Entenda o câncer de cérebro, que matou o jornalista Arnaldo César Ricci

São mais de 100 tipos de tumores cerebrais e a conduta médica pode variar. Tumores benignos, como meningiomas grau 1, têm chance de cura

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Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o jornalista Arnaldo Cesar Ricci Jacob morreu na manhã desta sexta-feira (15), vítima de complicações por conta de um câncer de cérebro. Ele chegou a ser submetido a uma cirurgia no último dia 5, quando o tumor foi retirado no Hospital Glória D’or, no Centro, mas na terça-feira (12), teve uma parada cardíaca. Os médicos conseguiram reanimá-lo, mas o quadro se agravou. Na madrugada desta sexta, ele precisou de uma nova intervenção cirúrgica, mas não resistiu. Ele foi internado no dia 27 de junho, por suspeita de um Acidente Vascular Cerebral.

Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA), diz que no momento não se pode falar em cura para a vasta maioria destes tumores. “Honestamente mesmo quando o tumor é benigno e foi completamente removido preferimos manter olhos de águia no nosso paciente ao longo de sua vida, para evitar surpresas”, destaca.

Ele ressalta que existem mais de 100 tipos de tumores cerebrais, e a conduta médica para cada um destes tumores é diferente, isso explica a necessidade de um oncologista ou neurologista treinado em neuro-oncologia, e com experiência, para conduzir estes casos. Segundo o especialista, diversos tumores benignos, como meningiomas grau 1, têm chance de cura.

“Mas temos um mapa ainda muito rudimentar dos tumores cerebrais, e se uma única célula sobreviver, este tumor pode ter chance de voltar um dia, mesmo que demore muitos e muitos anos”, afirma. “Lidamos com doenças crônicas, que podem ter evoluções muito diferentes”, completa.

Palavra de Especialista

Dr Batistella explica tudo sobre os tumores cerebrais:

Nem todo tumor cerebral precisa ser operado ou tratado

Definitivamente, o receio e a apreensão tomam conta após o diagnóstico de um câncer, especialmente o cerebral. Mas você sabia que nem todo tumor cerebral precisa ser operado ou tratado com radioterapia ou quimioterapia? Além disso, os mais comuns, chamados meningiomas, são passíveis em boa parte de cura, respondendo muito bem aos tratamentos.

“Meningiomas muito pequenos podem ser somente observados, isto quando não geram qualquer sintoma, e essa conduta é segura. Tumores muito pequenos na glândula hipófise podem ser muitas vezes tratados somente com remédios que inibem hormônios, ou até mesmo só observados quando não são tumores que produzem hormônios”, explica o médico. “Já os tumores ditos gliais, como glioblastoma, astrocitoma, oligodendroglioma, dentre outros, precisam ser operados da melhor forma possível, e boa parte deles irá precisar também ser tratado com radioterapia e quimioterapia”.

Quais são as causas dos cânceres cerebrais? Por qual razão eles surgem?

Dr. Gabriel: Para a boa maioria dos casos ainda não conseguimos culpar alguma causa específica, então chamamos de idiopático. Existem, entretanto, causas genéticas hereditárias que aumentam o risco de que uma pessoa desenvolva um tumor cerebral ao longo da vida, como neurofibromatose e síndrome de Von Hippel-Lindau.

Algumas pessoas passam a adquirir um risco aumentado de ter tumor cerebral apesar de não ter doença genética familiar, como pessoas que fizeram radioterapia na região da cabeça e do pescoço quando crianças. Isso não quer dizer que não acreditamos que o câncer não é genético, ainda temos convicção que algum fator leva a mudanças nas células cerebrais, favorecendo o surgimento de tumores cerebrais, porém ainda precisamos entender melhor a doença.

Quais os fatores de risco envolvidos no desenvolvimento desses tumores?

