No início do ano, o Brasil assistiu pela TV um cenário de guerra que expõe o descaso social e ambiental com a comunidade indígena. No dia 20 de janeiro, o Ministério da Saúde declarou Emergência Pública de Importância Nacional diante da necessidade de combate à desassistência sanitária dos povos que vivem no território Yanomami. A portaria foi publicada na edição extra do Diário Oficial da União.

Famílias inteiras foram resgatadas bastantes debilitadas, com costelas aparentes e rostos esqueléticos. Uma situação desumana, principalmente entre crianças e idosos. Dados obtidos pela DW (Deutsche Welle) e confirmados pelo CIR (Conselho Indígena de Roraima) indicam que a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos foi de 1,8 por dia em janeiro – totalizando 56 vítimas naquele mês.

Na região, 6 de cada 10 crianças menores de 5 anos apresentam déficit nutricional, ou seja, têm peso considerado inadequado para a idade, a maior parte delas já em desnutrição severa. Segundo informações obtidas pela Sumaúma, nos 4 anos de governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), 570 crianças com menos de 5 anos morreram no território Yanomami pelo que as estatísticas chamam de “mortes evitáveis”. O número oficial já é 29% maior do que nos 4 anos anteriores, dos governos de Dilma Rousseff (PT) e, após o impeachment, de Michel Temer (MDB).

Relação com o garimpo ilegal

O problema tem relação direta com o avanço do garimpo ilegal e desassistência do governo nos últimos anos. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Hutukara Associação Yanomami, apontou que no último ano de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o garimpo ilegal cresceu 54% na Terra Indígena Yanomami. Dois meses após a declaração, garimpeiros ainda atuam na terra indígena – o que impede a chegada dos serviços de saúde, o que aumenta a incidência de doenças infecciosas.

No início do ano, 20 mil garimpeiros ocupavam o território Yanomami, segundo estimativa da Hutukara Associação Yanomami (HAY). Embora a emergência tenha entrado para a agenda do governo federal, a força-tarefa voltada para o atendimento à saúde e distribuição de alimentos e água potável ainda é insuficiente.

Reclamações sobre a qualidade da água são comuns na região, como explica o jovem Enenexi Yanomami: “Água suja para comer, estraga o peixe. Crianças muito fracas. Água, bebe-se suja e barriga dói muito”, diz. Estudos divulgados em 2021 pela Fiocruz, apontaram que 60% dos indígenas da Terra Sawré Muybu têm o metal tóxico no organismo acima do limite tolerado pela OMS. Sete estudos realizados pela fundação mostram que mulheres e crianças são as mais vulneráveis à intoxicação por mercúrio.

“A ocupação da região pelo garimpo ilegal é prejudicial em diversas frentes. Para separar o ouro do carvalho, o mercúrio é utilizado como uma solução viável e prática. O problema é que esse metal pesado contamina as águas e os peixes que os indígenas consomem. No corpo humano, o mercúrio pode afetar a coordenação motora, a visão e até mesmo a memória”, afirma Fernando Silva, CEO da PWTech, startup de purificação de água contaminada.

Equipamento purifica até 5.760 litros de água por dia

A PWTech desenvolveu em parceria com o corpo técnico da Ufscar (Universidade de São Carlos), o PW5660, equipamento capaz de purificar até 5.760 litros de água por dia; 4 litros por minuto. A solução tem sido usada na gestão de graves crises humanitárias ao redor do mundo. O aparelho pesa apenas 12 quilos e uma unidade consegue abastecer até 100 pessoas. Para o empresário, “a tecnologia foi criada para ir onde a rede de distribuição não vai”, diz.

No Brasil, o equipamento está instalado em duas comunidades Yanomamis. Na Aldeia Taracoa, Amazonas (AM), a instalação foi realizada em dezembro do ano passado. Na época, a população vinha sofrendo repetidas epidemias de diarreia e verminoses. Em busca de alternativas para melhorar a qualidade de vida da população, a Secoya (Associação de Cooperação com o Povo Yanomami) iniciou a parceria com a PWTech.

