O uso de internet já faz parte do cotidiano dos jovens: em 2023, 95% das pessoas de 9 a 17 anos eram usuários de internet no Brasil, quase a totalidade de pessoas na faixa etária investigada, segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil. Um uso em excesso pode ser prejudicial na saúde mental e física, no entanto, moldar esse uso para práticas mais saudáveis é uma boa alternativa para evitar consequências maiores.
Estudos recentes sobre o uso da tecnologia no desenvolvimento infantil revelam que o cérebro de crianças e adolescentes é particularmente vulnerável aos estímulos digitais. De acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil possui mais de 100 milhões de smartphones em circulação, e a maioria das crianças tem seu primeiro contato com a tecnologia entre os 4 e 6 anos. Isso levanta uma importante questão: como educadores e famílias podem se adaptar a esse novo paradigma?
Recentemente, o Brasil tomou uma medida radical ao proibir o uso de celulares em escolas, uma decisão que divide opiniões. De um lado, há os defensores de que o aparato tecnológico tem prejudicado a concentração e o rendimento acadêmico das crianças. Do outro, existe a realidade de que essas mesmas crianças nasceram na era digital e são, por essência, imersas nesse mundo virtual.
A questão é: estamos, como sociedade, preparados para lidar com esse novo cenário sem prejudicar o desenvolvimento das futuras gerações? Assim, estabelecer limites e criar uma rotina produtiva para eles, de forma que exista um equilíbrio entre diversão “no mundo real” e o uso de tecnologia é mais do que necessário. Para a neuropsicanalista Carla Salcedo, a decisão de proibir totalmente os celulares nas escolas tem implicações complexas.
A proibição pode ser uma resposta imediata a um problema real, mas não trata a raiz da questão. As crianças de hoje nasceram em um mundo digital, e seus cérebros estão sendo moldados por essas novas tecnologias. O desafio é como usar essas ferramentas de forma positiva, e não se livrar delas de maneira simplista”, afirma a especialista.
Sem prejuízo ao desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças
Embora o uso de celulares possa ser um fator de distração, a questão não é apenas sobre a presença do aparelho, mas como ele é utilizado. A pesquisa realizada pela Unicef Brasil em 2023 mostrou que, embora 78% dos professores considerem os celulares uma distração em sala de aula, 55% deles afirmam que o uso controlado pode ser uma ferramenta educativa. O grande desafio está em equilibrar essas duas pontas: aproveitar os benefícios da tecnologia sem comprometer o aprendizado.
Para a neuropsicanalista, a solução não está em restringir o acesso à tecnologia, mas em educar para um uso consciente. “Precisamos de uma nova alfabetização digital. Não basta saber usar um celular; é preciso saber como ele impacta a mente e como os professores podem usar essas ferramentas de maneira que complementem o processo de aprendizagem”, explica Carla Salcedo.
Tecnologia não precisa ser a vilã: rotina equilibrada de crianças é possível
Equilibrar a rotina das crianças entre diversão offline e online, além de estimular uso consciente da tecnologia, é fundamental para o desenvolvimento
As preocupações das famílias vão mudando com o tempo. Hoje, precisamos pensar nessa balança. É importante que eles não fiquem alheios à tecnologia, que sem dúvidas já faz parte de suas vidas, mas também que não se excedam no uso. Estabelecer horários fixos para cada atividade é o primeiro passo, pois ajuda eles a entenderem a importância dos limites”, explica Henrique Nóbrega, diretor fundador da Ctrl+Play, rede de ensino de tecnologia e inovação.
De acordo com o especialista, durante os dias letivos, os familiares podem, por exemplo, estabelecer um horário para usar a internet e jogar videogame assim que os filhos chegam da escola, pois dessa forma podem extravasar e se divertir após um dia mais intenso de aprendizados.
Após um período usando tecnologia, é a hora de se dedicar para estudar e finalizar as tarefas escolares. Em seguida, o uso da tecnologia é restrito e podem ser incentivadas brincadeiras em família, com amigos, brinquedos, jogos de tabuleiro e outros. Um ponto importante é limitar o uso de internet ao período da tarde, reservando a noite para desacelerar com brincadeiras mais leves, leituras e integração com os familiares.
