Atualmente, cerca de 155 mil pacientes renais crônicos fazem tratamento de diálise nas mais de 867 unidades pelo Brasil. Por falta de vagas em clínicas, há pacientes internados em hospitais para realizar o tratamento. Mais de 2 mil pessoas hoje estão à espera de vaga em clínica de dialise para sair de um hospital.
O número de pacientes precisando dialisar vem aumentando, muitos hoje internados em hospitais, e outros até perdendo a vida por falta de atendimento preventivo. Mas as clínicas que realizam o procedimento alegam dificuldades financeiras e voltam a ameaçar a suspensão dos serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com os administradores, “os repasses feitos pelo Governo Federal tornaram-se insuficientes diante dos aumentos de custos”. Sem recursos, muitas clínicas deixaram de fazer investimentos. E, na atual conjuntura, podem vir a fechar. Somente nos últimos seis anos, 42 clínicas não conseguiram se manter e foram à falência, sendo seis apenas em 2023.
Campanha Vidas Importam – A diálise não pode parar
Para chamar atenção para do problemas do setor, desde 2018 a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) realiza a campanha Vidas Importam – A diálise não pode parar na última quinta-feira do mês de agosto, desde 2018, o chamado Dia D da Diálise. O objetivo é buscar apoio de instituições públicas e privadas em ações de valorização do tratamento e dar visibilidade às dificuldades enfrentadas pelas clínicas de diálise em todo o país.
“Para se ter uma ideia, países com bom padrão de atendimento têm cerca de mil pacientes em tratamento para cada milhão de habitantes. O Brasil tem aproximadamente 550 pacientes para cada milhão de habitantes. Não é que o Brasil tem menor prevalência da doença. Temos ausência de diagnósticos e muitos vão a óbito antes de descobrirem o problema renal, que muitas vezes é silencioso”, afirma o nefrologista e presidente da ABCDT, Yussif Ali Mere Júnior.
Ao longo desses cinco anos, a crise se intensificou devido à defasagem da tabela SUS e algumas unidades começaram a fechar as portas. Outras deixaram de atender pacientes encaminhados pelo SUS. A maior preocupação hoje é com a sustentabilidade do sistema, trazendo desafios de gestão às clínicas que permanecem em funcionamento.
Ele diz enxergar um “futuro incerto para os pacientes renais crônicos”. Por isso, é importante que a sociedade saiba que essa terapia substitui a função que o rim doente não consegue mais executar e, sem esse tratamento, o paciente renal vai a óbito”.
Setor reclama de tabela do SUS defasada
O problema, segundo a ABCDT, é causado pela defasagem na Tabela do SUS. O presidente da ABCDT, Yussif Ali Mere Junior, disse que neste ano o Ministério da Saúde concedeu um reajuste de 10,3% em resposta ao pleito do setor por uma readequação da Tabela SUS, que define os valores pagos pela pasta aos prestadores de serviço.
O valor da sessão passa de R$ 218,47 para R$ 240,97, a partir de setembro. Para cobrir os custos e evitar o colapso do setor, o valor da sessão de hemodiálise deveria custar, pelo menos, R$ 302,00. É um déficit de R$ 62.
“Infelizmente, o reajuste ainda é abaixo dos custos e não resolve as dificuldades. Usamos máquinas e insumos importados, cujos preços aumentaram muito nos últimos anos. Com a grande defasagem no valor do reembolso, a maioria das prestadoras de serviço ao SUS precisou recorrer a empréstimos. Muitas clínicas estão endividadas e há um risco real de desassistência no setor”, explica.
A hemodiálise pediátrica ambulatorial começou no SUS em 2014 em 54 cidades, com 133 pacientes e hoje apenas 44 continuam com o serviço. O número de pacientes cresceu em 40% e chegou a 187 em 2021. Entre 2012 e 2021, 10 municípios deixaram de ofertar a modalidade, sobrecarregando os municípios que permaneceram realizando o tratamento. A queda na oferta do serviço é atribuída à defasagem na tabela do SUS. A modalidade seguiu sem reajuste desde 2014 – esse ano terá apenas 2,7%.