Dr. Gabriel: Várias mutações são hoje conhecidas nos tumores cerebrais, como mutação do gene IDH, ATRX, P53 e por aí vai, porém elas são encontradas quando mandamos os tumores removidos por cirurgia para análise, e não quer dizer que o paciente já tinha estas mutações no corpo. Hoje conseguimos classificar os tumores com base em diversas mutações muito bem descritas, mas isso não quer dizer que conseguimos responder a famosa pergunta: “o que veio antes, o ovo ou a galinha?”.

Essa aparente simples pergunta ainda assombra os maiores cientistas mundialmente. E quem sabe quando descobrirmos possamos definir formas de prevenir este tumor, ou até mesmo encontrar uma forma de tratar melhor (ou curar) estes tumores? Imaginem uma árvore, seu tronco é o gene principal e seus galhos genes que surgem na evolução da doença. Hoje tentamos identificar o tronco, mas os tumores cerebrais não facilitam, são extremamente heterogêneos em cada canto do tumor, assim como ao longo do tempo (significa que com o passar dos dias e meses, após uma cirurgia, após uma radioterapia e, principalmente, após quimioterapias, eles mudam!).

Quais são os tipos mais comuns de tumores cerebrais?

Dr. Gabriel: Os mais comuns são, felizmente, passíveis em boa parte de cura, e são chamados meningiomas. Em segundo lugar temos os tumores que ocorrem em uma importante glândula cerebral chamada hipófise, que é responsável por estimular a produção de diversos hormônios, inclusive hormônios da tireoide e ovarianos. Em terceiro lugar, e infelizmente o principal tipo de câncer (tumor maligno) cerebral, vem o temido glioblastoma, um tumor de alto grau, incurável, que desafia oncologistas e neuro-oncologistas em todo o mundo.

Cabe aqui citar que, apesar de não serem classificados como tumores cerebrais, as metástases cerebrais são tipos de câncer que chegam no cérebro após circular pelo corpo, e temos a impressão de que eles são até dez vezes mais comuns do que os tumores cerebrais, justamente por termos muito mais diagnósticos de câncer de mama, pulmão, pele e intestino do que tumores no cérebro, é uma questão estatística.

Todo câncer cerebral é necessariamente maligno?

Dr. Gabriel: No caso do cérebro, sim. O cérebro é um órgão extremamente friável [se fragmenta facilmente], gelatinoso, sensível, e o tumor não costuma nascer como uma massa sólida bem delimitada (em outras palavras, não é como uma “bolinha” envolto por um cérebro normal). O tumor pode até ter um centro mais duro, mas ele tem bordas mais gelatinosas, que entram no cérebro normal ao redor e enviam muitas células invisíveis ao neurocirurgião e até mesmo aos exames de ressonância de crânio mais avançados.

Gosto de dizer que ainda precisamos melhorar nossa bússola, temos um mapa muito rudimentar hoje dos tumores, precisamos aprimorar a forma de encontrar células que hoje não conseguimos ver para aumentar a chance de um melhor tratamento ou até pensar em cura. O fato dos tumores cerebrais serem assim explica, de certa forma, nossa estratégia de geralmente usar radioterapia e quimioterapia após a cirurgia, pois temos que ter mais de uma linha de batalha contra estes tipos de câncer.

Quais os sinais de alerta de um câncer cerebral?

Dr. Gabriel: Não existem sinais que permitem dizer ao médico hoje que o paciente tem um câncer, então, por exemplo, ainda não temos uma forma de rastreamento que compense aplicar a nível populacional para evitar esta doença. O tumor gera sintomas a depender da onde ele nasce. Costumo dizer aos meus pacientes que um tumor de 0,5cm que nasce no lugar errado pode colocar um paciente na cadeira de rodas, mas um tumor de 10cm longe de áreas nobres pode sequer gerar sintomas se ele crescer bem lentamente.

