Todo dia era ‘dia de índio’. E eles viviam livres e saudáveis ao seu modo até a chegada do ‘homem branco’ no século 16. Passando pelas epidemias de gripe e sarampo, no século 20, mais recentemente com a gripe H1N1, em 2009, até a pandemia de Covid-19, em 2020, tribos e aldeias inteiras foram dizimadas.
Hoje, são quase 1,7 milhão de brasileiros que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se declaram indígenas, com laços ancestrais com uma das 305 etnias identificadas no país.
Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional, que chegava a 3 milhões em 1500, segundo estimativa da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Atualmente, eles sofrem com doenças como malária, tuberculose, hepatite e infecções respiratórias. Também são altos os índices de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), hipertensão arterial, problemas de coluna vertebral, colesterol alto e depressão.
Indígena recebe vacina da Covid (Foto: Secretaria de Saúde do Ceará)
Antes chamado ‘Dia do Índio’ – expressão que caiu em desuso e hoje é considerada ofensiva -, o Dia dos Povos Indígenas (19 de abril) chama atenção para a luta histórica em torno da demarcação de territórios dos primeiros habitantes do Brasil, mas também destaca a importância do acesso dessa população a um direito básico e constitucional, comum a todos os brasileiros: o direito à saúde.

Menor expectativa de vida

Sensíveis às enfermidades trazidas por não-índígenas e, muitas vezes, habitando regiões remotas e de difícil acesso, eles estão mais vulneráveis a doenças infecciosas e crônicas, além de sofrer com deficiência de saneamento básico.  Estudos revelam que os indígenas no Brasil têm menor expectativa de vida, grandes chances de sofrer de anemia na infância e de desnutrição.
Os indígenas convivem diariamente com alta carga de febre, doenças parasitárias e infecciosas, bem como estão expostos a uma onda de violência crônica. Existem falhas na alimentação e nos cuidados primários à saúde desses povos.
Uma das principais dificuldades que os indígenas têm enfrentado está inerente ao tempo de permanência na casa de apoio ou quando há necessidade de internação hospitalar, por haver rompimento da dieta que eles têm na aldeia que se baseia em alimentos da caça e pesca.

Um fator de risco para o desenvolvimento de diversas condições é a deficiência de saneamento básico. Muitos domicílios indígenas obtêm água de poços rasos ou diretamente de lagos ou cursos d’água. Nem sempre a água chega às bicas, mesmo quando a aldeia tem poço artesiano. Além disso, o lixo doméstico é enterrado, queimado ou jogado no entorno da aldeia.

Cerca de 60% dos territórios indígenas no Brasil ainda não têm acesso à água potável. Há vazios assistenciais’, locais onde as ações de saúde são a [única ou das poucas] materialização da presença do Estado brasileiro”, reconhece o secretário nacional de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, ao fazer um balanço das conquistas e desafios para melhorar as condições de vida das populações indígenas (veja mais no final do texto).

 

Saúde bucal é levada a crianças indígenas (Foto: Ministério da Saúde)
Os povos indígenas têm conhecimentos tradicionais que resultaram em práticas utilizadas em todo o País, inclusive na fabricação de medicamentos. Os sistemas tradicionais indígenas de saúde são baseados em uma abordagem holística de saúde, cujo princípio é a harmonia de indivíduos, famílias e comunidades com o universo que os rodeia.
Os conhecimentos tradicionais acumulados através dos tempos pelos povos indígenas resultaram em inúmeras práticas utilizadas em todo o País, em diversas áreas. No campo da Saúde, eles revelaram as propriedades curativas de plantas que hoje são utilizadas na fabricação de muitos medicamentos em todo o mundo.
No entanto, essas populações necessitam da assistência médica e hospitalar e preventiva para tratar condições adquiridas também no convívio com outras populações, já que boa parte dos territórios indígenas não está isolada do resto da sociedade, embora a distância possa ser um obstáculo para a oferta de serviços básicos de saúde.
Projeto leva saúde mental a população indígena (Foto: Amazônia Latitude)
Os principais desafios enfrentados da assistência básica

O bem-estar e a saúde dos povos indígenas estão sendo beneficiados por uma legislação progressista, com a valorização da diversidade sociocultural e com um subsistema público de atenção primária. Porém, ainda há vários desafios a serem enfrentados por essas comunidades e seus integrantes, por exemplo:

  • baixa qualidade dos serviços locais;
  • problemas sistêmicos;
  • despreparo para atender emergências;
  • falta de capacitação dos profissionais de Medicina;
  • mortalidade infantil;
  • escassez de medicamentos;
  • isolamento voluntário.
Entre as medidas que podem contribuir para melhorar a saúde indígena estão promover vacinação contra todas as doenças imunopreveníveis; e aumentar a fiscalização para o combate ao garimpo e à invasão de terras indígenas.

