A tragédia climática no Rio Grande do Sul deixou muitas marcas, entre elas, a solidão de mais de 15 mil animais desabrigados que precisam de um novo lar e uma nova chance para serem feliz e bem cuidados. Desde as enchentes que devastaram o estado, uma mobilização conjunta de voluntários, ONGs e associações vem se dedicando aos resgates e acolhimento de animais afetados.
Neste contexto, os abrigos improvisados enfrentam dificuldades para localizar os tutores dos animais e, quando isso não é possível, os animais são encaminhados para lares temporários ou adoção definitiva, uma vez que os abrigos estão superlotados. Muitos ficaram ‘órfãos’ de suas famílias, não foram resgatados por seus tutores – que também ficaram desalojados – e precisarão passar pelo processo de adoção, inclusive em outros municípios e até estados.
Porém, assim como os seres humanos, os animais – como seres sencientes que são – também enfrentam traumas psicológicos e a dor da separação de seus tutores. Esse luto vivido pelos animais abandonados em meio às cheias pode trazer consequências ao seu comportamento, saúde e bem-estar. Muitos podem demonstrar resistência e até mesmo medo quando encontram um novo tutor.
O processo de luto animal
É importante lembrar também que animais passam por momentos de luto quando perdem seu tutor ou são separados de outros animais. Por isso, o processo de readaptação precisa ser paciente e respeitoso, como explicam médicos veterinários, zootecnistas e especialistas em comportamento animal.
Cada animal tem uma história única e reações diferentes a traumas passados. Avaliar individualmente é essencial para entender suas necessidades específicas. No começo o animal pode apresentar comportamentos como latidos excessivos, medo e isolamento, por isso a paciência deve ser a primeira coisa que o tutor deve ter em mente quando resgatar um animal”, diz Wagner Brandão, um experiente comportamentalista animal.
Segundo ele, os pets são capazes de formar um vínculo emocional muito forte. A perda dessa conexão pode ter um impacto significativo na sua saúde emocional e física bem como no seu comportamento no dia a dia.
Por exemplo: é muito comum que alguns gatos percam uma quantidade enorme de pelos quando são separados dos seus donos ou de outros animais. É preciso ter isso em mente quando se está disposto a adotar um animal que já passou por algum trauma”, complementa o especialista.
Diante desta realidade, a médica-veterinária Kelly Maiara Lopes Carreiro, enfatiza que garantir a recuperação dos pets exige que os novos tutores tenham um entendimento básico sobre o histórico do animal, obtido nos abrigos, além de tempo e estrutura para receber o pet em seu lar e integrá-lo à rotina familiar.
Os pets podem ter passado por momentos muito desafiadores e podem levar certo tempo para superá-los, por isso é importante oferecer o máximo de suporte e segurança a eles”, ressalta Kelly, que atua na Special Dog Company.
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8 dicas para a readaptação de animais resgatados
Adotar um animal implica estar ciente das responsabilidades envolvidas e disposto a dedicar tempo e amor, fundamentais para a recuperação de pets em diferentes situações de vulnerabilidade no Brasil. Confira orientações e dicas práticas para fazer a readaptação de animais resgatados e garantir seu bem-estar físico e emocional:
Recepção responsável
Ao receber o animal em seu lar, é importante separar itens que o deixem confortável e o protejam do frio ou do calor. Também é crucial reservar locais em que ele possa descansar ou até mesmo se esconder, caso sinta essa necessidade. “É fundamental que os adotantes tenham consciência das responsabilidades envolvidas na adoção e estejam dispostos a dedicar tempo e amor aos pets resgatados”, destaca Kelly.
O primeiro passo para a readaptação de um animal é fazer uma avaliação do estado mental e físico do animal. Para isso, é importante consultar um profissional da área.
Ambiente seguro e acolhedor
Em seguida é fundamental proporcionar um ambiente seguro e estável. “Os animais precisam de um espaço onde se sintam protegidos e possam se adaptar gradualmente às novas condições. Um local tranquilo, sem muitos estímulos externos, é ideal nos primeiros dias”, afirma Brandão.