Para ajudar a comunidade, a startup fez a doação de um sistema de purificação e filtragem de água, com alto rendimento em águas contaminadas, substâncias químicas e biológicas. Ao todo, 80 habitantes estão sendo beneficiados com a tecnologia. Neste ano, a companhia também realizou a doação de 3 equipamentos para o Hospital de Campanha em Surucucu — RR.

A ação faz parte da campanha da União Brasil para o Instituto Socioambiental (ISA) — que tem atuado com a proteção do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos – aproximadamente 85 habitantes serão beneficiados na primeira etapa do projeto. Além da PWTech, a região tem recebido ajuda de diversas organizações.

A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS) integrou a força-tarefa nacional para o combate e controle de emergências de saúde aos Yanomami, nos municípios de São Gabriel da CachoeiraBarcelos e Santa Isabel do Rio Negro, na região do Alto Rio Negro. A iniciativa faz parte de uma ação do Centro de Operações de Emergência em Saúde – Yanomami (COE-Yanomami), do Ministério da Saúde, do qual a instituição passa a fazer parte. Juntos, esses três municípios somam mais de 7,8 mil indígenas Yanomami, conforme dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Já a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) enviará, até o dia 3 de maio, mais de 12 mil cestas de alimentos para a distribuição à população Yanomami. As cestas foram adquiridas em um leilão, com recurso de R$ 5,2 milhões do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

A Força Aérea Brasileira (FAB) divulgou um balanço dos 60 dias de atividade no Território Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, e apontou que foram entregues 350 mil quilos de alimentos para indígenas. Cerca de 20 mil cestas básicas foram distribuídas no território, atendendo mais de 40 aldeias. Lideranças que estiveram em Roraima em fevereiro deram diferentes abordagens para as urgências, como kits que filtram água, cestas básicas adaptadas, lavadoras de roupas e a reforma de um polo de saúde.

Proteger territórios indígenas evita impactos à saúde

O estudo Proteger os territórios indígenas da Amazônia brasileira reduz as partículas atmosféricas e evita os impactos e custos associados à saúde, publicado no dia 6 de abril na revista Nature, reforça a importância de proteger os territórios indígenas da Amazônia. Segundo a pesquisa, a preservação dessas áreas reduz a emissão de partículas atmosféricas, e estima que mais de 15 milhões de casos respiratórios e cardiovasculares poderiam ser evitados a cada ano, além da economia de cerca de US$ 2 bilhões em custos de saúde.

Para Fabiana Prado, bióloga e coordenadora do LIRA / IPÊ (Legado Integrado da Região Amazônica, do Instituto de Pesquisas Ecológicas), o estudo é mais uma prova da importância da proteção das terras indígenas da Amazônia, não só para as comunidades que vivem lá, mas para todo o planeta.

“É fundamental ouvir e respeitar as comunidades tradicionais, reconhecendo sua sabedoria e conhecimento em relação ao meio ambiente e à biodiversidade local. Neste ponto, é importante destacar a importância de projetos que envolvam a participação ativa das comunidades indígenas na gestão sustentável dos recursos naturais”, afirma.

O Lira / Ipê busca contribuir para a promoção da sustentabilidade e da valorização da cultura indígena, reconhecendo a importância das comunidades tradicionais na gestão dos recursos naturais e na preservação da biodiversidade, e fortalecendo a proteção de seus territórios. O objetivo do projeto é promover e ampliar a gestão integrada para a conservação da biodiversidade, a manutenção da paisagem e das funções climáticas e o desenvolvimento socioambiental e cultural de povos e comunidades tradicionais.

Centro de Plantas Medicinais

Centro de Plantas Medicinais Indígenas OLAWATAWA (foto Abner Surui)

A construção do Centro de Plantas Medicinais Olawatawa, na aldeia Paiter Suruí, em Rondônia, é um exemplo de projeto que valoriza a cultura indígena e busca a sustentabilidade econômica e ambiental da região. Naraiamat Suruí, coordenador do centro, destaca a importância da iniciativa para a geração de renda e a preservação da medicina tradicional. “Além de gerar renda para a comunidade, o centro de plantas medicinais fortalece a medicina tradicional, que é muito importante para o nosso povo”, afirma.