Leia mais

Dia dos Povos Indígenas: hospital no Pará celebra com crianças
Projeto fornece água purificada para indígenas ameaçados por garimpo ilegal
Indígenas têm menos acesso à vacinação contra Covid-19

Saúde indígena no SUS

Crianças indígenas se mobilizam por acesso a saúde (Foto: Reprodução)

O Sistema Único de Saúde (SUS) atende a população indígena por meio do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS). Criada em 2010, a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde é o órgão do Ministério da Saúde responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do SasiSUS.

Atualmente, a Sesai atende mais de 762 mil indígenas aldeados em todo o Brasil. A atenção básica é realizada por Agentes Indígenas de Saúde, nos postos de saúde e equipes multidisciplinares realizam ações periódicas. De acordo com a Sesai, o número de atendimentos a indígenas, incluindo consultas médicas, vacinações, atendimentos odontológicos, entre outros serviços, vem aumentando ano após ano, tendo saltado de 9,18 milhões em 2018 para 17,31 milhões em 2024.

O sistema conta com mais de 22 mil profissionais de saúde, sendo que destes, 52% são indígenas, e promove a atenção primária à saúde e ações de saneamento, de maneira participativa e diferenciada, respeitando as especificidades epidemiológicas e socioculturais destes povos. Na pandemia de covid-19, aldeias se mobilizaram em defesa da Sesai, ameaça no governo negacionista de Jair Bolsonaro.

Telessaúde: plano é conectar todas as unidades de saúde indígena até 2026

Brasnorte (MT), 09/04/2025 – Indígenas do Povo Rikbaktsa usando telefone celular na aldeia Beira Rio, Terra Indígena Erikpatsa. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
© Fernando Frazão/Agência Brasil

Uma boa notícia para este Dia dos Povos Indígenas. O governo federal planeja interconectar todas as unidades de saúde indígena do Brasil até o fim de 2026, garantindo que todos os estabelecimentos públicos responsáveis pela atenção primária à saúde dos povos originários tenham acesso à internet de qualidade. Mais de 700 pontos de conectividade já foram implementados.Segundo a Sesai, a iniciativa tem potencial para beneficiar a mais de 781 mil indígenas.

Nosso objetivo é chegar até o final do ano que vem com a universalização da conectividade em todas as unidades de saúde indígenas do nosso país”, afirmou o secretário nacional de Saúde Indígena,  Weibe Tapeba.

Segundo Weibe, melhorar a conectividade dos territórios permitirá, entre outras coisas, que o Poder Público implemente a infraestrutura de telessaúde nas comunidades, garantindo que os indígenas tenham acesso a médicos especialistas sem precisar deixar suas aldeias.

Isso também nos permitirá expandir a tecnologia da telessaúde, com a qual podemos evitar as remoções de pacientes indígenas para fora dos territórios”, acrescentou o secretário.

Entrevista do secretário de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Ricardo Weibe Tapeba, sobre o atendimento ao povo Yanomami, no Distrito Sanitário Especial Indígena.
Secretário de Saúde Indígena (Sesai) Weibe Tapeba, informou que mais de 700 pontos de conectividade já foram implementados. – Fernando Frazão/Agência Brasil

Dos 34 atuais Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), 19 já dispõem do serviço de consultas à distância, que utiliza internet banda larga do Programa Conecta Brasil, do Ministério das Comunicações. E que, segundo o MPI, reduz o deslocamento dos pacientes, que podem realizar exames de rotina e consultas com cardiologistas, oftalmologistas, dermatologistas, pneumologistas e outros especialistas a partir dos polos bases já devidamente equipados.