Preparar um ambiente acolhedor com itens essenciais, como camas, brinquedos e locais de esconderijo, é indispensável para promover o conforto e segurança dos animais resgatados.
Kelly enfatiza a relevância desse cuidado, sugerindo que “brinquedos ou acessórios para esconder petiscos são uma ótima opção para entreter os cães, enquanto os gatos apreciam arranhadores, brinquedos com bolinhas e penas. Todo tipo de enriquecimento ambiental é benéfico para aliviar a tensão e o estresse dos animais”.
Identificação de estresse
Os sinais de estresse e trauma podem variar entre os animais, exigindo uma abordagem individualizada. Segundo a especialista, enquanto alguns animais podem demonstrar sinais imediatos, como tremores e vocalizações, outros podem manifestar comportamentos agressivos ou maior sensibilidade a estímulos.
Nestes casos, é primordial procurar orientação de um médico-veterinário e/ou especialista em comportamento animal. Esse acompanhamento garantirá a melhor conduta a ser adotada, levando em consideração os sintomas ou comportamentos apresentados pelo cão ou pelo gato”.
Rotina diária
Manter uma rotina consistente é benéfico para a adaptação. “Os animais prosperam com previsibilidade. Estabeleça horários regulares para alimentação, passeios e brincadeiras. Isso ajuda a criar uma sensação de segurança e normalidade”, sugere o especialista.
Estabelecer uma rotina gradual de atividades, incluindo caminhadas e brincadeiras, é importante para promover a recuperação física e mental dos pets. Visitas regulares ao médico-veterinário também são recomendadas para monitorar a saúde.
Tudo deve ser introduzido aos poucos, assim, o tutor poderá avaliar se deve incluir mais atividades na rotina diante das preferências e interesses dos pets”, evidencia a veterinária Kelly.
Interação e descanso
Equilibrar momentos de interação com períodos de descanso é vital para reduzir a ansiedade e promover um sentimento de segurança nos animais.
Alimentação adequada: uma dieta adequada é fundamental para a recuperação dos animais traumatizados. Após possíveis dias sem se alimentarem ou devido a enfermidades, é importante oferecer alimentos de alta qualidade, ricos em nutrientes e de fácil digestão. “Os alimentos úmidos completos também são bastante atrativos e contribuem para a hidratação dos pets, sendo uma ótima escolha nesse processo de recuperação”, destaca Kelly”.
Socialização gradual
A socialização é um aspecto chave na readaptação. A introdução a novos membros da família, sejam humanos ou outros pets, deve ser feita de forma gradual, com paciência e supervisão cuidadosa dos tutores. Pode ser que o animal precise ser reintroduzido aos poucos ao convívio de outras pessoas e animais. Se houver outros animais na casa, é recomendado mantê-los inicialmente em cômodos separados e utilizar um acessório com o cheiro do novo animal para ajudar na familiarização.
Introduza o animal a outros animais e pessoas de forma gradual. Comece com encontros curtos e aumente a duração conforme o animal se mostra mais confortável. Isso ajuda a reduzir a ansiedade e a construir confiança entre todos. Porém, se ver que o animal está apresentando muita resistência, raiva o medo, suspenda por alguns dias e volte a socialização depois”, explica Brandão.
Além disso, é importante monitorar o progresso do animal e fazer ajustes conforme necessário. Brandão aconselha: “Observe o comportamento do animal e esteja pronto para adaptar o plano de readaptação. Cada animal responde de maneira diferente, e a flexibilidade é crucial.”
Treinamento positivo
Técnicas que ajudem a reforçar o comportamento desejado, apoiando o animal na reconstrução da confiança e autoestima. Para casos mais graves, busca de apoio especializado, como médico-veterinário comportamentalista ou adestramento especializado;
Amor e paciência
Como qualquer ser vivo, isso é tudo o que o animal deseja após tanto sofrimento. Por isso, Wagner Brandão enfatiza a importância da paciência e do amor nesse processo: “A readaptação pode ser lenta e desafiadora, mas com paciência, carinho e compreensão, é possível transformar a vida desses animais. Eles têm uma incrível capacidade de recuperação e podem florescer em um ambiente seguro e amoroso.”
Cuidados com a saúde de cães e gatos após a adoção
Adotar um cão ou um gato é um ato de amor e responsabilidade. Para garantir o bem-estar e a saúde dos novos membros da família, é essencial que os tutores estejam bem informados sobre os cuidados necessários logo após a adoção. A adoção é muito importante para auxiliar nesse momento e pede alguns cuidados, como vacinação e alimentação adequada, com o novo integrante da família. Juliana Dhein, médica-veterinária e gerente técnica do Grupo Hospitalar Pet Support, explica que a primeira medida a ser tomada após a adoção é levar o animal ao veterinário. Veja outras dicas
- Visita ao veterinário
O profissional realizará uma avaliação completa da saúde do pet, identificando possíveis problemas e orientando sobre vacinas, vermifugação e controle de parasitas”, contou.
- Vacinação
Cães e gatos precisam de um calendário de vacinação adequado para prevenir doenças graves e contagiosas. “Entre as vacinas estão as contra a raiva, polivalentes, gripe, entre outras”, destaca Juliana.
- Controle de ectoparasitas e endoparasitas
Cães e gatos precisam ter um controle de ectoparasitas e endoparasitas atualizado e adaptado de acordo com o contexto de vida de cada um destes, esta é uma forma de prevenir diversas doenças. O médico veterinário conseguirá fazer uma adequada indicação para cada caso.
- Alimentação adequada
A médica-veterinária também explica que a nutrição é um dos pilares da saúde dos pets. A escolha de uma ração de qualidade ou dieta balanceada, adequada à idade, porte e necessidades específicas do animal, é fundamental. Em alguns casos, o veterinário pode indicar dietas especiais.
- Higiene e cuidados com a pelagem
A higiene regular, incluindo banhos e escovação, ajuda a manter a pele e a pelagem saudáveis. Cães e gatos têm necessidades diferentes de higiene, e a frequência dos cuidados pode variar conforme a raça e o tipo de pelagem.
- Exercício e enriquecimento ambiental
Cães, em geral, necessitam de caminhadas diárias e brincadeiras para gastar energia e manter a saúde mental. Gatos, por sua vez, beneficiam-se de ambientes enriquecidos com brinquedos, arranhadores e espaços para escalada, estimulando seus instintos naturais.
- Socialização
A socialização é crucial, especialmente para cães. Expor os pets a diferentes pessoas, animais e ambientes desde cedo ajuda a prevenir problemas comportamentais e promove um animal equilibrado e feliz. O médico veterinário poderá instruir o novo tutor a fazer isso de forma segura e não traumática.
- Identificação
Identificar o pet com uma coleira contendo informações de contato e, se possível, um microchip, é uma medida importante para casos de perda. Isso aumenta as chances de reencontro com o tutor.
- Prevenção de doenças
Juliana destaca também que manter uma rotina de consultas veterinárias e seguir as orientações do profissional ajuda na prevenção de doenças. Além disso, estar atento a qualquer mudança no comportamento ou aparência do animal pode ser crucial para a detecção precoce de problemas de saúde.
- Cuidados específicos para gatos
Para os gatos, ambientes telados, seja em apartamento ou casa, são indispensáveis para evitar acidentes e prevenir algumas doenças. Além disso, é importante oferecer um ambiente seguro e estimulante, com arranhadores, esconderijos e locais elevados.
- Educação e paciência
Por fim, a médica-veterinária lembra que adotar um animal exige paciência e dedicação. A educação positiva, baseada em recompensas, ajuda na adaptação e na construção de um vínculo saudável entre tutor e pet.
Adotar é um gesto nobre que transforma vidas, tanto dos animais quanto dos humanos. Com cuidados adequados e muito amor, cães e gatos podem viver saudáveis e felizes, proporcionando alegria e companheirismo”, finaliza.
Com Assessorias