O mesmo serve para quando a família estiver fora de casa e precisar encontrar meios de entreter as crianças. O equilíbrio entre tecnologia e brincadeiras ainda é a peça-chave, mas já existem brinquedos interativos que também estimulam a coordenação motora e o raciocínio, como livros de colorir, livros de encaixe, lousas mágicas, canetinhas laváveis, blocos magnético e outros.
Uma opção também é encontrar brincadeiras, tanto digitais quanto analógicas, que funcionam com um objetivo, pois assim trazem a sensação de propósito e consciência sobre cada ação. A ideia é incentivar as crianças a terem atitudes mais ativas e menos passivas”, comenta Henrique.
Tecnologia não é inimiga
Inclusive, é possível combinar ambas modalidades de forma educacional. A tecnologia não precisa ser tratada como uma vilã, e sim, ser utilizada como uma aliada, uma ponte para contribuir no desenvolvimento infantil. Uma das alternativas para chegar a esse cenário tem sido o aprendizado sobre programação e robótica. Com elas, as crianças conseguem desenvolver a criatividade, raciocínio lógico, a comunicação, autoconfiança, senso crítico sobre o uso consciente de tecnologia, além de poderem criar seus próprios games, aplicativos e robôs.
O objetivo ao ensinar programação e robótica é que os pequenos deixem de ser apenas consumidores e se tornem criadores de tecnologia. Desse modo, elas podem enxergar o potencial da tecnologia como algo benéfico e produtivo, assim como as famílias, que vão encontrar meios de desenvolver suas crianças e equilibrar o brinquedo e o teclado de uma só vez”, finaliza o diretor da Ctrl+Play.
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8 dicas para pais e professores lidarem com essa transição
Diante desse novo cenário, tanto os pais quanto os educadores precisam ser proativos em relação ao impacto digital. Carla Salcedo oferece algumas dicas essenciais para lidar com essa transição:
1. Desenvolver uma comunicação aberta: Pais e professores precisam conversar sobre os impactos da tecnologia no desenvolvimento das crianças. Promover um ambiente onde o celular seja visto como uma ferramenta, e não um vilão, é fundamental.
2. Educação sobre o uso consciente: Ensinar as crianças a fazerem escolhas saudáveis, limitando o tempo de tela e criando espaços para atividades offline, como leitura, esporte e interação social.
3. Utilizar a tecnologia como aliada: Professores podem usar os celulares de forma criativa, por meio de aplicativos educacionais que incentivem o aprendizado, sem substituir o contato humano e a reflexão crítica.
4. Ser exemplo: Tanto pais quanto educadores devem dar o exemplo. O uso responsável da tecnologia em casa e na sala de aula será, sem dúvida, o maior aprendizado que os jovens podem ter.
5. Estabelecer limites claros: Definir horários e locais específicos para o uso de dispositivos, como durante as refeições ou antes de dormir, para evitar impactos negativos na qualidade do sono e nas relações familiares.
6. Promover a interação social e atividades fora das telas: Incentivar atividades em grupo, como jogos de tabuleiro, brincadeiras ao ar livre e práticas esportivas, ajudando as crianças a desenvolverem habilidades sociais e emocionais importantes para a vida real.
7. Criar um ambiente de aprendizado balanceado: Pais e professores podem alternar momentos de uso da tecnologia com atividades analógicas, como leitura de livros, arte ou tarefas práticas, para garantir uma experiência de aprendizado completa e integrada.
8. Fomentar a reflexão crítica sobre o conteúdo digital: Ensinar as crianças a avaliar o que consomem na internet, promovendo o pensamento crítico sobre as informações e desenvolvendo uma postura mais consciente sobre o conteúdo acessado.
O uso de celulares nas escolas é um debate que exige reflexão profunda. Em vez de ver as novas gerações como “vítimas” da tecnologia, talvez seja hora de repensar nossas estratégias de ensino e adaptação. Como bem afirma Carla Salcedo, “a era digital exige mais do que uma proibição; ela nos desafia a preparar as crianças para um mundo que já chegou”.
Pais e educadores têm o poder de guiar esse processo, criando um ambiente que favoreça o equilíbrio entre a modernidade e os valores essenciais do aprendizado humano. Essa discussão está longe de ser resolvida, mas uma coisa é certa: a resposta para esse dilema está nas mãos e pais, tutores e educadores.
Com Assessorias