De qualquer forma, temos que levantar suspeitas de que algo errado está acontecendo no nosso cérebro quando temos dores de cabeça diferentes do habitual, mais fortes e que respondem menos aos remédios, fraquezas de um só lado do corpo, crises epilépticas, redução da sensibilidade em alguma parte do corpo, boca torta ou rosto torto e por aí vai.

Existem maneiras de prevenir os tumores cerebrais? Existem exames que devem ser feitos regularmente para identificar um câncer cerebral precocemente?

Dr. Gabriel: Infelizmente não. Sabemos que um tumor pequeno que é prontamente operado deve ter maiores chances de um bom resultado, mas hoje não conseguimos identificar métodos de rastreio efetivos para encontrar estes tumores no início do seu crescimento. Nosso cérebro não tem receptores para dor (ele não sente dor, acredita?), e ele é protegido pela nossa calota craniana, muito diferente dos seios que podem ser apalpados, dos pulmões que podem ser auscultados e do nosso intestino que pode ser visualizado facilmente.

Pedir para que todos no mundo façam tomografia de crânio seria imprudente, e aumentaria terrivelmente as radiações em pessoas saudáveis, e nem precisamos comentar quanto a ressonância magnética, exame caro e de difícil acesso por muitos pacientes. Quando encontrarmos maneiras efetivas de frear esses tumores, talvez possamos sugerir formas de gerar uma prevenção a nível populacional, e salvar muitas vidas, mas ainda é cedo.

Quais são os tratamentos disponíveis hoje para esse tipo de tumor?

Dr. Gabriel: Basicamente temos os pilares principais que são cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Em casos extremamente bem selecionados podemos tentar, em caráter de exceção, terapias alvo ou imunoterapia, mas ainda não são estratégias provadas efetivas nos tumores cerebrais, apesar de estudos estarem extremamente avançados e muita esperança paira sobre os neuro-oncologistas em todo o mundo.

O tratamento do câncer cerebral tem sequelas?

Dr. Gabriel: Quando identificamos um tumor cerebral, esperamos que ele ainda não tenha gerado uma sequela irreversível no nosso paciente, e com certeza não é objetivo da neurocirurgia, radioterapia por exemplo, gerar qualquer sequela adicional ou nova. Em outras palavras, como médicos não podemos aceitar prejudicar nosso paciente durante o tratamento.

Se o paciente já tiver uma sequela, podemos tentar evitar que ela piore com o tratamento, ou até mesmo revertê-las parcialmente. Muitos pacientes percebem isso após a cirurgia, quando se retira muito do tumor, que gerava muita inflamação, e passam a melhorar muito. Um cérebro saudável inflamado gera déficit no corpo, igual um derrame, mas de forma transitória. Quando melhoramos a inflamação, a função daquela região cerebral retorna.

Carreira do jornalista

Arnaldo Cesar Ricci era filiado da ABI desde 1976 e um dos idealizadores e articuladores do movimento ABI Luta Pela Democracia, que elegeu as duas últimas gestões da Casa. Ele também representava a entidade no Observatório da Sociedade Civil no Processo Eleitoral do TSE. Nascido em 1950, em Ponta Grossa (PR), Arnaldo se formou jornalista na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), em 1972.

“Muita tristeza. Perdemos um amigo e companheiro de muitas lutas. Sem Arnaldo, não haveria o movimento ABI Luta pela Democracia. A ABI perde um diretor dedicado e incansável. Nossa entidade, tão amada por Arnaldo, está de luto”, disse o presidente da ABI, Octávio Costa.

Ao longo dos anos, Arnaldo passou por redações de importantes veículos de comunicação do Rio, como o Correio da Manhã, o Diário de Notícias, o Jornal O Globo, a TV Globo, a revista Manchete, o Jornal do Brasil, O Dia, entre outros. O velório do jornalista está marcado para este sábado, às 11h, na sede da ABI – Rua Araújo Porto Alegre, 71, no Centro do Rio.

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