“Além de garantir a inclusão dos dados [clínicos] nos sistemas de informações [nacionais], a conectividade das unidades de Saúde é uma forma de permitir que os profissionais de saúde que vão atuar nestas localidades mantenham contato com seus familiares”, acrescentou Weibe Tapeba ao falar sobre a dificuldade de manter os profissionais não indígenas nos territórios distantes dos grandes centros urbanos.

Temos territórios de difícil acesso, onde o recrutamento não é um processo fácil, pois o profissional precisa praticamente ficar morando no território por um longo período, às vezes, por meses. Por isso, temos buscado melhorar e garantir as condições de trabalho, incluindo a parte de infraestrutura”, garantiu o secretário.

‘O maior orçamento da saúde indígena de todos os tempos’

Weibe Tapeba relembra que assumiu a Sesai em 2023, primeiro ano do atual governo de Lula, em meio a um cenário de desmonte. Ainda durante a transição [entre os governos Bolsonaro e Lula], a proposta orçamentária enviada ao Congresso Nacional previa o corte de 59% do orçamento da Sesai.

Conseguimos não só recompor o orçamento, como, nos dois primeiros anos, incrementamos o Orçamento em cerca de R$ 1 bilhão”, afirmou Weibe. Segundo ele, metade dos recursos foi aportada em 2023, e outros R$ 500 milhões em 2024, elevando para cerca de R$ 3 bilhões o total atualmente destinado ao subsistema do Sistema Único de Saúde (SUS).

É o maior orçamento da saúde indígena de todos os tempos. Mesmo assim, temos uma demanda reprimida, um passivo, sobretudo em termos de infraestrutura, especialmente na área do saneamento básico”, admitiu o secretário.

Com a quantia disponível, segundo ele, é possível manter os cerca de 22 mil profissionais de saúde indígena e todas as unidades de saúde indígena; investir no sistema de saneamento e custear os contratos que os Distritos Sanitários Especiais Indígenas [Dseis] mantém, o que inclui horas-voos e locação de veículos [para transporte de pacientes, profissionais e suprimentos.

No entanto, para ampliar os pontos de conectividade e implementar outras iniciativas para melhorar a saúde indígena será necessário maior aporte de recursos financeiros apontando que uma redução do orçamento disponível poderia inviabilizar a prestação do serviço de saúde para a população indígena.

Temos um estudo que aponta que para darmos conta do passivo e resolvermos os vazios assistenciais, especialmente na Amazônia, seriam necessários quase duas vezes mais recursos do que os que já vínhamos recebendo. A necessidade real seria de cerca de R$ 5 bilhões ou R$ 6 bilhões”, frisou Weibe.

Diante desse cenário, a Sesai tem buscado alternativas para otimizar a gestão e ampliar a assistência, por meio de apoio e parcerias e acordos de cooperação técnica com instituições, universidades e outras instâncias do governo brasileiro.

Divididos estrategicamente por critérios territoriais, tendo como base a ocupação geográfica das comunidades indígenas, os Dseis são unidades gestoras descentralizadas do SasiSUS. Cada um reúne um conjunto de serviços e atividades, prestadas por meio das Unidades Básicas de Saúde Indígenas (UBSIs), polos-bases e Casas de Saúde Indígena (Casais).

Curiosidade – Dia do Índio x Dia dos Povos Indígenas

O nome da data comemorativa mudou de “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas” por força da Lei 14.402/22, aprovada em 2022. Defensores das causas indígenas argumentam que a mudança foi de um termo genérico para uma expressão que considera a diversidade dos povos indígenas que vivem no Brasil.
O objetivo da mudança é reconhecer e valorizar a diversidade cultural e étnica dos diferentes povos indígenas, que possuem suas próprias línguas, tradições, culturas e sistemas de organização social. A mudança de nome busca também aumentar a consciência sobre a importância dos direitos indígenas e promover o respeito à sua cultura e tradições. 
O termo “índio” era considerado genérico e pejorativo, pois remetia a uma ideia homogênea de indígena, ignorando a riqueza da diversidade. Já o termo “indígena” é considerado mais apropriado porque remete à origem, ao lugar de onde os povos indígenas são nativos, e destaca a diversidade de cada um deles.  

Com informações do Ministério da Saúde, Agência Brasil, Agência Fiocruz, Enap, Afya

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *