Principal resíduo gerado pelo ser humano, as bitucas – pequenas porções do cigarro que não foram queimadas e plástico não-biodegradável – contêm milhares de substâncias potencialmente tóxicas, como metais, hidrocarbonetos, compostos nitrogenados, aminas aromáticas, entre outras. Estima-se que, dos 5,5 trilhões de cigarros produzidos anualmente, 4,5 trilhões de bitucas sejam descartadas de forma inadequada.
Até os fabricantes de cigarros reconhecem o dano ambiental gerado pelas bitucas. Segundo estatísticas divulgadas pela própria indústria do tabaco, 61% dos cigarros são consumidos ao ar livre e, na natureza, as pontas ou guimbas, como também são conhecidas, podem levar até 15 anos para se decomporem. A cada segundo, aproximadamente 10 mil unidades desse resíduo são dispensadas de maneira inadequada em todo o mundo.
Pesquisa da Philip Morris International (PMI) com 12.800 pessoas de 10 países apontou que 25% dos adultos fumantes jogam as pontas de cigarro ao chão porque acham isso “normal”. No Brasil, a porcentagem sobe para 32%. O estudo também revelou que 75% dos pesquisados pensavam que os filtros de cigarro são feitos de algodão ou papel e apenas 13% sabiam que a matéria-prima principal é o plástico. No caso do Brasil, só 4% dos entrevistados tinham esse conhecimento.
A PMI é uma principais marcas de cigarros cujas bitucas mais poluem o ambiente, como aponta uma recente pesquisa realizada com apoio da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health (ver abaixo) na cidade de Guarujá (SP). As marcas foram identificadas por meio de logotipos ou nomes em mais de 80% das bitucas coletadas, sendo que mais de 57% foram identificadas como tendo sido fabricadas pela BAT Brasil ou Philip Morris Brasil.
Entre outras influências ambientais, como o tipo de solo e a precipitação anual, o estudo mostrou que os contaminantes resultantes das bitucas de cigarro geraram um nível “severo” de poluição ambiental, com estimativas de vazamento em proporções alarmantes. A partir desses resultados, segundo os pesquisadores, será possível responsabilizar também as marcas de cigarros que mais têm bitucas descartadas inadequadamente no país.
Estudo aponta impacto ambiental do descarte inadequado de bitucas
O relatório final da pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Instituto para o Controle Global do Tabaco (IGTC) da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e da ACT Promoção de Saúde – aborda o impacto ambiental do descarte inadequado de bitucas de cigarro e traça uma estimativa do mercado ilegal.
O estudo foi realizado em áreas urbanas do município de Guarujá (SP), entre março e abril de 2023, quando foram coletadas mais de 4,3 mil bitucas de cigarro em vias públicas. Os pesquisadores realizaram experimentos para estimar a taxa de poluição desses resíduos, com base no Índice de Poluição das bitucas de cigarro (CBPI), contendo seis classes de poluição que variam de “muito baixa” a “severa”.
“Além de tudo o que sabemos sobre os efeitos tóxicos do uso do tabaco entre os seres humanos e os impactos ambientais da cadeia produtiva do tabaco, como a degradação do solo e o desmatamento, este estudo demonstra que a poluição do cigarro ocorre em uma taxa severa depois que os produtos são consumidos e descartados indevidamente“, disse Graziele Grilo, coordenadora sênior do Programa de Pesquisa e líder regional para a América Latina do IGTC.
Uso de filtros nos cigarros deve ser proibido, aponta estudo
De acordo com o IGTC, esses resultados também enfatizam a importância de proibir o uso de filtros nos cigarros, o que não apenas reduziria o impacto ambiental do lixo de bituca (já que os filtros não são biodegradáveis), mas também colocaria fim às falsas alegações de menor risco associadas aos filtros que são usadas pela indústria do tabaco há décadas:
“Já temos pesquisas indicando que os filtros não trazem benefícios à saúde para as pessoas que usam cigarros, e sua utilização pelas empresas e alegações enganosas a seu respeito realmente ajudam a tornar o produto ainda mais atraente para os adolescentes – o efeito dessas alegações apenas serve aos interesses da indústria do tabaco. As descobertas do nosso estudo sobre seu impacto ambiental podem apoiar os esforços existentes para banir os filtros de cigarros por meio de políticas destinadas a reduzir a poluição plástica”, explicou Graziele.
Um passo para responsabilizar as marcas de cigarro
A identificação da marca (que não é comum em monitoramentos deste tipo) foi outra consideração singular deste estudo e também possibilitou estimar o status de legalidade dos produtos encontrados nas áreas pesquisadas, com base na lista de marcas aprovadas pela Anvisa. Os resultados indicaram semelhanças entre a presença de bitucas de cigarro ilícitas nas áreas pesquisadas da cidade de Guarujá e da cidade vizinha de Santos (com base em estimativas anteriores utilizando a mesma metodologia).
