Na área da saúde, o Novembro Negro – dedicado à conscientização sobre o respeito às pessoas pretas e pardas – oferece uma oportunidade para refletir sobre como atender e orientar efetivamente essa importante população, levando em consideração suas necessidades. Conforme dados do Ministério da Saúde, a população negra no Brasil detém os piores indicadores de saúde. A disparidade é determinada por questões socioeconômicas.

A mortalidade das pessoas pretas internadas com doença cardiovascular no Brasil é maior do que a registrada entre pessoas brancas. A idade média de internação dos pretos é dois anos mais baixa do que a dos brancos, o que significa que eles ficam doentes mais cedo. Essas são as principais conclusões do estudo “Desigualdade racial e saúde cardiovascular”, lançado pelo Instituto Nacional de Cardiologia (INC), do Ministério da Saúde, neste Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (20/11).

O estudo do INC identificou que, de 2014 a 2024, a média de idade de internação dos pacientes brancos com doenças cardiovasculares foi de 63 anos e a média dos pacientes pretos foi de 61 anos. Como a internação só ocorre quando a doença está estabelecida, é correto afirmar que os pretos adoecem por doenças cardiovasculares, em média, dois anos antes que os brancos.

Bernardo Tura, pesquisador do Observatório de Saúde Cardiovascular do INC, responsável direto pelo estudo, a idade é um fator fundamental para a morte por doença cardiovascular: quanto mais velho, maior a mortalidade. Ele afirma que a disparidade entre pretos e brancos é determinada por fatores socioeconômicos, uma vez que não há motivos biológicos relevantes que justifiquem as diferenças.

O estudo analisou os dados das Autorizações de Internação Hospitalar por diversas doenças cardiovasculares – insuficiência cardíaca e doenças coronariana, hipertensiva, valvar, cerebrovascular e reumática – de 2014 a julho de 2024, em todo o território nacional. Cabe lembrar que as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil.

Em relação à cor de pele, nos últimos censos, o IBGE trabalha com as seguintes classificações: branca, preta, amarela, parda e indígena. No entanto, os pesquisadores optaram nesse estudo por unificar as cores preta e parda como preta, seguindo o entendimento atual predominante, proposto pelos movimentos populares antirracistas e os estudiosos da área.

Outra conclusão muito importante do estudo é que, de 2014 a 2024, a mortalidade dos pacientes internados por doença cardiovascular foi de 7,8% em brancos e 8,6% em pretos. Como os pretos são internados antes (mais jovens) que os brancos, o lógico seria que a mortalidade fosse maior entre os brancos, mas é o contrário que ocorre. A conclusão é que a disparidade na mortalidade entre brancos e pretos é ainda maior do que a expressa pelos números acima (7,8% x 8,6%).

Não há praticamente ninguém no Brasil pesquisando esse tema. Há estudos sobre a saúde da população negra em geral, mas não especificamente sobre a saúde cardiovascular desse grupo. Essa nossa iniciativa é muito importante pela escassez de dados científicos e técnicos nessa área”, afirma Aurora Issa, diretora do INC, ao chamar a atenção para a falta de estudos sobre a saúde cardiovascular da população negra.

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65,9% das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras

As doenças infecciosas, por exemplo, impactam principalmente pessoas negras. O fato não ocorre por predisposição do organismo, mas, sim, à falta de acesso aos serviços de saúde e de saneamento básico. De acordo com a publicação “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil” (IBGE, 2019), 42,8% das pessoas pretas ou pardas não têm acesso ao esgoto por rede coletora ou pluvial, em comparação com 26,5% da população branca. Além disso, 12,5% dos negros no país moram em domicílios sem coleta de lixo, enquanto entre brancos o percentual é de 6%.

O dossiê Mulheres negras e justiça reprodutiva”, publicado pela ONG Criola em 2021, aponta que elas são maioria nos casos de mortalidade e violências. O documento indica que 65,9% das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras. A pesquisa “Nascer no Brasil”, da Fiocruz, revela que as mulheres negras têm prevalência mais alta de parto pós-termo (após 42 semanas de gestação) e possuem pré-natal com um menor número de consultas e exames, em comparação com outras populações.

Quatro doenças mais comuns entre pessoas negras

Em novembro de 2022, o Ministério da Saúde divulgou o Boletim Temático de Saúde da População Negra. A publicação aborda doenças que são predominantes em pessoas negras em virtude de fatores genéticos, mas também fatores sociais e ambientais.