Diferenças entre diálise no SUS e na rede privada
Um estudo recente feito pela ABCDT aponta a diferença do crescimento de pacientes e procedimentos realizados no âmbito do SUS e na rede privada. Há 11 anos, o SUS atendia a cerca de 78 mil pacientes – que realizavam 12 milhões de procedimentos anuais e a rede privada tinha 7,3 mil pacientes, com 1,3 milhão de sessões de diálise por ano.
De lá pra cá, houve crescimento de 33% no SUS, chegando a 17.5 milhões de procedimentos para quase 104 mil pacientes. Já na rede privada o incremento foi de 108%, passando para cerca de 2 milhões de procedimentos em quase 15 mil pacientes até o ano de 2021. No ano de 2022 ainda não há o número de procedimentos realizados na rede particular e o percentual pode ser um pouco maior.
“Na rede privada, o número de pacientes de diálise cresceu três vezes mais do que no SUS nos últimos 10 anos. Precisamos olhar com atenção a saúde renal dos brasileiros na rede pública. Tratar antes diabetes e hipertensão e evitar a doença renal. Esse é o nosso clamor”.
Segundo ele, o Brasil vinha, até aqui, sendo um bom exemplo de prestação de serviço nefrológico. Há pacientes renais com mais de 30 anos em diálise desde que os rins pararam.
“E esses cidadãos, em sua maioria, são pessoas carentes que adquirem diabetes e hipertensão e depois perdem a função renal porque se alimentaram mal por muitos anos; muitas mal têm tempo e dinheiro para comprar e produzir alimento saudável em casa, muito menos para fazer atividade física. A saúde das pessoas mais pobres é cada dia mais crítica. E, quando adoecem, não tomam os remédios necessários. Vão piorando cada vez mais”, alerta Yussif.
Clínicas querem cofinanciamento de estados e municípios
A associação agora apela para o Governo Federal, para Estados e Municípios em busca de auxílio financeiro, por meio dos cofinanciamentos para complementar os custos. Hoje, apenas os estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Distrito Federal e Bahia complementam os custos da diálise.
“As clínicas de diálise enfrentam uma crise, pouquíssimos municípios e estados complementam a verba para a diálise e agora o temor se acentua. Isso porque também estão recebendo respostas negativas de prefeituras e governos sobre o repasse para o pagamento do piso da enfermagem”, destaca.
O Estado do Rio de Janeiro está fazendo a complementação da tabela SUS para garantir a continuidade do tratamento renal em clínicas conveniadas. No ano passado, o RJ complementou a tabela SUS do Governo Federal com mais R$ 87 milhões e este ano a complementação prevista é de R$ 110 milhões, com a previsão de aumento de 25% de cadeiras para o tratamento.
Novo centro de hemodiálise em Campos dos Goytacazes
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) tem trabalhado para ampliar o acesso dos pacientes em hemodiálise ao serviço de transplante renal, com a abertura de novas vagas em hospitais para estes procedimentos. Um centro de hemodiálise será construído em Campos dos Goytacazes com recursos da SES.
Atualmente, a cidade tem 45 pacientes renais inscritos no Sistema Estadual de Regulação (SER) à espera de iniciar o tratamento de hemodiálise. Com o novo centro, a expectativa é que essa espera seja reduzida ao máximo.
Anexo ao Hospital Geral de Guarus, no Parque Calabouço, a unidade receberá o nome de Clínica Regional de Hemodiálise Amigos do Rim Francisco Paes Filho, e contará com 60 cadeiras de hemodiálise. O atendimento estará disponível em três turnos. Haverá quatro leitos de estabilização para pacientes que tiverem alguma intercorrência, como queda de pressão, durante o tratamento.
Haverá também oito leitos especiais em locais isolados para pacientes com patologias infecciosas. Assim, um paciente que tenha covid ou hepatite C, por exemplo, e precise fazer hemodiálise, não ficará no salão, mas em local isolado, em leito individualizado.
De acordo com a Resolução SES Nº 3111, publicada no Diário Oficial no dia 28 de junho, a SES fará o aporte de R$ 15 milhões para a implantação da unidade. A construção e a gestão da unidade ficarão a cargo da prefeitura. O repasse financeiro será transferido ao Fundo Municipal de Saúde em duas parcelas: a primeira, de 60% do valor total do projeto; a segunda, de 40%, a ser repassada após a prestação de contas parcial, referente aos recursos do aporte inicial. Aos investimentos estaduais, se somarão os municipais, no valor de R$ 719.387,17, totalizando R$ 15.719.387,17.
