A mulher que perde o marido é viúva; a que perde os pais é órfã. A mulher que perde o filho é algo que não cabe em palavras. Essa experiência – a maior dor do mundo – não é passível de nomeação. Sentimentos que acompanham as mães enlutadas costumam ganhar uma dimensão indescritível com a proximidade do Dia das Mães.

Vivenciar o inominável é voltar à condição alheia de criança recém-nascida, incapaz de concretizar qualquer estímulo que não venha das próprias vísceras. O mundo de fora fica mudo; o de dentro, grita a cada toque. Mas como se sente a mãe diante da morte de um filho?

Esse questionamento é, de certa forma, o start para três obras que selecionamos para o ‘Ler Faz Bem’ desta semana, às vésperas do Dia das Mães (12 de maio), quando a dor da saudade costuma ganhar dimensões inimagináveis para mães enlutadas. Confira!

‘A Lua e o Girassol: um dia mães em luto, outro dia mães em luz’

Sete vozes se confundem em evocações uníssonas; os nomes próprios se desfazem diante dos sentimentos comuns. ‘A Lua e o Girassol: um dia mães em luto, outro dia mães em luz’de autoria de Marina Miranda Fiuza, se constrói a partir de depoimentos de sete mães cujos filhos, de diferentes idades, faleceram em circunstâncias diversas.

Lançado em 2021 pela Primavera Editorial, o livro foi escrito a partir da narrativa de Carla Scheidt Lund, Claudia Petlik Fischer, Gabriela L. C. S. Oliveira, Maria Cecília C. Nigro Capuano, Mariana Azevedo Laurini Yoshida, Marília Rocha Furquim e Marlise de Andrade Corsato.

A autora Marina Miranda Fiuza conta que conheceu as mães – que se reuniam em um grupo no Facebook de mães enlutadas – no Dia Internacional da Mulher (8 de março) de 2018. Segundo a autora, a amizade entre Carla, Cecília, Claudia, Gabriela, Mariana, Marília e Marlise foi firmada pelo laço doloroso do luto.

“Ao contrário da maioria das amizades que nasce de encontros ocasionais, da frequência de ambientes comuns, de paixões compartilhadas e interesses mútuos, o que as aproximou foi a experiência da morte dos seus filhos. Entre elas, sentiam-se livres para falar sobre os seus filhos, mesmo quando o mundo ao redor parecia ter superado a morte deles; entre elas, puderam expor os desejos mais macabros, sem serem julgadas de insanidade”.

Ainda segundo a autora, “foi permitido que as intimidades viessem à tona sem o receio de magoar ninguém. Foi permitido chorar enquanto riam e rir enquanto choravam, sem obedecer à imposição social da alegria a todo o custo, nem da penitência do luto eterno. Houve espaço, ainda, para não dizer nada, quando o silêncio se fez necessário”, afirma.

Hoje, elas continuam essa amizade. “Procuram-se, hoje, para se sentirem menos sozinhas. Imersas em uma sociedade em que a morte é tabu, são isoladas pelo estigma da mãe enlutada”.

Marina afirma que “a sociedade oscila entre reprovar a “superação” do luto de um filho e a santificar uma mulher que resiste à morte do filho”. Os capítulos abordam a experiência cíclica de viver em luto e viver em luz, algo que se alterna nessa experiência que demanda “continuar vivendo”.

As diferentes experiências de luto; Os rituais de despedida; As burocracias da morte; A sobrevivência imposta; As sequelas do luto; Meu filho vive em mim; Os objetos que ficam; Desfazendo o quarto; Encontrando a luz no fim do luto; Transformações necessárias; Como prejudicar o luto de uma mãe; e Preservando a memória são alguns dos títulos que abordam diferentes fases desse luto que se alterna.

“Sempre atenta às mensagens do mundo, sabia que o dia não era mera obra do acaso. De fato, não demorou muito para que eu me desse conta de que o projeto do livro seria, também, uma descoberta da força e sabedoria femininas. Nos depoimentos e na vida, é como se cada uma se dividisse em duas versões de si mesma. A versão que avançou na jornada estende a mão para aquela que permanece passos atrás e lhe diz: vai ficar tudo bem. Se uma contempla a luz, a outra sempre relembra a escuridão. Nessa gangorra, a vida prossegue, não menos difícil, não menos bela. Sempre lua, sempre girassol”, finaliza.

No prefácio, o escritor português Valter Hugo Mãe afirma:

“As mães e os pais dos mortos são muito sem sentido. Nem sempre sabemos onde têm a cabeça ou os pés porque tanto daquilo que os ordena é agora de outra natureza. Ficamos diante dessas pessoas pasmando, porque elas contêm uma ciência que nenhuma biblioteca vai conter, simplesmente porque não há como explicar o absurdo, ele é uma experiência indizível que os livros imitarão sem sucesso algum”.

“As mães e os pais dos mortos começam por viver num país só deles e quando chegam a coincidir conosco, em cidades tão reais quanto São Paulo ou Porto, Erechim ou Vila do Conde, são como emigrantes. Viverão sempre como certos emigrantes chegados de uma outra cultura, com dificuldades de traduzir na nossa Língua o que sentem e o que querem dizer, por mais simples que seja.”

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Confira alguns trechos da obra, pelas 7 mães

Página 24 | Carla

“[…] Quando a equipe de primeiros socorros finalmente chegou e assumiu os procedimentos, Carla se distanciou. Do canto da sala observava o filho, no auge dos seus dezoito anos de idade, assumir um aspecto qualquer diferente do que ela conhecia. Nicholas era cada vez menos Nicholas, ali, deitado no corredor da sala.”  

Página 26 | Claudia

“[…] A vida de Anna Laura se extinguiu assim, como uma bolha de sabão que estoura diante dos olhos e é preciso piscar algumas vezes para entender se ela ainda está ali ou não, para captar se é seu brilho ou a memória do instante anterior que persiste na retina.”

Página 30 | Gabriela

“[…] A morte, visita tanto inconveniente como insistente, havia sido rechaçada em todas as tentativas de aproximação anteriores por aquela mão vigilante. Finalmente, a morte era admitida. Entrou no quarto do hospital e sentou-se diante do leito de Sofia.”

Página 33 | Cecília

“[…] Durante os onze meses da vida de Júnior, Cecília viveu a concretização absoluta do amor que já não cabia dentro de si, até o desfecho doloroso de sua morte. De olhos bem abertos.”

Página 35 | Mariana

“[…] Se Caio, nos seus três anos de vida, havia ensinado outras linguagens que não a fala verbal para a comunicação, agora deixava o desafio de ser visto não pelos olhos, mas pelo coração.”

Página 37 | Marília

“[…] Não eram só os braços que estavam vazios, toda a existência era desfigurada por um enorme vazio. Marília estava oca.”

Página 39 | Marlise

“[…] O corpo do filho diante dos seus olhos era uma realidade tão absurda que mais parecia cena de ficção. Sob o peso da morte, desprendeu um esforço descomunal para se colocar de pé novamente e tomar as decisões necessárias para conseguir, enfim, acompanhar o filho até seu destino. Caio de volta para o mar.”

FICHA TÉCNICA

Título: A Lua e o Girassol: um dia mães em luto, outro dia mães em luz

Autora:  Marina Miranda Fiuza

Categoria: Memórias

Páginas: 144

Preço sugerido: R$ 44,90

E-book:  29,90

SOBRE A AUTORA

Mãe de dois filhos, Marina Miranda Fiuza se interessou pela temática do luto com a morte de seu irmão. Com raízes mineiras – e memórias em Mato Grosso do Sul – ela é membro do grupo de pesquisa “A voz escrita infantil e juvenil: práticas discursivas”, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ministra o curso de extensão “O Livro Ilustrado Infantil: palavra, imagem e interações” na COGEAE/PUC-SP desde 2015.

Doutoranda em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestre pela mesma instituição (2011). Realizou Estágio Doutoral na University of Michigan (Estados Unidos), com bolsa PDSE/CAPES. Graduada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2006, é especialista em Psicopedagogia Institucional pelas Faculdades ASMEC (2007) e graduada em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (2010).

‘Nossos filhos têm mães’: luta pela memória de vítimas da violência

Livro revela a lembrança, a luta, a violência e a saudade daqueles que tiveram as vidas ceifadas pela polícia ou pela milícia na Baixada Fluminense

Seria impossível descrever a dor de alguém que perde um filho. Imagine, então, se essa perda precoce fosse provocada pela milícia, ou ainda, pela polícia. O que “Nossos Filhos Têm Mães quer é mostrar que muito além da vida perdida, o Estado opressor e que mata sem medida destrói um lar, uma família, e, principalmente, uma mãe. Uma mãe que tira forças de onde não há uma gota de esperança, para que a memória de seu filho não seja apagada como alguém que não merecia a vida que tinha.

Publicado pela editora Telha a partir da dissertação de mestrado em Ciências Sociais da jornalista Giulia Escuri, essa obra choca por sua profundidade ao passo que nos mostra uma realidade que nenhum programa policial é capaz de transmitir.

“Nossos Filhos Têm Mães explora as relações entre território, dor, sofrimento e parentesco manejadas pelas mães e familiares de vítimas de violência do Estado na Baixada Fluminense. Debruçada sobre o tema da violência praticada por agentes do Estado, que compreende policiais militares e também grupos de extermínio e milícias, a autora analisou as mobilizações de mulheres e familiares das vítimas.

“Nossos mortos têm voz; nossos filhos têm voz; nossos filhos têm mães!” é um grito proferido pelas mães e familiares de vítimas de violência estatal nos atos e protestos. Levando cartazes com o rosto dos filhos, vestindo blusas com suas fotos e lutando contra o Estado, responsável por retirar a vida de uma pessoa amada, as mulheres são as protagonistas nessa luta.

As integrantes da “Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado na Baixada Fluminense” são as principais interlocutoras desta pesquisa. Por meio de atos protagonizados pela Rede que foram acompanhados em 2019 e de entrevistas concedidas por essas mulheres no fim de 2020 e início de 2021, é possível notar categorias centrais para um estudo acerca dessas agências femininas que seguem um evento crítico.

Já a escolha pela Baixada Fluminense, se justifica por ser historicamente associado ao estigma da criminalidade e conviver com a exaltação de grupos poderosos responsáveis pelo assassinato, em massa, de jovens negros.

A obra ainda avalia questões como o gênero enquanto elemento central, a conexão entre emoções, luto e maternidade na luta por justiça e memória dos mortos. Além disso, também são levados em conta aspectos como os encerramentos nas trajetórias das mães após a morte de um filho e o modo como suas vidas e seus corpos são afetados pelo sofrimento.

Por fim, esse estudo investiga o lugar do parentesco na ausência de filhos e familiares vitimados pelo Estado e o exercício da maternidade em territórios periféricos, mesmo para mães que, agora, têm de se relacionar com um filho que não existe mais no plano físico.

De forma impressionante e esclarecedora, “Nossos Filhos Têm Mães!” mostra, através de um trabalho respeitoso sobre as trajetórias dessas mulheres, um delicado e doloroso esforço para relatar as ações, as dores e as “lutas por justiça” contra o Estado, realizadas por pessoa, ávidas para comprovar a “inocência”, assim como ansiosas para buscar o respeito e a perpetuação das memórias dos vitimados.

Sobre a autora:

Giulia Escuri vive na Baixada Fluminense. É formada em jornalismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela mesma universidade (PPGCS/UFRRJ) e doutoranda pelo mesmo programa. Desde 2018 pesquisa a Baixada Fluminense, a violência estatal e as agências das mães e familiares de vítimas de violência de Estado.

 

Mãe ressignifica perda do filho e transforma luto em celebração de vida

Clésia Zapelini narra os aprendizados do nascimento de Caio até sua morte precoce devido a uma doença degenerativa rara

Quando Caio começou a perder o equilíbrio do corpo, Clésia da Silva Mendes Zapelini (foto) e o marido, Clávison, iniciaram uma busca intensa para entender o que estava acontecendo. Foram necessários meses de viagens a outras cidades, diagnósticos errados e exames invasivos para eles descobrirem a verdade: o filho de dois anos tinha leucodistrofia metacromática, uma doença rara grave, degenerativa e sem cura.

