A epidemia de dengue que avança em todo o país este ano acendeu o alerta vermelho para médicos de diferentes especialidades. Especialistas em Hematologia e Oncologia também alertam que o cuidado necessita ser ainda maior entre pessoas imunossuprimidas, como pacientes com câncer e outras doenças hematológicas, já que elas não podem ser vacinadas.

A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) esclarece que a dengue tem repercussão no sangue devido à vasodilatação, com potenciais riscos, como o desenvolvimento de plaquetopenia, cujas pintinhas vermelhas são características, podendo apresentar a necessidade de transfusão sanguínea em casos hemorrágicos, sua forma mais grave.

O médico hematologista Carmino de Souza, diretor científico da ABHH, explica que nos pacientes diagnosticados com dengue acontece uma vasodilatação com extravasamento de plasma sanguíneo, a parte líquida do sangue, havendo risco de pressão baixa, de desidratação e até de morte. 

“Além disso, um fenômeno que acompanha a vasodilatação é o extravasamento de plaquetas, células responsáveis pela coagulação, o que leva a uma plaquetopenia, que são o aparecimento de pintinhas vermelhas nos membros do corpo. No entanto, ela é reversível à medida que a dengue vai se controlando”, diz ele, que também é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Em casos raros, complementa Souza, pode haver a necessidade de o paciente receber doação de sangue para elevar o nível de plaquetas: “Mas é pouco comum, embora quando o paciente tem dengue hemorrágica seja importante esse acompanhamento do médico clínico geral para avaliação por meio de exames como o hemograma”, conta.

Nesses casos, um médico hematologista pode oferecer um suporte. Também é importante mencionar que o paciente com dengue não deve doar sangue por aproximadamente 30 dias após o diagnóstico.

Risco para pessoas com câncer

A infectologista Isabella Cleinman, coordenadora médica do serviço de controle de infecção hospitalar do Hospital Marcos Moraes, explica que pacientes em tratamento oncológico podem ter mais chances de desenvolver a forma mais grave da dengue, a hemorrágica.

Isso ocorre porque a quimioterapia, uma das terapias mais empregadas no combate a neoplasias, leva, muitas vezes, à queda de plaquetas, que têm justamente a função de interromper o fluxo sanguíneo quando um vaso é rompido, além de impedir sangramentos.

Pacientes com câncer hepático ou hematológicos, como leucemias e linfomas, também devem ser acompanhados de perto caso contraiam dengue, diz a infectologista:

“Como a dengue pode acometer as células do fígado e provocar lesões hepáticas, os pacientes com câncer hematológico ou hepático, que costumam já ter baixa de plaquetas ou anemia, por conta da doença crônica, podem ter também o quadro agravado, já que as formas hemorrágicas da dengue provocam o consumo dos fatores de coagulação”, esclarece.

Vacina não é indicada para pacientes onco-hematológicos

A vacina contra a dengue entrou no Calendário Nacional de Vacinação pela primeira vez em dezembro de 2023. Em 521 dos 5.570 municípios ou distritos do país, o governo federal passou a iniciar a imunização contra a dengue de pessoas de 10 a 14 anos, a partir deste mês.

De acordo com a médica virologista Ester Sabino, membro do Comitê de Doenças Infecciosas Transmitidas por Transfusão da ABHH, o Ministério da Saúde definiu essa estratégia porque ainda existem poucas doses de vacina, sendo escolhida a faixa etária considerada mais vulnerável e com mais internações.

Embora seja uma esperança para a população, a vacina contra a dengue, liberada pela Anvisa e recomendada para quem tem entre 4 e 60 anos, não deve ser ministrada a pacientes oncológicos, pois é composta por vírus vivo atenuado.

“A recomendação é que pacientes que estejam em tratamento não sejam imunizados. Já os que encerraram a terapia devem esperar seis meses após o término”, afirma Isabella Cleinam,

Adriana Scheliga, médica hematologista e membro do Comitê do Comitê de Linfomas não-Hodgkin da ABHH, reforça que a vacina da dengue não é indicada para pacientes em tratamento onco-hematológico.

“Por ser produzida por um vírus vivo atenuado, não indicamos a vacina aos pacientes em tratamento do câncer, assim como vacinas para caxumba, sarampo, rubéola, febre amarela, poliomielite, entre outras”, esclarece.

Para pacientes com uma imunossupressão mais severa, por exemplo, em pessoas vivendo com HIV com o organismo mais debilitado, é importante uma avaliação do médico, que irá verificar a situação clínica e o contexto epidemiológico da região onde ele vive.

Prevenção com uso de repelente e combate a focos do mosquito

Para Fernanda Pimentel, embora já exista a vacina contra a dengue, a prevenção é a melhor forma de se combater a doença. Neste caso, é necessário a prevenção usando repelente e combatendo o mosquito com as medidas cabíveis em casa, por exemplo, não deixando água parada em vasos de planta”, orienta ela.

“É importante ressaltar que as autoridades públicas e a população precisam estar atentas, pois o primeiro cuidado deve ser voltado para eliminar os focos do mosquito. As principais medidas são o uso de telas nas janelas, uso de repelentes e a remoção de recipientes que possam se transformar em criadouros de mosquitos”, indica a médica.

Os pacientes oncológicos devem, como todos, evitar locais com água parada, não deixando caixas d’água destampadas e vasos de planta com pratinhos para evitar o surgimento de criadouros de mosquito. Outro cuidado fundamental é a aplicação correta de repelente, que deve ser passado em toda a área exposta.

“Só não é indicado usar o repelente em áreas com corte ou inflamadas”, diz Isabella, que recomenda ainda que, sempre que possível, os pacientes fiquem em áreas com ar-condicionado, já que, no frio, o Aedes aegypti fica mais inativo.

 

Covid-19 serviu de alerta para epidemia da dengue

Dados do Ministério da Saúde informam que, apenas em janeiro de 2024, foram registrados 217 mil casos de dengue no Brasil, mais que o triplo em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram notificados mais de 65 mil casos. Nas primeiras sete semanas do ano, mais de 650 mil casos foram registrados,  com 98 mortes confirmadas da doença e outras 381 aguardando a finalização de análises laboratoriais.

Os dados, divulgados em 16 de fevereiro, mostram que na semana anterior à publicação da pesquisa, também cresceu o número de adultos doentes, na faixa entre 40 e 49 anos, com 51.756 casos em mulheres e 40.369 em homens. Alguns estados brasileiros se destacam no número de infecções: Minas Gerais, com 192.258 casos, São Paulo, com 90.408 e Distrito Federal, com 67.768.

Para os especialistas, a experiência da pandemia da Covid-19 também serviu de alerta ao governo no gerenciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em epidemias como a de dengue.

“A Covid-19 desorganizou os serviços de saúde inclusive a resposta à dengue. Essa desorganização associada ao aumento da temperatura fará com que este ano tenhamos uma das maiores epidemias de dengue”, pontua Sabino, também, professora da Universidade de São Paulo (USP). 

Para Souza, a pandemia da Covid-19 evidenciou que com um serviço de saúde organizado, seja ele público ou privado, a resposta à epidemia de dengue deve ser mais efetiva.

“Na grande maioria dos casos de dengue, com exceção dos casos mais graves, o tratamento é feito na rede básica do SUS. Portanto, quanto mais bem organizadas as equipes e a relação com os laboratórios para diagnóstico, melhor. Com uma população bem informada, com o diagnóstico precoce e a hidratação do paciente no tratamento, haverá uma boa evolução dos casos”, conclui o médico.

Com Assessorias
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