Dificuldades para abrir novas vagas e fazer investimentos
Augusto Saboia Neto é médico nefrologista e administra duas clínicas nos municípios de Quixadá e Iguatu, no Ceará. Para gerir o serviço faz planejamentos de longo prazo, ciente que seu cliente é um paciente portador de doença crônica e precisa do tratamento pelo menos 3 vezes na semana para viver. O volume de dívidas, no entanto, está se acumulando e para tentar reduzir os custos, com água e luz por exemplo, investiu num poço artesiano e na implantação de painéis fotovoltaicos nas clínicas.
“É o que dá pra fazer em termos de gestão, mas os recursos do SUS para custeio do tratamento não são suficientes”, destaca o médico Augusto Saboia Neto. Ele não está sozinho nesta preocupação. Pelo menos 42 clínicas de diálise em todo país já fecharam as portas por insolvência financeira, sendo 6 em 2023. O malabarismo é parte integrante desta rotina, que tenta com o apoio da tecnologia driblar os problemas, a burocracia e ganhar fôlego e mais tempo para sobreviver.
Eduardo Daher tem uma clínica em Belém do Pará e a realidade da prestação de serviço não é diferente do Ceará. Outro estado, mais de 1.600km de distância, mas com as mesmas soluções que auxiliam na redução de gastos. O administrador também investiu no poço artesiano para dissolver os custos da gestão, mas sabe que o maior peso está nas contas fixas e que não podem ser substituídas, como insumos para a realização da diálise, mas tem resolvido alguns problemas, com a produção básica de solução e ampliando também, além do SUS, o atendimento para o convênio.
“Os gestores destas clínicas, que ficam na maioria no Sul do país, transferiram equipamentos e instalações para instituições filantrópicas e hospitais públicos em troca da quitação das enormes dívidas adquiridas nos últimos anos para manter a operação até então”, explica o nefrologista Leonardo Barberes, vice-presidente da ABCDT.
Segundo ele, a situação é tão crítica, que os gestores temem que isso seja um efeito cascata irreversível. “Novos investimentos já deixaram de ser feitos nas clínicas há tempos. O país precisa de mais vagas para pacientes renais, abrir mais clínicas em mais cidades, os serviços precisam ser mais bem pagos, e precisamos evoluir na qualidade da diálise feita no país. São muitos desafios no cenário da nefrologia”, destaca o médico.
Saiba mais sobre a campanha
Com a reivindicação de um tratamento de qualidade e acesso para todos os renais crônicos, a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT) convoca clínicas, profissionais da área, pacientes e familiares para aderirem à campanha VIDAS IMPORTAM – A DIÁLISE NÃO PODE PARAR #adialisenaopodeparar.
O ‘Dia D’ da Diálise tem apoio da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a Associação Brasileira de Enfermagem em Nefrologia (SOBEN), a Federação Nacional de Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil (FENAPAR) e a Aliança Brasileira de Apoio à Saúde Renal (Abrasrenal).
Peças de divulgação com apoio à causa, curiosidades e depoimentos de pacientes estão sendo divulgados no site Vidas Importam, no FB @VidasImportam e no IG @vidasimportam.
Dia Nacional da Diálise – O Dia Nacional da Diálise acaba de ser sancionado pelo Governo Federal e será na última quinta-feira do mês de agosto. A Lei nº 14.650, de 23 de agosto 2023, foi publicada no Diário Oficial com o objetivo de conscientizar sobre doenças renais e prevenir o seu agravamento, fatores de risco, comorbidades e a diálise.
De acordo com a Agência Senado, a lei prevê a realização de eventos, seminários, palestras e debates sobre tema. Promovidas por autoridades sanitárias, profissionais de saúde e sociedade civil, as ações devem ser divulgadas na mídia e mostrar o quanto a prevenção e o tratamento são fundamentais para a qualidade de vida e sobrevivência dos pacientes renais.
Fonte: ABCDT e SES-RJ, com Redação