Em abril de 2023, o Conselho Federal de Medicina (CFM) vetou a prescrição para fins estéticos, a partir da publicação da Resolução CFM no 2.333/2023, sobre o uso de terapias hormonais para fins estéticos e de desempenho físico. Com a aprovação do documento, passa a ser proibido que médicos no Brasil indiquem tratamento com esteroides anabolizante com tal finalidade.
Fica vedada a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) com finalidade estética, para ganho de massa muscular e/ou melhora do desempenho esportivo, seja para atletas amadores ou profissionais, por inexistência de comprovação científica suficiente que sustente seu benefício e a segurança do paciente. É o que define o Conselho Federal de Medicina (CFM) através da Resolução nº 2.333/23, publicada nesta terça-feira (11 de abril) no Diário Oficial da União (DOU).
Já em vigor, a norma destaca a inexistência de estudos clínicos randomizados de boa qualidade metodológica que demonstrem a magnitude dos riscos associados à terapia hormonal androgênica em níveis acima dos fisiológicos, tanto em homens quanto em mulheres, além da ausência de comprovação científica de condição clínico-patológica na mulher decorrente de baixos níveis de testosterona ou androgênios.
O uso indiscriminado de terapias hormonais com EAA, incluindo a gestrinona, com objetivos estéticos ou para o ganho de desempenho esportivo, é hoje uma preocupação crescente na medicina e para a saúde pública, uma vez que, de acordo com as mais recentes evidências científicas, não existem benefícios notórios que justifiquem o aumento exponencial do risco de danos possivelmente permanentes ao corpo humano em diferentes órgãos e sistemas com sua utilização”, alerta a relatora e conselheira federal Annelise Menegusso.
Leia mais
Alguns remédios são um perigo para o funcionamento dos rins
Mulheres buscam estética íntima por mais prazer e autoestima
Ginecomastia: o que causa e como tratar o aumento da mama masculina?
Riscos dos anabolizantes para a saúde
O CFM também chama a atenção para os riscos potenciais do uso de doses inadequadas de hormônios e a possibilidade de efeitos colaterais danosos ainda que com o uso de doses terapêuticas, especialmente em casos de deficiência hormonal não diagnosticada apropriadamente, seguindo diretrizes e recomendações em vigor. Dentre os inúmeros efeitos adversos possíveis, estão:
Cardiovasculares
- hipertrofia cardíaca,
- hipertensão arterial sistêmica,
- infarto agudo do miocárdio,
- aterosclerose,
- estado de hipercoagulabilidade,
- aumento da trombogênese e vasoespasmo,
Hepáticos
- doenças hepáticas como hepatite medicamentosa,
- insuficiência hepática aguda
- carcinoma hepatocelular,
Transtornos mentais e de comportamento
- depressão
- dependência
Distúrbios endócrinos
- infertilidade
- disfunção erétil e
- diminuição de libido.
A resolução foi motivada por ações de diversas sociedades médicas, que emitiram nota conjunta pedindo ao CFM a regulamentação do uso de esteroides anabolizantes e similares para fins estéticos e de performance. São elas: as sociedades brasileiras de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), de Medicina do Esporte e do Exercício (SBMEE), Cardiologia (SBC), de Urologia (SBU), de Dermatologia (SBD), de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e pelas Federações Brasileiras de Gastroenterologia (FBG) e das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Uso apenas em casos de deficiência hormonal comprovada
A Resolução CFM nº 2.333/23 regulamenta que a prescrição médica de terapias hormonais está indicada em casos de deficiência específica comprovada, de acordo com a existência de nexo causal entre a deficiência e o quadro clínico, cuja reposição hormonal proporcione benefícios cientificamente comprovados, sendo “vedada ao médico a prescrição de medicamentos com indicação ainda não aceita pela comunidade científica”.
O uso de terapias hormonais com a finalidade de retardar, modular ou prevenir o envelhecimento permanece vedado pela Resolução CFM nº 1.999/2012. Com esse entendimento, a prescrição de EAA é justificada para o tratamento de doenças como hipogonadismo, puberdade tardia, micropênis neonatal e caquexia, podendo ainda ser indicada na terapia hormonal cruzada em transgêneros e, a curto prazo, em mulheres com diagnóstico de Desejo Sexual Hipoativo.