Anemia falciforme: doença caracterizada pela alteração de glóbulos vermelhos no sangue . Devido ao formato diferente, que fica parecido com uma foice e por isso o nome da doença, as células rompem de forma facilitada, causando anemia.

Na população negra, a frequência da doença varia de 6% a 10% dos indivíduos, enquanto na população brasileira em geral a variação vai de 2% a 6%. O diagnóstico é feito pelo exame chamado eletroforese de hemoglobina. O teste do pezinho, feito gratuitamente nas maternidades, proporciona a identificação precoce. O tratamento prevê acompanhamento vitalício do paciente, para melhor orientação e prevenção de sintomas graves.

Diabetes mellitus (tipo II): A doença é caracterizada por disfunções metabólicas que levam a níveis elevados de açúcar no sangue. Atinge com mais frequência mulheres negras (em torno de 50% mais frequência na comparação com mulheres brancas). Entre os homens, atinge 9% mais negros que brancos. Diagnóstico normalmente é feito com exame laboratorial de sangue.

A doença não tem cura, mas há tratamento para o controle. É necessário fazer uso de medicamentos que auxiliam no controle da glicemia, bem como manter hábitos de alimentação saudável, prática de exercícios físicos, sono adequado e controle do estresse.

Hipertensão arterial: Ocorre quando a medida da pressão arterial do indivíduo mantém-se frequentemente acima de 140 por 90 mmHg. Em geral, a doença é mais prevalente em homens, e tende a atingir um pouco mais a população negra, de ambos os sexos. Hipertensão arterial não tem cura, mas é possível realizar o controle. As orientações são evitar cigarro e álcool em excesso, manter peso adequado, ter alimentação saudável e praticar exercícios físicos.

Deficiência de G6PD (Deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase): A falta dessa enzima resulta na destruição dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica. Afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo, sendo mais comum na população negra. Por ser um distúrbio genético ligado ao cromossomo X, é mais frequente nos meninos.

“É importante destacar que duas dessas condições (diabetes e hipertensão) podem ser controladas com hábitos saudáveis. As orientações para uma alimentação moderada, exercícios físicos regulares e um sono de qualidade devem ser seguidas por aqueles que buscam uma vida saudável”, explica a cardiologista Camila Hartmann, do Hospital São Marcelino Champagnat e coordenadora médica do Hospital Universitário Cajuru.

Consciência negra na saúde: as particularidades raciais no atendimento e orientação

Explorando fatores genéticos e sociais para informar políticas públicas de saúde mais equitativas

Com o objetivo de estabelecer diretrizes para a promoção, prevenção e tratamento de saúde destinados a pessoas pretas e pardas, em, 2009 foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) pelo Ministério da Saúde. 

Em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1.781 municípios brasileiros, equivalentes a 32% dos mais de 5.500 municípios do país, incluíram em seus planejamentos de saúde ações previstas na PNSIPN. Os profissionais de saúde e os hospitais devem estar alinhados com a necessidade de oferecer um atendimento universal e eficaz a todos.

As formações na área da saúde atualmente enfatizam a importância de entender diferentes contextos para proporcionar atendimentos efetivos a todas as populações. É fundamental que os profissionais compreendam a diversidade da sociedade brasileira e, ao auxiliar indivíduos e suas famílias, contribuam para a construção de uma sociedade mais igualitária”, analisa a cardiologista Camila Hartmann.

Fatores socioeconômicos

Para a a clínica médica dos Hospitais São Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, Larissa Hermann, o Novembro Nego também é uma oportunidade para falar sobre o acesso à saúde para a população negra. “O problema é complexo, mas dar luz a ele é essencial. O desafio é grande para buscar a igualdade entre os cidadãos, conforme garante a Constituição Brasileira”.

Além de estabelecidas formalmente, as políticas públicas precisam ser executadas pelas prefeituras, governo de estados e governo federal. “Um dos princípios do SUS é a equidade, por isso precisamos investir mais onde a carência é maior. Se quisermos diminuir desigualdades – e a maior parte dos brasileiros verdadeiramente quer que isso ocorra – não podemos nos omitir”, analisa.

Aos médicos cabe pôr em prática o que está previsto no artigo I, do capítulo I do Código de Ética. “A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”, destaca a médica.

Com Assessorias

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