A expectativa de vida era de aproximadamente 18 meses, mas o garoto superou as probabilidades e chegou a comemorar o décimo aniversário. Quando Caio faleceu aos 10 anos, ela enfrentou uma dor extrema até conseguir ressignificar a perda para encontrar novos sentidos para a vida.

Por isso, tornou como propósito ajudar mães que também vivenciaram a perda dos filhos para uma enfermidade e escreveu “O pequeno grande Caio”, para quebrar os silêncios sobre o luto materno.

A obra narra as experiências ao lado do menino Caio, desde o nascimento dele até a morte. Ela fala sobre a busca por um diagnóstico; os períodos de felicidade; a dor de perder uma criança antes de ela partir; a organização do funeral; os primeiros dias em casa sem o menino, entre outros temas. Tudo para conversar com pais órfãos de filhos e confortá-los no período mais difícil da vida deles.

A partir de um relato pessoal, a autora enfatiza um tema que muitos ainda têm medo de abordar: a morte de um ente querido e os sentimentos do processo de enlutamento. Sem eufemismos, ela fala sobre como vivenciou o luto antes do óbito e a confirmação dos médicos; a organização do funeral; a escolha da última roupa que ele usaria; e o primeiro dia em casa sem o menino.

Dividida em três partes, a obra percorre a chegada de Caio, a partida dele e como os dias continuaram após seu falecimento. Nos 16 capítulos narrados em primeira pessoa, além de contar com relatos de amigos, familiares e profissionais, Clésia Zapelini explica como transformou a dor em uma celebração da vida.

Para seguir em frente, ela descobriu novos sentidos na doação dos pertences para crianças em vulnerabilidade social; na posterior adoção de dois adolescentes; nas palestras para levar esperanças a quem vivenciou situações semelhantes; nas corridas de rua ao lado do marido; e no contato com a natureza.

O lançamento literário foi a maneira que a mãe encontrou de ajudar outras pessoas. Dias depois de perder o primogênito, ela buscou livros que falassem sobre o luto materno relacionado à morte por doenças e, ao perceber as escassas opções, decidiu escrever O pequeno grande Caio. Além de ser uma forma de auxiliar aqueles que ficam após uma perda, a obra reforça no leitor o sentimento e o direito de existir com plenitude, felicidade e amor, independentemente da idade e do tempo de vida que lhe resta.

Quando perdemos um filho, a dor sempre nos acompanhará e, por isso, apenas ressignificamos o sentido dela, justamente porque sabemos que estamos de passagem e a estadia do nosso ente querido aqui na Terra foi mais curta. Ressignificar tudo isso e seguir em frente com mais coragem e determinação é a única saída, pois a vida já havia começado a nos ensinar com todas essas perdas do corpinho dele que, indiferente da dor que sentimos, precisávamos continuar vivendo da melhor forma possível, pois, caso contrário, corríamos o risco de ver o rio passar e ficar a sua margem, perdendo a oportunidade de ir evoluindo, aprendendo, crescendo e vivendo ricas experiências. (O pequeno grande Caio, pg. 55)

Sobre a autora

Coordenadora pedagógica com graduação em Pedagogia e doutorado em Ciências da Linguagem, Clésia da Silva Mendes Zapelini trabalha há 28 anos na área da Educação. Em paralelo, é palestrante e compartilha sua história para inspirar outras pessoas. Natural de Gravatal, em Santa Catarina, está produzindo o documentário “Caio: uma vida, mil lições”, aprovado por edital da lei Paulo Gustavo, realizado pela Prefeitura Municipal de Gravatal.

Redes sociais: Instagram | Facebook | LinkedIn

FICHA TÉCNICA


Título: O pequeno grande Caio
Subtítulo: O menino que ressignificou vidas
Autora: Clésia da Silva Mendes Zapelini
Páginas: 268
Preço: R$ 55 (físico) | R$ 19,90 (e-book)
Onde encontrar: Amazon | Formulário Google

Com Assessorias

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