O CFM também define que, no exercício da medicina, fica proibida a prescrição e divulgação de hormônios anunciados como “bioidênticos” em formulação “nano” ou com nomenclaturas de cunho comercial sem a devida comprovação científica de superioridade clínica para a finalidade prevista nesta resolução, assim como de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS) para qualquer indicação. A vedação está de acordo com o entendimento atual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), expresso na Resolução nº 791/21.
Forma abusiva no uso dos hormônios
A conselheira Annelise Menegusso alerta que é crescente o número de pessoas utilizando tais medicações de forma ilícita e que, “concomitante ao uso de EAA, há um aumento da administração do hormônio do crescimento (GH) de forma abusiva por atletas, amadores e profissionais, como droga ergogênica, motivo pelo qual o GH encontra-se incluído na lista de substâncias anabolizantes (C5) da Anvisa, assim como no rol de drogas proibidas no esporte pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA)”.
Segundo ela, drogas ergogênicas tendem a melhorar o desempenho físico retardando a fadiga, impulsionando o ganho de massa muscular (propriedade anabolizante) e a quebra de gordura (propriedade lipolítica).
O texto aprovado pelo CFM determina ainda que ao médico permanece proibida a adoção experimental de qualquer tipo de terapêutica não liberada para uso no Brasil sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, que devem estar devidamente esclarecidos
A restrição também se estende para a realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular o uso ou fazer apologia a possíveis benefícios de terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular ou de melhora na performance esportiva.
Esse item assume relevância diante da proliferação de atividades de extensão, educação continuada e pós-graduação sobre terapias hormonais cuja base é o treinamento de profissionais para prescrição de hormônios e outros tratamentos ainda sem comprovação científica.
Endocrinologistas comemoram a decisão
A Sociedades Brasileiras de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) – uma das que assinaram o documento para o CFM – comemorou a decisão. “Esta resolução é uma vitória da boa Medicina e da Ciência”, disse Paulo Augusto Miranda, presidente da SBEM. “Ela protege a sociedade de uma narrativa que vinha sendo contada de que existe segurança no uso de terapias hormonais para essas finalidades, e em doses supra fisiológicas, o que não é corroborado pelas evidências científicas disponíveis e coloca em risco a vida dos pacientes”, destaca.
Segundo o especialista, era necessária uma atenção urgente ao tema, principalmente em função do número crescente de publicações em redes sociais incentivando a prática e dos casos de complicações aumentando a cada dia nos consultórios. Com a resolução, fica preservada a indicação dos hormônios para tratamentos com base científica comprovada, nos casos de deficiência hormonal, como no hipogonadismo masculino, e na terapia de afirmação de gênero.
A SBEM luta por uma regulamentação sobre a prescrição de hormônios esteroides há muitos anos. Ao longo deste tempo, foram inúmeras reuniões, cartas abertas, posicionamentos e notas oficiais alertando sobre o uso inadequado dessas substâncias.
Um dos documentos que enviamos ao CFM foi um ofício no qual incitávamos uma ação do órgão mediante nossa preocupação tanto com o aumento importante de prescrição de esteroides anabolizantes, como de cursos voltados para área médica com esse intuito”, relembra Paulo Miranda.
Até a publicação desta resolução, a prescrição de hormônios sem embasamento científico, por médicos e outros profissionais da saúde, poderia gerar penalização pelos conselhos profissionais pela má prática da Medicina no caso de gerarem no paciente efeitos adversos e complicações ao paciente. No entanto, cabia ao paciente essa denúncia. Agora, com a resolução, essa passa a ser uma conduta que infringe direta e claramente uma determinação do CFM.
A prescrição de qualquer hormônio requer acompanhamento especializado. A utilização dessas substâncias com finalidade estética e de ganho de desempenho físico esportivo era feita muitas vezes sem critério, sem acompanhamento e em doses supra fisiológicas, 5 a 15 vezes superiores, gerando potencial dano à saúde”, enfatiza Paulo Miranda.
Ainda segundo o presidente da SBEM, mesmo com a resolução, o compromisso da entidade com a orientação e o esclarecimento da população com relação ao tema continua.
Temos inúmeras ações de conscientização sobre o assunto já programadas para seguir expondo os riscos do uso inadequado de hormônios e seus malefícios para saúde como um todo, que vão desde a estética, com o aumento da acne e da calvície, até infertilidade, problemas cardíacos, perturbações psiquiátricas, dependência e morte”, adianta.
Com informações do CFM e Sbem