“Embora a existência de marcas e logotipos nas bitucas de cigarro represente valor de marketing pós-consumo para as empresas de tabaco, o fato de termos conseguido identificar as marcas nas bitucas dos cigarros descartados neste estudo também é um passo essencial para responsabilizar as empresas. Isso é especialmente importante para embasar ações que busquem indenização das empresas fumadoras pelos danos à saúde”, comentou Mariana Pinho, coordenadora de Projetos do Projeto Tabaco da ACT Promoção de Saúde.
“Dessa forma, também poderíamos considerar a adoção de mecanismos de compensação ambiental pelas autoridades competentes para reparar os impactos causados pelas bitucas de cigarro, tais como a criação de um fundo de proteção ambiental, taxas de impacto ambiental, entre outros”, acrescentou.
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Após a divulgação do novo estudo, marcas de cigarro, como a Philip Morris International (PMI) e a Japan Tobacco Internacional (JTI) anunciaram ações para tentar diminuir o seu impacto ambiental. Segundo a PMI, as conclusões de sua própria pesquisa sobre bitucas de cigarro reforçam a necessidade de campanhas de sensibilização para ajudar a mudar o comportamento dos adultos fumantes.
Para tentar minimizar o impacto que gera ao meio ambiente, a companhia lançou em 2022 a campanha Nosso Mundo Não é um Cinzeiro, com objetivo de conscientizar o público consumidor sobre o descarte correto das bitucas de cigarro. A proposta, segundo a empresa, é “contribuir para mudar o comportamento e atitudes de adultos fumantes que muitas vezes desconhecem o impacto do resíduo no meio ambiente”.
Neste fim de semana, a campanha será levada ao Rio de Janeiro (RJ), Santa Cruz do Sul (RS) e São Paulo (SP). Uma equipe de 20 colaboradores voluntários da empresa promoverá uma ativação dia 1º de dezembro (sexta-feira), às 9h, na Praia da Barra da Tijuca, zona oeste carioca. O grupo fará o recolhimento de bitucas descartadas de maneira inadequada e distribuirá bituqueiras portáteis para adultos fumantes.
A ação será promovida no mesmo dia nas cidades do Rio de Janeiro (RJ) e de Santa Cruz do Sul (RS). Em São Paulo, uma equipe de aproximadamente 60 pessoas promoverá a ação no domingo (3), às 10h, na Avenida Paulista. De acordo com a empresa, a campanha Nosso Mundo Não é um Cinzeiro está alinhada à meta global de reduzir o lixo plástico de seus produtos (que inclui a bituca de cigarro) em 50% até 2025.
A campanha já foi veiculada em outros países e, no Brasil, em 2022, projetos-pilotos passaram por São Paulo, onde foram instaladas bituqueiras nas regiões da Avenida Paulista e Vila Olímpia, e pela região Sul, quando foi realizada distribuição de bituqueiras portáteis em praias do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
No Brasil, a campanha também ganhou o website www.naoeumcinzeiro.com.br, em português, com o objetivo de educar o público sobre o impacto ambiental causado pelo lançamento das bitucas em ruas, praças, praias, rios e outros ambientes.
Projeto transforma 970 mil bitucas recolhidas em papel reciclado
A consciência sobre o impacto dos resíduos gerados sobre o meio ambiente motiva a busca por soluções que integram a chamada gestão de resíduos nas empresas. Uma das iniciativas da Japan Tobacco Internacional (JTI) é a parceria com a Poiato Recicla, empresa pioneira em reciclagem de bitucas de cigarro.
Desde junho de 2022 os 115 coletores espalhados nos municípios de Santa Cruz do Sul (RS), Florianópolis (SC) e Brasília (DF) tiraram do meio ambiente mais de 970 mil bitucas de cigarro. O material – que é recolhido por meio de caixas coletoras próprias da Poiato – contribui para projetos sociais. Depois de passar pelo processo de reciclagem, as bitucas são transformadas em massa de celulose que, nas mãos de artesãos, ganham forma e viram fonte de renda.
Para ampliar o número de entidades capacitadas a operar com o material, oficinas gratuitas fazem parte da parceria. Neste ano, elas já aconteceram em Santa Cruz do Sul (RS) e Florianópolis (SC), ensinando técnicas de manuseio da massa celulósica gerada por bitucas de cigarro para o desenvolvimento de artesanato. Entre abril e agosto, as oficinas capacitaram mais de 20 mulheres, além de 30 jovens estudantes.
A professora Leila Prado Benevides, especializada em artesanato de papel reciclado, conta que a capacitação incluiu artesãs da associação ligada ao Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, de Campinas (SP). “Todas elas receberam o passo a passo para transformar massa em materiais reciclados, como decoração de cadernos e blocos de nota, caixas de embalagens, lápis decorados, semijoias, flores artificiais, entre outros”, destaca a oficineira.
Em parceria com a Prefeitura de Florianópolis, a JTI promoveu entre março e abril, na Lagoa do Peri e na Udesc, uma campanha de conscientização e sensibilização sobre a necessidade de diminuir a quantidade de bitucas destinadas incorretamente e seus impactos para o meio ambiente.
Com informações de assessorias