O projeto de preservação de plantas medicinais teve início em 2015 sem recursos e contando com a força de vontade da própria comunidade. O LIRA / IPÊ apoiou a construção de um novo centro, que foi inaugurado no dia 19 de março. “Hoje temos estrutura para receber pessoas que queiram conhecer o centro e a cultura Paiter Suruí, com cozinha, auditório, alojamento”, comemora.

O LIRA abrange 34% das áreas protegidas da Amazônia, considerando 20 UCs Federais, 23 UCs Estaduais e 43 Terras Indígenas, nas regiões do Alto Rio Negro, Baixo Rio Negro, Norte do Pará, Xingu, Madeira-Purus e Rondônia-Acre. O projeto é uma iniciativa idealizada pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, Fundo Amazônia e Fundação Gordon e Betty Moore, parceiros financiadores do projeto. Os parceiros institucionais são a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Amazonas – SEMA-AM e o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará – IDEFLOR-Bio.

Agenda Positiva

Para marcar o Dia dos Povos Indígenas, como forma de celebrar a diversidade das culturas e de incentivar a garantia de direitos dos povos originários brasileiros, uma série de eventos tem ocorrido pelo país, chamando a atenção para a proteção aos primeiros habitantes do Brasil, que hoje vivem em situação de extrema vulnerabilidade social em muitas partes do país.

Rio de Janeiro recebe 500 indígenas de diversas etnias

No Rio de Janeiro, cerca de 500 indígenas de dezenas de etnias do Brasil ocuparam os amplos e lindos jardins do Museu da República, na zona sul da cidade, para mostrar sua cultura viva, em uma grande feira intercultural indígena em celebração ao “Dia dos Povos indígenas“.  Além da grande feira artesanal com 90 barracas de expositores indígenas e dos rituais, cantos e danças tradicionais, o evento contou com outras atrações, como rodas de contação de histórias, de conversas e debates, artesanato indígena, espaço para ervas medicinais e pintura corporal.

A feira, realizada nos dias 15 e 16 de abril, teve a presença de representantes de 25 povos indígenas: Guarani, Pataxó, Puri, Fulni-ô, Tukano, Kaingang, Guajajara, Ashaninka, Tikuna, Tupinambá, Baniwa, Waurá, Kamayurá, Kayapó, Mehinako, Pankararu, Kariri-Xocó, Karajá, Potiguara, Sateré Mawé, Bororo, Kadiwéu, Kambeba, Ananbé, Kichua e Goitacá. Com entrada franca a adultos, jovens e crianças, a 13ª edição deste evento único – que até o ano passado era realizado no Parque Lage – é também uma excelente oportunidade de lazer cultural para o público carioca curtir em família e também para os visitantes.

A saga da Aldeia Maracanã – A programação do evento inclui a exibição no sábado do curta-metragem “Abya Yala”, seguido de debate sobre a questão dos indígenas em contexto urbano. No domingo, um segundo curta-metragem foi exibido – “A Saga da Aldeia Maracanã” – seguido de uma mesa de debate sobre as origens, conquistas e luta atual do movimento indígena que em 2006 fez a ocupação cultural do prédio do antigo museu do índio, ao lado do estádio do Maracanã. No evento também foi lançada a campanha “Restauro Já”, cobrando do governo do estado o prometido restauro do prédio do antigo museu do índio, tombado em 2013 pelo Inepac e IRPH, para inaugurar nele o “Centro de Referência da Cultura Viva dos Povos Indígenas“, aberto aos 305 povos indígenas que existem no Brasil.

A Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM), idealizadora e realizadora do evento, reúne indígenas de várias etnias que vivem em contexto urbano no Grande Rio e também das oito aldeias Guarani e Pataxó que existem nos municípios de Paraty, Angra dos Reis e Maricá, e neste evento promove a valorização da cultura ancestral dos povos originários, proporcionando ao público uma oportunidade única de encontro e troca de saberes entre indígenas de vários etnias em contato direto com o público do Rio. O evento teve apoio institucional do Museu da República e do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). 

Com Assessorias

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