertilidade assim como seu diagnóstico e tratamento.

A solução para enfrentar a crise reprodutiva segundo a UFNPA seria assegurar que as pessoas possam escolher livremente de maneira consciente sobre seu planejamento familiar de modo que tenham o direito de decidir se quiserem, quando e como formar suas famílias.

Dessa forma, desenvolver e implementar políticas públicas educativas sobre planejamento reprodutivo e infertilidade, além de oferecer tratamento especializado para aqueles que necessitarem e estabelecer programas de prevenção são medidas fundamentais se quisermos construir um futuro com justiça social e econômica para todos.  

Diretora científica da Clínica Origen BH e professora titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG 

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